quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

SER FELIZ APENAS JÁ NÃO ME BASTA

Há dois anos escrevi o “Parabéns a Você”, um livro sobre a busca da felicidade. Na época foi classificado e distribuído nas livrarias como auto-ajuda, fato que de inicio me deixou incomodado, já que este tipo de literatura sofre com o preconceito de ser redigido por e para pessoas menos intelectualizadas.

Deveria isto abalar minha felicidade? Justo eu que tinha escrito um livro sobre o assunto iria me perturbar e deixar que uma classificação teórica atrapalhasse minha felicidade?

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sugestão de presente para o final de ano

As festas de final de ano se aproximam, e mais uma vez está na hora de começar a pensar nos presentes de natal, amigo secreto, formatura... O que dar de presente para alguém que já tem tudo e não precisa de nada? Gravata, cinto, bolsa, CD, biquíni, perfume, livro, etc. Seja o que for, esta pessoa já possui pelo menos cinco versões diferentes. A escolha do presente torna-se um exercício de criatividade, muitas vezes difícil de levar adiante e que acaba se transformando em tarefa aborrecida, deixada para a última hora e até mesmo esquecida. Alguns levam a sério o espírito natalino, encarnam Papai Noel, preocupam-se em saber o que os outros gostariam de ganhar e dentro de suas possibilidades, presenteiam o objeto de desejo.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A aliança e o compromisso

Antes de colocar esta aliança em tua mão, preciso te contar algumas coisas sobre meu passado e nosso futuro.

A aliança funciona como um símbolo de compromisso do casal, uma representação visível de algo invisível, mas muito real, o nosso amor. O casamento civil também é uma maneira de materializar o compromisso, noivos e testemunhas assinam o documento. De uma forma ou outra, ambos servem para representar esta relação com o transcendente. E por serem visíveis, concretos, reconhecidos publicamente, por vezes acabam por colocar em segundo plano o que foi a sua origem: o compromisso por amor e para amar.

Mas que compromisso é esse? Vou te dizer o que significa para mim e se concordares, gostaria de poder vestir esta aliança em nossas mãos com a excitação que este momento pede e com a tranquilidade de saber que esta troca está acontecendo contigo. O compromisso é simples, exige apenas dedicação para termos a cada dia, a certeza da escolha de estarmos verdadeiramente juntos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Amou uma vez e não separou mais



Depois de oito casamentos frustrados no currículo, a moça se entregou. Aceitou a sugestão de uma sábia amiga de que talvez na posição horizontal descobrisse as razões de tantas separações. Sim, na horizontal de um divã.

Ainda que suas experiências anteriores na investigação do inconsciente não tenham sido lá estas coisas, venceu a resistência e marcou hora com um renomado analista. Afinal, se as poucas terapias anteriores e todo investimento em cartomantes não tinham surtido efeito, então a aposta agora seria ainda mais alta, procuraria o melhor.

No dia marcado chegou quinze minutos antes do horário. Precisava observar com cuidado os detalhes do consultório. Sentou na antessala. Cruzou as pernas. Descruzou. Tornou a cruzar, e se percebeu ansiosa quando teve que conter a perna esquerda que balançava feito pêndulo no ar. Bobagem, pensou. De que adianta tentar fazer gênero, se em questão de tempo aquele analista vai me decifrar inteiramente, feito raio-x. O pensamento aumentou a ansiedade. Pensou levantar, pegar a bolsa e alçar voo pela janela mesmo. Mas não. Lembrou a si mesma que era adulta, tentando então o autocontrole. Respirou fundo e mentalmente contou: um, dois, um, dois, um, dois...

O pensamento foi interrompido pelo som da maçaneta. Quando o terapeuta abriu a porta, não se conteve, foi involuntário espichar o olhar para dentro. O divã era perfeito, de veludo na cor fúcsia, com um encosto para a cabeça revestido por couro alemão, com costuras duplas. Entrou apressada no consultório, e antes mesmo de apertar a mão do analista já estava deitada no divã. Ao olhar para cima, a melhor das visões: bem sobre sua cabeça, suspenso por cabos de aço, pendia estrategicamente um belíssimo lustre de Murano. Não teve dúvidas. Era o cenário ideal para conhecer as razões insondáveis de seus fracassos afetivos. O analista? Ah pouco importava, seria um mago com visão de raio-X ou bola de cristal que lhe daria a receita mágica para solução de problemas.

Passados alguns meses de terapia, entendeu que não existia truque, nem magia e que a ânsia de tanto apostar em casamentos tinha lá suas razões mais profundas. E que sabê-las, algumas vezes, causava-lhe dor.

Certa vez, em uma consulta dolorida, dispersou o pensamento olhando para o lustre pendente sobre o divã. Primeiro achou-o parecido com aquele que teria despencado sobre a cabeça do segundo ou terceiro marido, e que foi razão da separação. Em seguida fez uma associação. Cada vez que as constatações em consulta lhe causavam dor era como se o psiquiatra tivesse soltado o lustre sobre sua cabeça, dando uma pancada certeira em seus paradigmas.

Condescendente consigo, adequou seu discurso à sobrevivência na selva dos desencontros amorosos. Casamento passou a ser uma instituição falida, homens, em última análise, eram todos iguais e nenhum seria capaz de cumprir o estatuto do matrimônio idealizado por ela. Tinha um discurso moderno, sentia-se plena e socialmente ajustada.

A partir disso, andou pelo mundo, experimentou, observou, estudou, garimpou ideias, questionou, em síntese: viveu. O tempo passou e quando viu já passava dos 30 e alguns anos. Foi aqui que percebeu trazer na ponta da língua uma gamofobia [aversão a casamento] escancarada, engrossando o coro dos descasados que afirmavam: Partilhar de novo? Só se for essa fobia.

