quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

2020 - Recomeço ou continuação?


David era um menino que não sabia direito a origem de seu nome. Seu pai dizia que era uma homenagem ao grande mágico americano David Copperfield, a mãe replicava alegando que deu o nome pensando no rei David, o grande sábio de Israel. Seja como for, eram duas grandes personalidades inspiradoras para sua vida.

Aos cinco anos de idade, como presente de aniversário, foi levado a Las Vegas para assistir ao show de mágicas de seu suposto influenciador nominal. Ficou encantado. Ao final, mais uma surpresa, tirou fotos, abraçou e foi presenteado com a varinha mágica do próprio David Copperfield.

No outro dia, ainda no quarto do hotel, chorava copiosamente. Havia sido enganado pelo ídolo. A varinha presenteada não fazia mágica alguma. Era falsa. Frustrado, magoado e indignado com seu xará, enfiou a varinha num saco e prometeu que seria um mágico muito melhor que seu homônimo.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

nós


A primeira a sair da casa dos pais foi ela. Queria um pouco mais de privacidade. Convidou o namorado, que, pego de surpresa, titubeou. Disse que ficaria com ela nos finais de semana, mas nos outros dias ainda moraria com o pai. Namoravam há quase cinco anos, ele foi o primeiro namorado dela e vice versa.

O projeto dele deu certo por alguns meses. Aos poucos foi ficando mais um dia, outro mais e quando se deu conta, voltava na casa do pai só pra buscar alguma roupa, livro ou vinho que estava precisando. Mais cinco anos se passaram até que num belo e iluminado dia decidiram casar.

O que teria motivado o casal a tomar esta decisão, afinal já moravam juntos, eram felizes e tinham pacto pré nupcial bem assegurado. Sonho de casar de véu e grinalda? Uma festa para família e amigos? Receber a benção divina? Oficializar uma situação de fato para conseguir cidadania italiana? Deixar um caminho preparado para os futuros filhos? Nada, nem ninguém os pressionava.

domingo, 13 de outubro de 2019

Fiz cinquenta anos, e agora?




A medicina diz que começamos a envelhecer a partir dos 30 anos de idade. Comigo não foi bem assim. Comecei a envelhecer quando meu filho nasceu. Por coincidência tinha justamente trinta anos. Achava que como pai tinha responsabilidade financeira e gastava todos meus dias trabalhando para sustentar a família. Chegava em casa tarde da noite, acabado de tanto cansaço, mal conseguindo aproveitar o calor de um lar. Voltei a ficar jovem quando nasceu meu neto.   Brincamos juntos todas as manhãs na pracinha do bairro e me renovo todo dia.    

Comecei a envelhecer quando me preocupei em esconder os primeiros fios de cabelo branco. Rejuvenesci quando deixei os grisalhos crescerem natural e desalinhadamente por cima das orelhas. Sentia-me um velho trabalhando sem prazer, amargurado, reclamando e só pensando no dia da minha aposentadoria. Depois de aposentado, virei criança. Esta conversa de envelhecer depois dos trinta começava a cair por terra.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Meus apelildos


Toda pessoa tem um apelido. Você acha que não? Explico. Apelido em sua origem, significa o nome de família, ou seja, o sobrenome. Silva, Andrade, Perez, Alves, Viana... O que no Brasil chamamos de apelido, corresponde a uma característica, positiva ou negativa que se destaque para identificar determinada pessoa, objeto ou lugar. Baiano, padeiro, fofinho, manco, alemão, chefe, sabe tudo, vesgo, tagarela, filósofo...

Seja como for, além do sobrenome, tive vários apelildos em minha caminhada. Logo na infância e entrando por um tempo na adolescência, era conhecido como “ildomável”. Acredito que a faculdade de medicina conseguiu me adestrar. Depois de seis anos de estudo e treinamento, tornei-me o Dr. Ildo, um pouco mais tranquilo e metódico no trabalho.  Demorei um pouco para me acostumar a ser o Doutor Ildo, depois incorporei o codinome, estranhava e até mesmo achava desrespeito quando não me chamavam de Doutor.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Primeira impressão


