Alguns anos atrás, discutíamos entre
amigos, em tom de brincadeira, quem era mais importante para a sociedade, o
médico ou o desembargador. Argumentei que o desembargador teria poderes para
dar ordens de prender ou soltar alguém da prisão, no entanto, não possuía a
autoridade médica para solicitar que uma pessoa se despisse para ser examinada.
Ordenar era muito diferente de solicitar.
E daí? Comentou o magistrado, não
é isto que torna um profissional mais importante que o outro, eu sou chamado de
excelência e você não. Além disso, continuou ele, ambos somos funcionários
públicos, concursados na mesma época, não obstante, meu salário é três vezes
maior que o seu. Deve haver alguma razão para isto. Imediatamente repliquei: razão
não! arbitrariedade, injustiça, iniquidade, isto sim é o motivo de tamanha
desigualdade. E digo mais, injuriava-o animado, as chances de você precisar de
meus serviços são infinitamente maiores que as minhas de precisar dos seus, um
dia você vai aprender a valorizar os médicos.
Segui com minha tese dizendo a
ele que quando estivesse dentro de um avião em pleno vôo e a aeromoça
solicitasse a presença de um médico a bordo, que ele levantasse a mão dizendo
ser desembargador e se oferecesse para ajudá-la. Ou então, quando estivesse no
saguão do tribunal, ou durante uma audiência e alguém apresentasse uma parada
cardíaca ou uma crise convulsiva, que o mesmo tirasse sua toga impecável e
realizasse uma respiração boca a boca ou uma desfibrilação cardíaca.
Em tom de desafio, continuei meu
discurso explicando que medicina não era uma ciência exata, e que, mesmo
colhendo toda a história do paciente, realizando um exame físico minucioso,
analisando exames laboratoriais e de imagem, nem sempre o médico conseguia
acertar o diagnóstico e tratamento. Como qualquer ser humano, estava sujeito a
falhar. Apesar disso, muitos médicos se consideravam deuses. Juristas, de modo
semelhante, porém mais altivos, consideravam-se oniscientes, portavam convicção
absoluta em suas sentenças e tinham certeza que eram deuses.
A disputa se estendia acalorada
até o momento em que meu oponente decretou uma sentença incontestável e
encerrou a discussão. Está bem, mas eu sou mais bonito que você, disse ele como
se estivesse na tribuna e mudou de assunto.
Na época, apesar de já sermos
homens feitos, a discussão refletia uma brincadeira típica de adolescentes,
cada qual querendo se mostrar melhor que o outro. Talvez houvesse mesmo um
confronto natural por trás da diversão, visando a liderança intelectual do
grupo de amigos. Entre machos das mais variadas espécies costuma haver disputa
pela hegemonia do bando e direito às fêmeas.
Não importa, já passou, o fato é que não há uma profissão mais
importante ou melhor que a outra, dependendo do contexto, um gari pode ser mais
valioso que um médico, um desembargador, um deputado ou até mesmo um presidente.
Frente a uma pandemia com
milhares de mortes, estado de calamidade pública, quem seriam os profissionais
mais capacitados para lidar com a situação e determinar políticas de saúde? Médicos
ou desembargadores? Alguma dúvida?
Infectologistas, intensivistas, farmacologistas, clínicos, cardiologistas,
pneumologistas, anestesiologistas estudam, pesquisam, publicam e dedicam suas
vidas a salvar outras vidas. Estão ali, na linha de frente, noite e dia, décadas
a fio arriscando suas vidas. É o que sabem e gostam de fazer. Ninguém melhor
que eles pra dizer o que está acontecendo e o que precisa ser feito.
No Brasil, lamentavelmente, juristas,
governantes e militares assumiram o comando da saúde, decretando distanciamentos
sociais, recomendando tratamentos farmacológicos, comprando equipamentos
médicos, fechando comércios, isolando cidades. Com que base científica? Onde
estudaram, qual sua experiência em diagnosticar e tratar doenças? Por que não
aceitam os preceitos médicos? Será que estão disputando beleza, poder ou algum
ganho financeiro como fazíamos lá atrás na adolescência?