Não se sabe como, talvez pelos perfeitos acasos da vida, mas um belo dia um homem também gamofóbico cruzou seu caminho. Como ela, falava sobre as vantagens da liberdade, do descompromisso, do ir e vir sem fronteiras sem se fixar a ninguém, mas que dançar com ela tinha sido muito bom.

Cruzaram-se novamente e outra vez, e outras tantas. Ele comentava sobre sua ideologia política, das seriedades da vida, mas que ouvir as bobagens dela era uma forma de diversão. Argumentava sobre responsabilidades, direitos e deveres sociais, cidadania e tal, mas que as ideias dela tiravam a carga cinza das obrigações. Falava de suas viagens mundo afora, das inúmeras mulheres que teve, mas que transar com ela tinha todos os fundamentos da conjunção carnal. Contava da experiência com o budismo, do tempo no templo, sublimando as falas e trocas alheias, mas que depois de ouvi-la, as conversas do par tornaram-se a verdadeira meditação. Reverenciava a individualidade, os limites intransponíveis de cada um, as horas que não deveriam ser estabelecidas, mas saber dela a todo instante já era um hábito difícil de controlar.

E a cada fala dele, ela retrucava com novas teses sobre sanidade, individualidade, inteligência emocional, repetição de comportamentos, novos padrões de relacionamento. E com o tempo o único consenso que não mais conseguiram chegar foi sobre gamofobia, pois já formavam um par.

Não o par que ela sonhara em seus casamentos anteriores, ou aquele descompromissado que discutia teorias gamofóbicas, sequer o outro que o terapeuta sugeriu nas entrelinhas, mas o par que era a soma de tudo isto e tantos outros aquilos de suas trajetórias individuais. Na verdade, eram dois pares de olhos que já haviam enxergado as dores do coração, e que finalmente o amor fez fixar.

Estão juntos. E sempre que ela se apropria da felicidade do amor, ri quando lembra que alguns créditos vão para um lustre de Murano sobre um divã.

* O início dessa estória está em Separou mais vezes que amou




Artigo escrito em parceria com Maria Janice Vianna
http://www.humanamania.blogspot.com/




sábado, 13 de novembro de 2010

Entrevista

Entrevista concedida dia 08/11/2010 à Tania Carvalho no programa "Falando" a respeito de meus dois últimos livros publicados.

http://www.youtube.com/watch?v=bb5iD_jTI-k

domingo, 31 de outubro de 2010

Te perdôo por te traires

“Se quiseres ser feliz por um momento, vinga-te,
se quiseres ser feliz pelo resto do teus dias, perdoa”
Tertuliano


A lavanderia manchou seu vestido, o computador novo apresentou um defeito de fábrica, clonaram seu cartão de crédito, seu candidato não cumpriu as promessas de campanha, o gato do vizinho arranhou seu carro, você foi traído(a) por seu companheiro(a). Calma, não é seu dia de azar, são apenas exemplos para pensar se é fácil perdoar indiscriminadamente, ou se algumas situações são mais graves que outras e por este motivo, não merecem perdão.

Seja honesto agora, você ficaria mais feliz se perdoasse, ou se pudesse se vingar para que sentissem a mesma ou ainda mais dor que lhe causaram?

Provavelmente a gênese da maioria das situações que envolvam perdoar ou não, está em promessas descumpridas. Amantes que fazem juras de amor eterno e depois descumprem, produtos e serviços que não correspondem ao anunciado , erros e falhas humanas, etc. Mal intencionadas ou não, estas promessas descumpridas refletem a imperfeição humana. Não só dos outros, mas nossa também ao nos iludirmos, ao não compreendermos exatamente o que nos dizem, ao nos comportarmos diferente do esperado.

Sendo assim, a culpa pela traição é somente do traidor? Nem sempre. O traidor também pode ser a vítima. A primeira pessoa a se trair é sempre o próprio traidor, pois antes de ferir ao outro, está renegando uma promessa por ele feita. Está primeiramente traindo a si próprio. Outras vezes, a traição é a única ou a última alternativa que restou ao traidor para resolver determinada situação, pois a traição nem sempre é realizada somente por quem realizou o ato, atitudes inspiram atitudes, tanto para o bem, como para o mal.
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Não estou defendendo a traição como solução final de problemas nem pregando a absolvição da mesma, apenas ponderando que a culpa pela traição necessariamente não é apenas do traidor. Chico Buarque de Holanda em um verso célebre já abordava a questão quando cantou “te perdôo por te traíres”.



Nem sempre temos uma parcela da culpa, mas é bom que façamos uma auto-critica antes de sairmos acusando. Colocar-se no lugar do outro , inverter os papéis, pode ser um bom exercício antes de qualquer julgamento precipitado.

Mas o que dizer do assaltante, do estelionatário, do estuprador? Vamos perdoa-los e assim seremos felizes? Não, perdoar não significa aceitar o comportamento que nos prejudicou, nem tampouco a renúncia aos valores violados. Perdoar não significa simplesmente, indulto, desculpa, remissão de pena. Perdoar é uma virtude. Não é somente dizer as palavras “Eu perdôo”, colocar o bandido atrás das grades, ou aceitar o(a) companheiro(a) de volta e esquecer tudo. Para perdoar é necessário paciência, tolerância, compaixão e tempo. Não estamos falando em tempo para esquecer. Perdoar e esquecer são coisas diferentes. Perdoar não é esquecer algo doloroso que aconteceu.