Cresci escutando e quase sempre acreditando no velho chavão da cultura popular “A primeira impressão é a que fica”. Segundo essa premissa, se você vai a um primeiro encontro, arrume-se bem, coloque perfume, seja agradável, interessado na conversa e suas chances de que o outro tenha uma boa impressão aumentarão bastante. Só que não. É muito difícil saber o que vai impressionar o outro e, mais ainda, a primeira impressão, seja lá qual for, apesar de ser importante, nem sempre é confiável e não precisa ser definitiva.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Chore mais


Antes você era um sonho, um amor utópico. Depois, uma realidade maravilhosa. Agora, apenas uma recordação. Uma bela recordação. Doeu ter deixado nossa história no meio. Doeu saber que podíamos e não fizemos. Ainda bem que existe outro dia, outros sonhos, outros risos, outras coisas. Me construí com todo o amor que você não quis mais. Dei tudo o que tinha que dar. Acabou. Me deixa aqui quieto. Com meus pensamentos, minhas ausências, teus silêncios. Estes olhos já não choram mais por ti.

Por que nosso personagem deixou de chorar? Será que já esqueceu a amada? Provavelmente não. Será que as lágrimas secaram porque acabou o sentimento por ela? Acredito que também não seja este o motivo. Será que chorou tanto que já não existem mais lágrimas? Certamente não é o caso. Vou arriscar uma hipótese, mas antes preciso falar um pouco sobre chorar.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

O acaso vai nos proteger


Eventos aparentemente aleatórios e inconsequentes podem levar a grandes prejuízos. O simples bater de asas de uma borboleta na Amazônia pode causar um tufão no Texas. Da mesma forma, uma xícara de café que foi tomada pela manhã, pode alterar a vida de uma pessoa. Por exemplo, se o tempo que o indivíduo demorar tomando o café fizer com que ele se atrase e cruze com a mulher de sua vida na estação de metrô, ou não seja atropelado por um carro que atravessou o sinal vermelho, estamos frente a esta relação de casualidade.

No filme “O efeito Borboleta”, realizado em 2004, um jovem de 20 anos descobre que é capaz de viajar no tempo e mudar o passado. Decide então mudar a trajetória de sua vida e de amigos próximos corrigindo falhas cometidas lá atrás. Na tentativa de alterar a direção de suas escolhas, acaba criando futuros ainda mais desastrosos. Mesmo com boas intenções, a mínima mudança na linha do tempo dos fatos, pode levar a consequências imprevisíveis.

O que teria acontecido se na minha adolescência, tivesse declarado pessoalmente meu amor para aquela colega de aula, a mais bonita da turma, e iniciássemos um namoro? Talvez hoje, os filhos dela seriam os meus e o meu filho seria de outro homem qualquer.

terça-feira, 14 de maio de 2019

Relacionamento Sério


                                                         
Tenho pena das pessoas que estão num relacionamento sério. Não sei se a palavra pena seria a mais adequada, talvez fosse melhor dizer que lamento saber que entre tantas opções, escolheram entrar justo numa relação deste tipo. E fica pior ainda, quando estas mesmas pessoas orgulhosamente compartilham seu status na mídia social - #em um relacionamento sério#.

Relacionamentos sérios são cautelosos, vigilantes, sisudos. Envolvem posse, ciúme, cobrança, julgamento, competição para saber quem é mais inteligente, mais esperto, mais esclarecido. Uma guerra sem exército, disputada dia a dia para definir quem vai mandar em quem. Não é permitido falhar, estão sempre em guarda, sempre devendo, fiscalizando, reclamando. Nunca tiram folga para se querer, desejar, amar. Nem quando estão juntos, tampouco quando se separam.

Relacionamentos sérios vão se consumindo dia a dia. São contratos, acordos, fugas, silêncios, distâncias, dissimulações estrategicamente construídas e egoisticamente preservadas para manter a aparência de um relacionamento estável e perfeito, coagindo, conscientemente ou não,  o amor a calar, chorar, desabar, definhar e morrer.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Insubstituível


Recentemente participei de um Congresso Mágico, onde além de aprender novos truques e ilusões, discutia-se também o mercado de trabalho. Estava particularmente interessado numa palestra sobre magia na TV e em navios de cruzeiro. Não tinha a menor ideia de como as coisas funcionavam. É mais ou menos assim: se você quer trabalhar num navio, envia currículo com locais onde já se apresentou, vídeos com shows, carta de apresentação e fica aguardando e rezando para que um dia seja chamado para entrevista.

