Foi nossa primeira quarentena, não
tínhamos experiência alguma. Fomos pegos de surpresa, pensávamos que seria apenas ficar sem sair
pra rua e se proteger do vírus. Imaginávamos que talvez durasse uns quinze a
vinte dias. Arrumaríamos armários, assistiríamos filmes, leríamos livros,
descansaríamos. Enfim, colocaríamos em ordem todas aquelas coisas que
reclamávamos não ter tempo pra fazer. Estamos conseguindo dar jeito nas coisas
materiais, só que a ordem das coisas sentimentais não estava prevista e o furo
foi mais embaixo. E bem mais profundo.
Meio insegura do que estava por
vir, cheguei a te convidar pra ficarmos juntos aqui em casa. Estava disposta a tentar
viver vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana trancada com meu amor
entre quatro paredes. Teríamos um tempo só para nós. Seria uma experiência
arriscada, nossa intimidade seria colocada à prova. Talvez acabasse com nossa
relação, mas se desse certo, seria maravilhoso, a quarentena dos sonhos.
Percebendo minha insegurança na
proposta, você vacilou, hesitou, e, por fim, pressionados pelo medo (do vírus e
do companheiro), resolvemos que o melhor seria cada um ficar no seu canto,
cuidando de sua individualidade. Covardemente, deixamos o temor decidir por
nós.