Ficar nutrindo rancor e desejando vingança é como tomar o veneno e esperar que o outro morra. Perdoar é a decisão racional de se desvencilhar destes sentimentos nocivos, deixar de gastar energia sobre coisas que não se pode mudar. Liberar a dor, o ressentimento e a raiva que estavam sendo carregados como um fardo e que acabavam por ferir a própria pessoa. Mágoas envelhecidas transparecem no rosto e nos atos, e acabam por moldar toda uma existência.


Perdoar é recuperar o poder, pois o que aconteceu deixa de ser relevante e não tem mais influência alguma. Perdoa-se também para manter viva a memória do mal praticado, como um sinal de advertência. Sem o perdão, a memória seria dolorosa, e por vezes insuportável. Pode-se até dizer que o perdão é a superação do passado em benefício do futuro. Resumindo, não se perdoa as pessoas porque isto fará bem a elas, mas porque fará bem a quem perdoou. Deixa-se de ser vítima.


Perdoar não é algo tão simples que possa partir de uma leitura, uma boa educação e uma predisposição por um mundo melhor. Talvez os seres humanos esqueçam mais do que perdoem. Talvez os seres humanos perdoem a maioria das vezes por fraqueza do que por virtude. Talvez perdoar seja somente para os Deuses. Talvez pela falibilidade humana de uns e pela fraqueza e incapacidade de um perdão sincero de outros , não consigamos atingir a felicidade absoluta. Talvez ainda tenhamos muito que aprender em relação ao perdão, mas o único pecado sem perdão, certamente é pecar contra a esperança.
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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Sala de Esperança

Médicos do passado acreditavam que pacientes, por se encontrarem enfermos, não tinham outros compromissos e prioridades, a não ser esperar pelo atendimento que lhes traria alivio dos sintomas e cura da doença. O número de profissionais era muito restrito e as doenças proliferavam sem controle, não havendo alternativa diferente de colocar bancos e cadeiras para que doentes submissos aguardassem sua vez na fila. Nasciam assim “Sala de Espera” e sua irmã inseparável, “Paciência”, esta encarregada de consertar as confusões causadas pela primeira e condenada a se conformar com a situação.

Provavelmente alguns pacientes já consideravam esta espera na sala uma falta de respeito e um modelo de desorganização, mas não reclamavam pelo receio de serem mal atendidos. Os tempos mudaram e a resignação deixou de ser uma constante. Alguns médicos perceberam esta tendência e procuraram soluções, ao passo que outros ainda entendem que sala de espera lotada é sinônimo de sucesso profissional e mantêm o “status quo”.

Empiricamente médicos foram experimentando maneiras de diminuir a angústia e ansiedade dos que esperavam, auxiliados por quem convivia diariamente com o problema: o organizador da fila, seu fiel escudeiro, a secretária, que utilizando bom senso escutava queixas e desaforos enquanto fornecia explicações e servia de guarda-costas e porteiro da ante-sala do médico.

Uma das estratégias mais utilizadas foi transformar a sala de espera em uma espécie de sala de estar, cuja função seria oferecer conforto, relaxamento e distração aos esperantes, oportunizando assim entretenimento e socialização.
E nessa ânsia de oferecer o melhor, impressionar e acabar de vez com as reclamações, foram sendo adicionados requintes à sala: tapetes persas, granitos, computadores, máquinas de café, DVDs, jornais, revistas e claro, mais pacientes.

Funcionou parcialmente. Nossa sociedade foi programada para ter pressa. Não aprendemos e não gostamos de esperar. Por maiores que sejam os esforços no sentido de tornar agradável a espera, os resultados serão apenas paliativos. O que os pacientes buscam em um consultório, colorido ou sofisticado, não é a espera. Procuram algo que mesmo não sendo concreto, tem muito mais valor. Procuram a esperança. Pense nisso!
Material de divulgação de meu novo livro “Sala de Espera – Diferencial rumo ao Sucesso” – Editora DOC
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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quem são os verdadeiros artistas?


Cada vez que o circo chegava à cidade era uma festa. Esperava a semana inteira pelo domingo para ver os palhaços, trapezistas, mágicos. Lembro até hoje da lona suja e rasgada, das cadeiras e arquibancadas de madeira, da serragem misturada com o barro do chão, do cheiro do leão, do urso, dos macacos...Vibrava e achava sensacional quando anunciavam o domador espanhol Antonio Sanchez, o equilibrista chinês William Wu e a dançarina francesa Margot Delamour, verdadeiros artistas que colocavam a cabeça dentro da boca do leão, andavam em cordas nas alturas, tudo meio improvisado, sem grande segurança, mas com um fascínio impressionante.

Hoje o circo mudou. A referência é o Cirque Du Soleil, onde espetáculos são realizados em teatros com poltronas luxuosas, artistas internacionais mascarados e sem identificação, ausência de animais, ingressos pouco acessíveis à população de baixa renda e tendo a tecnologia como base de todo o show. A concepção lúdica do circo é feita em escritórios e estúdios que projetam cenários e efeitos especiais em laboratório para depois buscarem artistas que se encaixem no roteiro. Assim são contratados campeões de nado sincronizado, atletas olímpicos e dançarinos de rua que jamais pensaram em se tornar artistas, para viabilizar a concepção dos produtores.

Na medida em que se consegue criar a imagem de um leão feroz quase real, o domador não precisa mais ser um destemido artista. Um bailarino é capaz de fazer uma performance mais teatral e substituir o velho chicote por um bastão de laser. Luzes, música, fumaça, dão suporte às possíveis deficiências do dançarino, que através de efeitos especiais alcança a glória, mas paga o preço de ficar incógnito.
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Hospitais também mudaram. Médicos eram os artistas e o hospital apenas a lona que abrigava e acolhia o espetáculo, que improvisado, sem grandes recursos, mas com muita filantropia, era acessível à população. Assim como no circo, a tecnologia entrou na saúde e promoveu um avanço inquestionável, suprindo deficiências de olhos, mãos e ouvidos humanos, conseguindo magicamente “enxergar” e “atuar” no interior de pacientes de maneira não invasiva.