Na televisão já é um pouco diferente. Um dia lhe telefonam dizendo que estão precisando de um mágico em determinado programa e lhe convidam para participar. Às vezes o convite é feito de última hora. Sabendo da divulgação que a mídia televisiva oferece, o mágico desmarca todos seus compromissos e comparece feliz da vida ao programa. Não raro, surge um imprevisto, a entrevista anterior se prolonga, uma catástrofe precisa ser noticiada, um artista famoso precisa divulgar seu novo disco e a apresentação do mágico é cancelada. Ficou o dia inteiro à disposição, deixou de trabalhar e vai para casa com um pedido de desculpas. Ocasionalmente recebe uma ajuda de custo pelo incômodo.

domingo, 10 de março de 2019

Sonhei com Deus


Sonhei com Deus.

Não tinha forma humana, na verdade não tinha forma alguma, era algo parecido com uma nuvem ou um algodão doce, só que muito mais iluminado e branco como a neve. Chegava a doer os olhos. Poderia até ter ficado em dúvida do que se tratava, mas a serenidade, o empoderamento, o cuidado e o acolhimento que me transmitia não deixavam espaço para hesitação, estava frente a frente com o todo poderoso. A voz então, indescritível, parecia estremecer meu corpo enquanto falava.  

Convidou-me para passear. Uau! Quanta honra, passear com o Altíssimo.  Mas logo em seguida veio a confusão e o pavor. Será que morri e estou sendo levado? Para onde? Céu, inferno, purgatório? Não deu tempo de ficar angustiado, Ele imediatamente leu meus pensamentos e foi dizendo: “Fique tranquilo, meu filho, logo estará de volta, só quero lhe mostrar uma coisa”.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Encontro


- Quer namorar comigo?
- Namorar pra quê?
- Pra gente se conhecer melhor.
- Conhecer melhor pra quê?
- Pra saber se você é a pessoa certa para mim.
- Certa pra quê?
- Pra ter um relacionamento sério.
- Não entendi, você não acha namoro um relacionamento sério?
- Não, namoro é uma experiência, um ensaio para a coisa real. Namoro é a melhor maneira de se conhecer e escolher a pessoa certa.
- Fala sério, você acha mesmo que namorar várias pessoas pode dar mais experiência e levar a um casamento melhor?  Namoro longo significa conhecer efetivamente o parceiro? Ir ao cinema, restaurante, clube, shopping, viajar, jogar cartas, andar de mãos dadas, apresentar para a família, dormir juntos, seria a formula para revelar ou decodificar pessoas? Gostar das mesmas coisas é garantia de sucesso num futuro relacionamento?
- Certeza não se pode ter, mas é assim que as pessoas se conhecem.
- E se esta experiência der errado?

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Desencontro


Gilberto e eu éramos colegas de escola, depois ficamos amigos. Não amigos no sentido genérico da palavra, amigos de verdade, ou como se dizia na época, amigos por toda a vida. Convivíamos dia e noite. Durante os estudos para o vestibular, mensalmente cada um confeccionava uma prova simulada para o outro, o objetivo era ver quem tiraria as melhores notas.  Empatávamos, sempre nota dez para ambos. Eu queria Medicina e ele Engenharia.

O pai de Gilberto era militar e precisou mudar com a família para o Rio de Janeiro. A amizade não foi abalada. Continuamos elaborando provas de treinamento e enviando pelo correio. Não existia internet, celular, TV a cabo. Programas de televisão passavam primeiro no Rio de Janeiro e meses depois chegavam ao Rio Grande do Sul. Gilberto escrevia cartas contando como as novelas terminavam, e eu usava estas informações  de acordo com a conveniência.

Fomos aprovados muito bem no vestibular e seguimos nossas vidas, carreiras e correspondências. Gilberto fez concurso para um órgão governamental e rapidamente progrediu na função. Eventualmente precisava trabalhar em Porto Alegre e matávamos a saudade relembrando velhas histórias e atualizando novas aventuras. Recentemente nos encontramos, e ele contou que estava aposentado, pois havia se estressado demais no trabalho.