segunda-feira, 26 de outubro de 2009

PEQUENAS VINGANÇAS

Numa tarde de domingo qualquer, depois de dezesseis anos casados (os primeiros maravilhosos, os restantes nem tanto e o último um desastre), os dois sentam-se na beira da cama que intimamente já presenciou toda a história daquele amor falido e decidem separar-se.

Choro, pedidos de desculpas e a promessa de serem amigos e justos um com o outro. Molhados em lágrimas, temperados em acusações veladas e cozinhados ao sabor da desilusão e frustração, os dois vão acertando os detalhes da divisão de bens, guarda dos filhos, pensão alimentícia. Conversa civilizada, separação amigável, cena perfeita para um final nem tão feliz. O lógico seria cada um respeitar o acordo e seguir seu caminho, certo? Errado!

Dezesseis anos dividindo os lençóis e as contas para descobrir que não se conheciam. Aquelas promessas tendo a cama como testemunha, não valem mais e serão desfeitas, conscientemente ou não.

Tudo de bom que foi vivido durante os anos de harmonia mistura-se com os desafetos dos últimos anos, diluindo-se feito espuma na beira da praia e os ex amantes, agora completos desconhecidos, passam a discutir seus direitos frente a um juiz.

Meses de angústia, às vezes telefonemas ou encontros desagradáveis até que o acordo seja firmado oficialmente. Nesse meio tempo, em meio à tristeza e luto, o casal vai seguindo sua vida da maneira como acha mais edificante: ela emagrece, trata os cabelos e torna-se novamente atraente; ele raspa o bigode, muda o guarda-roupa, troca o carro e começa a desfilar namoradas...

Acabou? Não... Restam as pequenas vinganças. Rasgar as fotos do casal ao meio e mandar entregar a metade no escritório (dentro de uma sacola de supermercado), esconder durante anos os DVDs do grupo preferido dele(a) e ir devolvendo aos poucos (alguns arranhados, outros sem capa), não buscar os filhos pequenos no horário marcado (roupas e fraldas sempre devolvidas sujas), prometer mundos e fundos e na hora H tirar o corpo fora, dizendo que o problema é do outro.

Existem as tradicionais, como não devolver a aliança deixada em cima da cama, não aceitar o pedido de trocar o Natal pelo Réveillon para ficar com as crianças, esquecer a data do aniversário... Alguns ex-parceiros chegam ao fundo do poço denegrindo a imagem do outro diante da sociedade e até mesmo dos filhos.

Por que necessitamos disso? O que nos leva a adotar condutas tão mesquinhas com essas pessoas que durante algum tempo amamos tanto? Não bastasse todo o sofrimento vivido, ainda é preciso administrar as mágoas acumuladas em anos de relacionamento e pagá-las em prestações sem hora nem data de vencimento. É como se disséssemos ao outro: lembra daquela vez em que esqueceste nosso aniversário de casamento? Pois bem, devolvo rasgando a camisa de linho lilás que deixaste no closet para marcar teu espaço. E por todas as vezes que falastes mal de meus amigos de futebol, devolvo dizendo que sábados não posso te ajudar porque tenho compromisso com a turma...

E assim passam anos trocando pequenos “carinhos” que demonstram apenas o quanto a relação ainda não foi resolvida. A separação não acontece no momento em que um dos parceiros deixa o lar. Já aconteceu muito antes, vai acontecer algum tempo depois e em alguns casos a separação de corpos é apenas simbólica, pois o prazer de um, continua sendo a desgraça do outro. Nesse caso, agem feito crianças em relação à brinquedos velhos: sabem que não os querem mais, mas tem dificuldade em passar adiante. Puro sentimento de posse.

É preciso reconhecer, aceitar e pontuar o final da relação. Se para zerar a caixa de mágoas for preciso rasgar camisas, fotos, lençóis, seria prudente fazer de uma só vez, entender e explicar o porquê dessas ações “insanas”.

Perdoar não é algo tão simples, principalmente quando sentimentos estão na panela de pressão. Talvez estas agressões passivas (ou nem tanto) sejam necessárias ao luto da separação, sendo esta a maneira de cada um perceber que tanto o prazer em fazer sofrer, quanto à dor provocada no outro vão gradativamente diminuindo, até que um dia descobrem que podem voltar a ser, quem sabe, velhos conhecidos. Neste momento, o coração está leve e pronto para encontrar um novo amor...

PS 1 - Você acha que enviar este artigo para seu ex, seria uma pequena vingança?
PS 2 - então envie.


Artigo escrito em parceria com a educadora Eda de Maman- WWW.edademaman.blogspot.com
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A vida como ela é: Calar ou Contar?

O destino inevitavelmente nos coloca em algumas situações complicadas. Verdadeiros dilemas éticos. Immanuel Kant, filósofo alemão, diz que deveríamos nos comportar de tal maneira que o motivo que nos levou a agir pudesse ser convertido em uma lei universal.