Hospitais passaram a comprar equipamentos diagnósticos e terapêuticos de última geração, melhoraram a resolução dos problemas, aumentaram os custos e à semelhança do Cirque du Soleil, passaram a contratar médicos que se adequassem às suas demandas, em alguns casos, pouco importando a identidade do profissional.

Tecnologia, mídia e poder econômico ao criarem curas e sonhos, tornaram estruturas mais importantes que palcos. Artistas e médicos foram gradativamente sendo substituídos, passando a ser reféns de gestores e diretores. Em que pese tudo isto, a vida continua sendo o grande espetáculo ao qual todos são convidados a participar, alguns criando ilusões, outros sendo levados pelas aparências, outros mais vestindo máscaras e se despersonalizando...Não sei qual será o próximo ato, mas no dia em que o leão de verdade fugir da jaula, não poderemos nos iludir, precisaremos mesmo é de domadores e médicos.
Para melhor entendimento, assista o video abaixo logo após a leitura.
http://www.youtube.com/watch?v=kD5bQ0v7N9E
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Por que os apaixonados não conseguem enxergar

Desde criança sempre ouvi falar que paixão era um sentimento que transformava tudo o que o outro fazia, dizia, vestia, pensava em algo lindo e maravilhoso, transformando a outra pessoa na mais fantástica das criaturas deste mundo. A tatuagem nas costas vira algo especial, as sardas no rosto são um charme, os dentes mostram um sorriso encantador, sua voz rouca transmite tranquilidade, seu bom humor impregna o ambiente... até o modo como solta a fumaça do cigarro passa a ser bonito e não incomoda mais.



Demorei muito para aprender que o sentimento que faz todos esses milagres não é a paixão. A paixão é um sentimento que quando chega traz consigo uma venda que cega a todos os sentidos, deixando os enamorados à mercê da imaginação, do delírio, do desejo, de uma idealização que vê no outro a perfeição. E nesse clima de fantasia é comum sapos se transformarem em príncipes e princesas. É muito bom experimentar esse turbilhão de sensações, mas um belo dia o sonho acaba, as pessoas acordam e a paixão termina, e agora sim, invertem-se os papéis e príncipes e princesas viram sapos. Nada contra estar apaixonado, mas este sentimento tem prazo de validade e inevitavelmente vai se esgotar.


Já o amor pode ser visto como o verdadeiro instrumento da transformação, pois não é cego nem sonhador. O amor vai retirando pouco a pouco a venda da paixão idealizada, e a cada clarão que se faça, o outro vai sendo visto naquilo que realmente é e no quanto realmente atenda ao par nos critérios de uma parceria. Desvelado, o outro passa a ser único, especial, com a devida condescendência aos seus defeitos, pois que o amor, se sabe, é condescendente. E por ser único, especial, admirado, o ser amado adquire o caráter de precioso. E coisas preciosas devem ser guardadas para sempre, sem risco de deteriorização. O amor é uma delas. Há controvérsias, mas quem amou sabe, amar é para toda a vida.


Paixão pode se transformar em amor, mas entre um e outro, há milhares de situações a serem experimentadas, muitas delas mal compreendidas e mal resolvidas. Nem sempre se tem uma noção clara do que está acontecendo lá dentro de nosso coração, e às vezes enquanto um dos parceiros ainda está com os olhos vendados, confundindo seus sentimentos e emoções, o outro já tem certezas, levando ao descompasso do tempo certo para, juntos, viverem o amor. Por conta de um, preso no estágio da paixão, os dois são privados do avanço. E assim a maior parte das intenções não sobrevive à fase da idealização, e perdem-se no temerário vácuo que separa a paixão do amor.
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Sequelados e desiludidos depois de muitos naufrágios sem sequer beliscarem o amor, alguns desenganados optam por tentar um caminho menos sofrido e mais seguro: amar sem passar pela fase da paixão. Relacionam-se, mas não se entregam, ficando sempre com um ou dois pés atrás. Não dão chance para os poros se eriçarem, a respiração trancar, o coração disparar, o pensamento colorir, a boca salivar.


Será possível chegar ao amor sem antes se apaixonar? Não sei responder, embora imagine que tudo nesta vida seja possível, e que não exista uma receita de bolo universal que ensine como alcançar o amor perfeito. Apesar de todos os riscos, continuo acreditando que se apaixonar faz parte da vida e que o apaixonamento seja um pré-requisito para o amor.


Antes que a venda seja retirada, as qualidades que seduziram, apaixonaram e transformaram o ser amado em único precisam deixar marcas profundas, tais como as flechas do cupido, que uma vez presas no coração, ali permanecem para sempre, atenuando defeitos e falhas que o amado certamente apresentará.


Como seria fácil se pudéssemos ter desde o início certeza de nossos sentimentos, ou se pelo menos pudéssemos ter controle sobre estes, ou, mais ainda, ter a exata noção de como somos vistos e o que os outros sentem.
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Atravessar a ponte que une a paixão ao amor é para poucos. Não existem atalhos, o caminho não está claramente demarcado e não tem graça chegar lá desacompanhado. Atingir o amor implica entrar na ponte de olhos vendados, segurando a mão do amado e apostar que aquele que conseguir enxergar primeiro, retardará seu ritmo até que o outro consiga, ainda no estágio da paixão, alcançá-lo.
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terça-feira, 31 de agosto de 2010

MOTIVO DA VIAGEM: TURISMO MÉDICO

Motivo da viagem:
(X) turismo ( ) negócios (X) lazer ( )convenções
(X) tratamento de saúde
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No passado, quando alguém adoecia gravemente ou necessitava ser submetido a uma cirurgia mais especializada, logo se pensava em realizar o tratamento no exterior (Estados Unidos ou Europa). Tecnologia, recursos e experiência indicavam este caminho. O preço era elevado, mas as chances de sucesso eram bem maiores e compensavam os empréstimos e financiamentos para salvar uma vida.

