segunda-feira, 29 de setembro de 2008

LONDRES E O PALÁCIO DA RAINHA

Ao desembarcar em Londres, o funcionário da imigração olhou meu passaporte e perguntou se era a primeira vez que eu visitava a Inglaterra. Respondi que já havia passado uma temporada há mais ou menos dez anos atrás. Continuando o interrogatório, ele disse que eu nunca havia estado na Inglaterra. Não compreendi direito, pensei que não estávamos nos entendendo por falarmos idiomas diferentes. Mas logo em seguida, sem que houvesse tempo para pensamento ou resposta, continuou dizendo que para a imigração, dez anos sem visto de entrada no país, significa a mesma coisa do que nunca ter entrado. Ainda me lembro das palavras textuais: “Mudou tudo, o país está completamente diferente!”

Não foi esta a minha sensação ao retornar ao Palácio de Buckingham; continuava tudo exatamente igual. A única diferença entre as fotos batidas na década passada e as atuais foi o meu envelhecimento. Nada mais havia mudado. As grossas paredes do palácio, as grades de ferro com cinco metros de altura, os guardas da rainha tão impessoais como bonecos de brinquedo realmente não foram afetados pelo tempo. Estaria o funcionário da imigração enganado já que nada havia mudado ou quem sabe estávamos tendo mesmo problemas de comunicação?

Talvez a explicação para esta confusão seja justamente o distanciamento provocado pelas grossas paredes, pela força de segurança britânica e pela realeza. Quando alguém se enclausura e se tranca para o mundo exterior, não se mostra e provavelmente não vai mudar. Protege-se de todas as maneiras, isola-se e fica preso em si mesmo. Mal consegue enxergar e respirar além dos altos muros que tentam preservar tradições e costumes. Não existem trocas, nada pode ser perdido, tudo tem que ser conservado dentro do castelo-corpo. Muitas vezes o que se consegue ver é somente uma máscara, um disfarce, uma fachada. Décadas ou quem sabe séculos passarão e ainda teremos a impressão de que o palácio não passa de uma pintura em tela, muito grande e distante, protegida por bonequinhos de chumbo. Pedras, ferros, torres podem durar séculos. Não tem emoção e se forem bem conservados serão imutáveis.

A ferramenta para a mudança é o convívio social. Lá dentro do palácio, onde as pessoas interagem, as coisas já não são tão perenes; Lady Diana se divorciou e faleceu, Príncipe Charles agora vive com sua ex-amante, o filho da princesa foi flagrado com prostitutas...Por vezes, quando se força a preservação de situações insustentáveis, a mudança pode acontecer de forma dramática: catástrofes, revoluções, escândalos. É como se a respiração ou um mal estar ficassem trancados dentro do peito por muito tempo até o dia em que, não suportando mais a pressão, o castelo-corpo explodisse com um grito, um choro. Se for permitido compartilhar conhecimento, sentimentos, buscas, sonhos, as mudanças serão constantes, e então o funcionário britânico terá toda a razão. A Inglaterra mudou muito e é como se eu nunca tivesse pisado naquelas terras.

O que a imigração não leva em conta em seus cálculos matemáticos, são os sentimentos despertados naqueles que visitam o país. Assim como podem mudar e provocar mudanças, emoções despertadas por uma simples palavra, um toque, um sorriso, podem ser responsáveis por mudanças que atravessam gerações. Uma tradição aprendida em outro país, um hábito, um tipo de alimento que possa ser compartilhado com outro ser humano podem ficar marcados para sempre.

Seria possível então se estabelecer um período de tempo a partir do qual se possa considerar que uma pessoa nunca tenha existido? Dez anos de ausência seriam suficientes? Lady Diana, Freud, meu avô nunca existiram?

É preciso muito cuidado quando nos referimos a períodos de tempo. O tempo é o melhor dos mestres, pois consegue resolver todos os problemas da humanidade, porém é o mais perverso, pois termina por matar todos os seus discípulos.

Em tempo: apesar disto, visite a Inglaterra.

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