Deu no que deu. 2020 vai entrar
para a história, a tragédia que poderia ser evitada.
PS – Aproveitando o recesso
parlamentar, convidei meu amigo para nos ajudar no combate à pandemia. Levando
em conta a carência de leitos hospitalares e respiradores, e visto que a
formação de um desembargador era no sentido de realizar julgamentos e tomar
decisões, sua experiência seria de enorme valia se o mesmo ficasse na portaria
das Unidades de Pronto Atendimento e hospitais, definindo quem teria o direito
de ser tratado e quem ficaria do lado de fora aguardando uma vaga para ser
atendido. Seu oficio deixaria os médicos mais focados para fazer aquilo que
realmente foram treinados e todos seriam beneficiados.
O desembargador cortou relações
comigo, não quer mais me ouvir.
Dr Ildo muito interessante e atualizado o artigo. Parabéns!
ResponderExcluirAbraços
Acredito!!! É Por esse motivo que, cada vez mais, acredito na singularidade de cada ser humano.
ResponderExcluirOutro dia vi o depoimento de um médico intitulando determinado remédio como se esse, fizesse parte de um partido político. Um remédio partidário. Fico perplexa de ver a movimentação das mais variadas áreas profissionais que poderiam realmente auxiliar nestes fadados tempos de pandemia. É claro que necessitamos das demais áreas para avaliarem, todo este contexto, evitando assim dubiedades e toda forma de desajustes, que nestes momentos possivelmente surgirão. ME DIGA AGORA, COMO CONFIAR O CONTROLE DE UMA PANDEMIA NA MÃO DE UM DETERMINADO DESEMBARGADOR? Eu apoio onde houver humanidade.
Atualíssimo e excelente teu texto. Parabéns.
ResponderExcluirNa minha época de estudante estava em dúvida se fazia vestibular para Medicina ou Direito. Escolhi a medicina e não me arrependo nem um pouquinho. Se tivesse escolhido Direito talvez estivesse ganhando mais, mas teria enorme vergonha do que meus colegas do Supremo estão fazendo com nosso país. A classe jurídica está totalmente desacreditada enquanto médicos são reconhecidos.
ResponderExcluirOs médicos estão fazendo um limpo e digno trabalho na pandemia enquanto isso o judiciário...nem me atrevo a falar...
ResponderExcluirJuízes, desembargadores, ministros, governadores e prefeitos estão esquecendo que são funcionários públicos, trabalham para o povo. Acho que esqueceram disso. Outorgamos a eles poderes executivo, legislativo e judiciário, mas em relação à saúde não deveriam ficar legislando e ordenando aquilo que não entendem e ouviram falar em alguma mídia social.
ResponderExcluirNão perdeu nada em se afastar do desembargador. Deve ser um mala.
ResponderExcluirConcordo deve ser mala e arrogante.
ResponderExcluirDesembargadores, como o próprio nome diz, deveriam desembrulhar os embargos, resolver os problemas, fazer justiça. Não é o que fazem. Deixam processos mofar em suas prateleiras. A demora em fazer justiça transforma-se em injustiça. Vergonha da classe.
ResponderExcluirTem gente muito boa no judiciário e na medicina. Cabe a mim separar quem vale a pena compartilhar minha amizade.
ResponderExcluirO que não presta, não quero.
Jair
Como classe, que nota você daria para o Judiciário e para a Medicina?
ExcluirVou ser sincera
ExcluirJUDICIÁRIO 4
MÉDICOS 10
JUDICIÁRIO : 3
ExcluirMÉDICOS SUS: 6
MÉDICOS SUS na pandemia: 10
JUDICIÁRIO na pandemia: ZERO
PLACAR:judiciário 3 X médicos 8
ExcluirGoleada
ExcluirJud 4 x Med 7
ResponderExcluirNem os juízes de futebol escapam.
ExcluirComo o próprio nome diz, a única coisa boa num desemBARgador é o bar. Mas desembargaDOR, traz junto a dor.
ResponderExcluirPobre do país onde seus juizes precisam ser julgados. Infelizmente é o caso do Brasil, onde seus juizes são odiados pela população.
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