Os tempos mudaram e as rotas de viagem na busca da saúde também. Agora são os pacientes do primeiro mundo que estão migrando para países emergentes. O que aconteceu? Qual o motivo dessa virada? A razão é essencialmente econômica. Dependendo do caso, pode haver redução de até 90% no custo de uma cirurgia.

Quarenta e sete milhões de americanos não dispõem de seguro ou plano de saúde e têm utilizado este “turismo médico” como alternativa. Aproveitam a “pechincha” para associar lazer e turismo aos cuidados com a saúde por preços muito inferiores aos praticados em seu país de origem. Até mesmo as seguradoras estão entusiasmadas, oferecendo opções com preços drasticamente reduzidos para quem se dispõe a utilizar essa modalidade de serviços.

Nos países em que o sistema de saúde é predominantemente público, como Canadá e Reino Unido, o problema não é o preço e sim a longa fila de espera para receber tratamento eletivo ou de menor urgência. Uma cirurgia de prótese de joelho pode demorar até dois anos para ser autorizada, levando “pacientes impacientes” com maior poder aquisitivo a procurar alternativas no exterior.

Acontece que o barato pode sair caro, principalmente quando se trata de saúde, e os países de primeiro mundo sabem muito bem disto. Para integrar o seleto clube de países-destino de viagens médicas internacionais, alguns pré-requisitos precisam ser atendidos: fluência em línguas estrangeiras por parte dos profissionais envolvidos; qualificação internacional do corpo clínico; certificação internacional de qualidade hospitalar (Joint Comission International – National Integrated Accreditation For Healthcare Organizations), facilidade de pagamento, atualização tecnológica de equipamentos, materiais, medicamentos e instalações adequadas aos mesmos níveis que os viajantes têm em seus países.

Alguns países asiáticos já atendem a todas estas exigências e vão além. A Índia, por exemplo, permite a importação de equipamentos médicos de última geração sem barreiras burocráticas e alfandegárias, criou um visto especial com permanência de um ano para os turistas-pacientes e fornece, ainda, bolsas de estudo gratuitas aos médicos que se especializam no exterior desde que retornem para trabalhar na Índia ao final do estágio.

Em termos de valores monetários, para cada dólar gasto em saúde, oito são gastos em turismo. Em média, turistas médicos gastam 120 dólares/dia em compras e permanecem 21 dias no pais. De olho neste mercado, agencias de viagens americanas, européias e asiáticas já estão trabalhando em parceria com os principais hospitais, que também estão se organizando no sentido de buscar cada vez mais pacientes

No Brasil, contudo, o turismo de saúde ainda é incipiente. Segundo dados do Ministério do Turismo, nos últimos três anos, 180 mil pacientes vieram realizar tratamentos médicos no país. É um número modesto para um destino que possui belas paisagens naturais, tornou-se referência internacional em diversos segmentos da medicina, e ainda sediará a próxima Copa do Mundo. A titulo comparativo, o “Bangkok Dusit Medical Services”, o maior de Bangkok, recebeu 649 mil pacientes estrangeiros só no ano de 2007.

O que dificulta a globalização da medicina brasileira, além das manchetes no noticiário internacional sobre violência urbana, epidemias e ineficiência do sistema público de saúde, é a falta de investimentos no setor e o desconhecimento da diversidade cultural dos turistas por parte dos profissionais da área.

Não é apenas uma questão de traduzir o idioma, é preciso um intérprete cultural. Se a internação hospitalar já é penosa para o residente do país, imagine-se então para um paciente estrangeiro. Costumes, alimentação, comportamentos, temores precisam ser entendidos e trocados por calor humano como forma de aplacar o estresse aculturativo e hospitalar. Se não é possível proteger o estrangeiro da violência nas ruas, pelo menos que ele se sinta física e emocionalmente “em casa” dentro do hospital.

Turismo médico não precisa ser apenas viagem e saúde a preços módicos. O sucesso deste turismo inclui ir além das milhas viajadas, proporcionando um modelo de acolhimento que permita ao paciente e familiares uma “viagem lúdica” enquanto a cura acontece. Por que não?
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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Separou mais vezes que amou

Ela tinha não só o discurso na ponta da língua, como também o colocou em prática várias vezes. A mocinha era daquelas defensoras confessas do casamento, uma ativista da instituição, mesmo na contramão do discurso da maioria dos descasados integrantes da faixa madura-idade.

O negócio dela era casar. Elaborou mentalmente o estatuto do casamento perfeito. Para ela casar significava partilhar não só as escovas de dente, dispostas no porta-escovas que sonhou comprar desde que o viu naquela revista de decoração, assim como todos os espaços do que idealizava simbolizar o ‘lar doce lar’. Partilhar a cozinha e todos seus aromas, sabores, alquimias, químicas e físicas que a mesa de apoio ou bancada da pia lhe permitissem experimentar.