Leis universais, manuais, religião, filosofia não conseguem particularizar todas as situações. Quando somos colocados frente a uma “sinuca de bico”, a sensação é de que a responsabilidade toda está em nossas mãos. Precisamos saber o que fazer. Precisamos mesmo?

Casados há muito tempo, João e Maria sempre viveram bem. Ele trabalhava enquanto ela cuidava da casa e dos filhos - relação tradicional com papéis bem definidos. Em um destes momentos de crise, João perdeu o emprego e Maria foi procurar trabalho. Atrasada para uma entrevista, Maria esquece uma pasta e volta para casa correndo. Onze horas da manhã. Encontra João no quarto, na cama, com outra. Acabou o casamento. Fato verídico, nomes fictícios.

Terça-feira à noite, saio para jantar. Restaurante pequeno, aconchegante, de bairro. Sento em minha mesa preferida. Ainda degustando o primeiro gole de vinho, a porta se abre e entra Antonio, marido de Fernanda, abraçado a uma loira. Fernanda é morena. Cumprimento formalmente com a cabeça, peço a conta e vou embora.

Será que fiz a coisa certa? Existe um manual de como agir nestas situações?

Nos exemplos acima, qual deveria ser a lei universal? Maria, casada há anos, deveria mesmo se separar? E no caso do jantar, deveria ter permanecido no restaurante e aproveitado a noite ou ir embora, como fiz?

Já pensaram se por acaso a loira que acompanhava Antonio fosse minha amiga Fernanda de peruca ou cabelos tingidos e eu não a reconheci? E se resolvo contar a ela o episódio do restaurante, e Fernanda, que já desconfiava mas estava acomodada em sua vida , fica agora na obrigação de tomar uma decisão?

E se Antonio propositadamente desfilou com a loira para ser visto e denunciado e assim configurar uma traição que levasse a uma separação, que covardemente ele não conseguiu discutir com Fernanda?

Pensando bem, o que leva homens como João e Antonio a traírem suas esposas? Seria correto apresentarmos a situação somente sob este ponto de vista, onde colocamos as mulheres no papel de vítimas e os homens como pecadores universais? Será que Maria nunca havia desconfiado que a relação andasse mal? E Fernanda, também não?

Teríamos nós, simples mortais, baseados em um encontro casual, a capacidade e o discernimento necessários para avaliar as situações descritas e, como num passe de mágica, através de um telefonema fatídico ou de uma conversa elucidativa, lançarmos a semente da separação no futuro do casal?

Decidir este tipo de coisa não é o mesmo que decidir o que jantar ou que roupa vestir. É preciso ter cuidado, pois as decisões tomadas podem levar a danos irreversíveis.

Talvez a saída para estes dilemas seja tentar se colocar no lugar do outro. Imaginar o que sentiríamos se estivéssemos em suas peles, dar ouvidos para as emoções e tomar a decisão capaz de deixar nosso coração em paz... Porque embora nem todos saibam, a função das emoções é qualificar nossas mais sábias decisões. Dormir de consciência tranquila não é a mesma coisa que estar com o coração sereno e sem dor. E na pressa de resolvermos ou nos livrarmos de dilemas, decidimos escutar a razão ou as cobranças impostas pela sociedade, enquanto o coração continua sofrendo e chorando baixinho.

Quem dera tivéssemos a capacidade de nos transmutarmos para a vida de outrem. Certamente o mundo seria bem mais justo e condescendente. Imagino que aplicar os ensinamentos de Kant, numa sociedade pouco evoluída e cheia de nuances como a nossa não seja ainda algo totalmente viável. Quando um homem e uma mulher decidem se tornar um casal, experiências individuais, preconceitos e conflitos existenciais, passam a ser compartilhadas. Isto acaba gerando diferenças e sentimentos, um campo que se presta a surpresas e interpretações, muitas vezes impossibilitando uma coerência pura e simples da relação afetiva, podendo levar a uma traição daquilo que chamamos de ética ou lei universal.

Explicando de outra maneira, as emoções, que deveriam servir de sustentação para uma relação ética, às vezes podem se transformar justamente no estopim para uma transgressão. Não existe, portanto, a possibilidade do pesar frio e calculista, de uma e somente uma forma de agir, de uma lei universal, visto que cada relação apresenta suas peculiaridades e os contratos silenciosos estabelecidos pelo casal são únicos.

Nossos personagens: infratores, permissivos, traidores ou não, já devem estar sofrendo por conta de como administram suas relações e seus afetos. Falta-lhes apenas a coragem para tomar as rédeas de suas vidas e acertar o rumo que os fará felizes.

Espero que este texto possa alcançar e ajudar a todos os Joãos, Marias, Antônios e Fernandas , no sentido de não deixarem mais seus corações a sofrer e a causar dor em quem lhes foi um dia importante.
E... Por favor, Antônio: não deixe para os outros resolverem o problema de seu coração. Ninguém merece!


Artigo escrito em parceria com a educadora Eda de Maman
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