Tinha a cama dos sonhos também. Uma king size sob medida, perfeita para as noites, manhãs, tardes, madrugadas de prazeres inconfessos, e outros perfeitamente confessáveis, como aquecer mãos e pés gelados no peito e pernas quentes do seu par, sem que este dissesse um ai. E coitado dele se ousasse reclamar do motivo das extremidades frias da mocinha, porque enquanto ele já repousava na cama, ela, escovando os dentes, circulava pela casa só de camiseta (dele), cumprindo sua tarefa de checar portas, janelas e luzes antes de dormir.

Casar para ela era acordar cedinho, beijo de bom-dia, sexo, banho, café da manhã, tele-jornal com volume suficiente para acordar o prédio inteiro só para saber a previsão do tempo lá do banheiro enquanto se maquiava. Depois, fé em Deus e pé na tábua, beijinho de tchau e cada um para suas vidas lá fora.

E durante o tempo que estivessem na rua, casar para ela era ter a certeza de que bastava apertar a tecla n. 2 do celular (discagem rápida) e, no máximo de três toques, ouviria a doce voz do marido dizendo: 'oi Delicinha!' - isto sem que ela se sentisse uma margarina e, de quebra, a voz traria a informação de que ela estava livre da experiência traumatizante e duvidosa de escutar a gravação: 'eixxxte telefone móvel encontra-se fora da área de cobertura ou deixxligado, tente maixxx tarrrde'. Imagine! Casamento pressupunha a perfeição, que obviamente não passava por conhecer a mensagem da caixa postal de seu par.

E a TPM então, ele já teria feito um curso de imersão, passando por todos os módulos avançados, o que o tornava capaz de diagnosticar a avalanche hormonal no primeiro suspiro e de imediato providenciar a profilaxia de neste período jamais contrariar a fêmea. Ele seria um super, super não, um mega-blaster homem.

E assim conheceu o primeiro, apaixonaram-se e quis logo pôr em prática suas teses sobre o casamento. Estatuto em punho, já nos primeiros meses começou a ficar incomodada, algo de muito esquisito estava acontecendo com aquela relação. Como podia ele deixar sua escova de dente jogada sobre a bancada da pia, esquecendo de colocá-la na peça escultural, determinada pela revista de decoração? Ora, sem desmerecer as alianças, escovas juntinhas também representavam o símbolo da união. Foi crucial, e no fim do primeiro ano ela já não mais dividia a bancada da pia, muito menos a peça artística desprezada por aquele insensível à arte.

Veio o segundo. Esse era um expert em decoração. Ficou tão encantada com seus conhecimentos sobre o tema, que não demorou fazer a proposta de dividir todos os espaços de suas vidas - leia-se: um novo ‘lar doce lar’. Casaram e partiram em lua-de-mel para a Itália. E como não poderia deixar de ser, Murano era destino certo. Mas quis o destino que um raro e belíssimo lustre (de Murano), escolhido a dedo pelo casal, despencasse fatalmente sobre a cabeça do moço. Não, ela não viuvou. Nada grave, a fatalidade está na perda irreparável da peça única. O marido sobreviveu, tendo como sequela apenas a perda do olfato e paladar. Não deu outra, consultou o rol de artigos de seu estatuto do casamento e o resultado foi a dúvida de como sobreviver sem aromas, sabores e temperos. Ela bem que tentou, só que sem dividir a cozinha o encantamento se foi pelo ralo da pia, depois de passar pelo triturador da frustração.

Entretanto ela tinha fé. Não tardou aparecer o terceiro. Esse, além de idolatrar decoração, tinha por hobby cozinhar! Mas quem disse que seria fácil? Não precisou mais que dois invernos para saber do pavor dele por extremidades geladas tocando sua pele quente e delicada, além de deixar claro o exagerado apego às suas gigantescas camisetas de malha, que ela se servia diretamente do armário dele sem pedir licença. Egoísta (!), sentenciou. E veio o quarto, quinto e sexto maridos. Um detestava tele-jornal matinal no volume máximo, o outro jamais entendeu o artigo do estatuto que estabelecia pormenorizadamente as funções inconfessáveis de uma cama king e o último, bem, este a apresentou à caixa postal do celular.

Não se sabe ao certo se depois de todos esses casamentos o estatuto da mocinha (agora uma ‘evelhescente’) sofreu reformas ou recebeu alguma emenda. Ouviu-se dizer que estava pensando em reconsiderar e convocar uma espécie de Poder Constituinte, onde Câmara e Senado seriam representados por divãs de analistas das mais variadas correntes, que se reuniriam para a complexa tarefa de elaborar um novo Estatuto Matrimonial.

Dos desdobramentos dessa ideia racional não se tem notícias, a única informação segura é que ela ainda não desistiu. Conta a lenda que a moça passa dias e noites circulando entre divãs, escritórios de advogados, barzinhos da moda, lojas de decoração, feiras de eventos, seminários e academias de ginástica, buscando o super-mega-blaster-sensível-romântico-disponível-ardente-criativo-inteligente homem ‘ideal’. Homem ideal? Nesse caso, talvez o ‘ideal’ mesmo seja torcer para que um lustre, não tão pesado quanto um Murano, despenque sobre sua cabeça a ponto de apenas fazê-la acordar e descobrir que enquanto sonhava o casamento perfeito deixou escapar amores – imperfeitos, porém reais.
Artigo escrito em parceria com Maria Janice Vianna
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quinta-feira, 29 de julho de 2010

O OLHAR QUE BEIJA

O poder da mídia é inquestionável e ao mesmo tempo assustador. Através de mensagens diretas ou subliminares, recebemos em média trezentas sugestões diárias de como tornar nossa vida melhor e sermos mais felizes. Quase todas indicando dois endereços bem pontuais: consumo e beleza física. Quanto maior a capacidade de consumo e proximidade da perfeição estética, maior também será o grau de satisfação pessoal e a admiração dos outros. Certo ou errado? A pretensão aqui não é entrar no mérito dessa discussão, apenas comentar as implicações desses comportamentos nas relações afetivas.

Uma mentira repetida mil vezes pode acabar parecendo verdade. Depois de bombardear o público durante um mês com o comercial do pop-star vendendo determinado produto ou estilo de vida, a mensagem acaba sendo assimilada e o desejo de compra passa a ser uma consequência lógica. É mais ou menos assim que somos induzidos à mudança de hábitos ou comportamentos.

Quase tudo nos é oferecido de maneira instantânea, com promessa de satisfação imediata. Cada vez mais as pessoas utilizam seu tempo livre para navegar em sítios de compras, de sexo explicito, salas de bate-papo, interagindo apenas virtualmente. Um olho no monitor e outro no teclado, buscando o imediatismo, o já, o agora.
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Esta instantaneidade invadiu também as relações afetivas, uma vez que a escolha do sujeito da cobiça amorosa tem se restringido a um simples passar de olhos, um relance, com vista apenas, na maioria das vezes, em patrimônio, medidas de busto, coxa e quadril.

Um outro tipo de olhar foi esquecido. Aquele olhar que não tem pressa, porque sabe que vai precisar de tempo para atravessar a retina, sondar a alma, devassar os segredos, deixar seu recado e buscar o brilho ou a escuridão do retorno. Enquanto a pupila de um vai pedindo licença, a do outro vai dilatando, e vão se deixando conhecer, abrindo passagem, esquentando, querendo, gostando, encaixando. E ‘clac’.

Sustentar o olhar do outro não é para qualquer um, ou quaisquer dois. É preciso parceria, a verdade de um olhar encontrando eco na verdade do outro, e novamente refletindo para dentro de cada um.

Notem como hoje se tornou mais fácil beijar, tirar a roupa, se deixar tocar, ficar, comprar, viajar, fazer cirurgia plástica do que sustentar por mais de dez segundos o olhar de alguém. Ao que tudo indica, nesta nova ordem da instantaneidade e felicidade comprada, pode-se adquirir, mostrar e tocar quase tudo, menos o olhar.

Qual seria, então, a parte mais sedutora e, se tivesse preço, mais cara do ser humano hoje em dia? Sem dúvida que seriam os olhos. Aquele olhar de quem se entrega, conseguindo assim falar melhor que a boca, escutar além das palavras, sentir acima e abaixo da pele e enxergar bem mais que as aparências. Quando esse brilho atinge o outro, é chegada a hora de fechar as pálpebras e deixar que os lábios se busquem, para de outra forma enxergar o que os olhos já haviam visto.

Beijar sem antes olhar fundo é como comprar no escuro. É um beijo roubado. Beijar com a luz apagada, então, é um assalto. Beijar de olhos fechados só tem sentido se antes houver o espelhamento das retinas. Encarar antes e depois de um beijo é um prazer tão grande, que talvez palavras não consigam expressar, mas chega a ser melhor que o próprio beijo. Enfim, acertar o foco é uma questão de tempo, direcionamento do olhar e mais do que tudo, vontade de enxergar e se ver ao mesmo tempo.

Artigo escrito em parceria com Maria Janice Vianna - www.humanamania.blogspot.com

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terça-feira, 6 de julho de 2010

Quando a emoção falou mais alto

Cada vez que chegava na casa de meu amigo, era recebido antes mesmo de tocar a campainha, pelos latidos do Borg, que completava sua alegre recepção com lambidas, rabo abanando, "abraços" com patas enormes e embarradas. Todas as demonstrações de afeto. Foi assim desde sempre, desde o final da adolescência até a idade adulta, quando a vida nos afastou.
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Dia desses reencontro meu amigo, e entre abraços e trocas de telefone vieram as perguntas tradicionais sobre a família, pais, filhos, a vida em geral... e não pude deixar de perguntar sobre o Borg ... na hora parecia que eu estivera há apenas alguns dias em sua casa. Relembramos acontecimentos, aventuras, namoradas e as tardes que passávamos com Borg passeando pelo parque, atraindo a atenção das meninas. Fiquei chocado ao saber que ele estava com a saúde debilitada, em "estado terminal". Meu amigo estava em dúvidas sobre sacrificar nosso companheiro ou deixá-lo viver até o final e quis saber minha opinião.
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Pensei um pouco no Borg, nos velhos tempos e me veio a cabeça uma antiga piada. Quer saber quem gosta mais de você, seu cão ou seu companheiro(a)? Tranque os dois no porta-malas de seu carro por trinta minutos e depois os solte, você verá quem vai lhe lamber e quem vai lhe morder. Cães são conhecidos como os melhores amigos do homem e de uma fidelidade eterna. Tenho uma teoria que sei ser controversa, mas afinal de contas, ainda bem que hoje temos a liberdade de pensamento e expressão.
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Acredito que os cães são portadores dessa fidelidade porque não possuem a capacidade de pensar, funcionam através de reflexos condicionados. Se o cão pensasse como um humano, ficaria querendo saber por que foi trancado no porta-malas e exigiria uma explicação; mas ao contrário, seu instinto diz apenas que ao avistar seu dono ele deve ficar alegre, pois o mesmo vai lhe dar carinho ou alimento.
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Cada vez que o dono aparece, o cão fica feliz, e quando o dono parte, o cão entristece, sem grandes viagens intelectuais. Animais não conseguem fazer deslocamentos longos com o pensamento, não têm noção de finitude, de amanhã, de relacionamento a longo prazo. Precisam satisfazer suas necessidades básicas: alimento, frio, carinho, sexo, dor...E o drama do Borg, seu sofrimento maior é a dor contínua e profunda, que seria aliviada com sua morte, nem percebendo que a vida para ele acabou. Quem ficaria pensando no Borg seríamos nós, humanos, que pensamos e sentimos a longo prazo.
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Expus minha opinião e me ofereci para acompanhar o Borg na dolorosa despedida. Até aqui, a razão e a teoria estavam comandando o espetáculo, ou melhor, o funeral. Acontece que ao chegar na casa de meu amigo, fui imediatamente reconhecido e anunciado pelo latido inconfundível de alegria do Borg, que levantou, abanou o rabo como nos velhos tempos, entrou no carro como se estivéssemos indo ao parque impressionar as meninas, sentou no meu colo, lambeu minhas mãos e acabou com toda a minha tese sobre o seu sacrifício. Não precisamos falar, apenas trocamos olhares, nós três, e o carro voltou para a garagem.
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Enquanto dilemas estiverem restritos a situações teóricas, a razão será soberana, mas toda a vez que alguém sensibilizar, tocar, mexer, balançar o outro, as emoções vão assumir o comando. Esse é o velho conflito entre razão e emoção, e sabem qual a função das emoções em nossas vidas? Avalizar, qualificar, dar sentido às nossas escolhas, para que possamos dormir com o coração em paz, escutando os latidos do Borg. A emoção falou mais alto.
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Poderia encerrar este artigo no parágrafo anterior, ao estilo comercial de margarina, mas vou colocar uma pimenta a mais. O casal sabe que a relação está doente, o marido quase não fala, a mulher não quer ser tocada, os filhos sofrem com a deterioração da família, todos sabem que é uma causa perdida e racionalmente é preciso terminar o relacionamento, sacrificá-lo para não mais causar sofrimento geral, mas emocionalmente não conseguem. Encontram alívio trancando o outro no porta-malas ou escondendo-se e saindo ou libertando de vez em quando para lamber, rosnar ou morder, reações que erroneamente são interpretadas como perguntas ou cobranças, cujas respostas nem devem ser conhecidas. Quem é mesmo que não pensa a longo prazo?
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Já pensaram quanta emoção e sentimento podem estar encobertos justo no gosto da boca que lambe, da face que é lambida, do beijo que não foi dado ou da lágrima que verte depois da mordida?
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terça-feira, 22 de junho de 2010

Na hipótese de ser eu a namorada do passado...

Gosto de escrever na primeira pessoa do singular como se estivesse narrando a crônica. Eventualmente surgem confusões pois o escritor é confundido com o personagem e a vida real se confunde com a ficção. Temos mostras de sobra de que a realidade supera em muito a ficção, mas isto agora não é o mais importante...
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Fictícios ou não, também não importa. Minha intenção ao colocar os artigos na web sempre caminha na direção do crescimento pessoal. Meu e dos leitores. As idéias é que são importantes, os fatos são circunstâncias. A veracidade ou não das histórias acaba sendo um privilégio, ou sacrilégio (como queiram) dos que partilham da minha intimidade.
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Dito isto, transcrevo a réplica que ansiava por receber depois da carta enviada no artigo anterior "Não entendeu, não sentiu e não aproveitou".
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Entendam, sintam e aproveitem...
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Discordo! O problema não é pensar demais. É agir de menos! Não achas que quando bate essa saudade enorme de mim, eu deveria ficar sabendo? Por que não ligas e me contas sobre isso? Eu seria feliz durante a semana inteira... E te digo mais: talvez até confessasse que também sinto saudades de ti! Não seria fantástico?
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Os perigos a serem enfrentados realmente existem. Mas, nada se assemelha às sabotagens que nós mesmos criamos. Aos medos internos incutidos e reverenciados com demasiado zelo durante tantos anos. O temor ao fracasso é tão exagerado, que nem ao menos nos damos a chance de tentar. E, assim, matamos todas as possibilidades... as que, eventualmente, dariam certo... e as outras também! Como poderemos nos considerar otimistas depois disso?
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Tens absoluta razão (e para se chegar nesse ponto foi necessário pensar!). Não somos mais adolescentes inconsequentes. Somos adultos que contradizemos nossos próprios instintos e vontades. Não agimos, não fazemos, não satisfazemos, não realizamos, não construimos nada juntos, nada que se refira a nós dois... nem desejos, nem fantasias, nem sonhos, nem castelos, nem livros, nem histórias de amor com final feliz!
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É verdade: apesar do tempo, distância, obstáculos, transtornos, dificuldades, discussões e dos "n" acontecimentos que nos afastaram, a afinidade que um dia nos uniu permanece viva (ainda que em estado latente!) após tantas décadas!
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Mas, pergunto eu a tua alma inquieta: que atitudes pretende tomar de agora em diante?
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Quais tuas expectativas em relação a ti mesmo? E em relação a mim?
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Ambos temos a absoluta certeza de que nada é fácil! Muito antes pelo contrário!
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Mas, a única coisa que eu espero... é que não pretendas que te leve o megafone!
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Beijos!
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quinta-feira, 10 de junho de 2010

Não entendeu, não sentiu e não aproveitou



Acredito que o problema todo esta em pensarmos demais. Falando em pensar, imaginei como seria na época das cavernas. De repente bate uma saudade enorme de ti, daquela nossa época de estudantes, logo que nos conhecemos. Lembrando dos ferormônios explodindo por todos os poros e aproveitando os que ainda restam, sairia a tua procura, como um caçador. Não importariam os perigos que teria de enfrentar, precisava matar o desejo, a saudade, liberar os fluidos, sentir de novo o teu gosto, comer a tua presença.

O motivo pelo qual haviamos nos afastado não importava mais, o desejo seria o mestre. O meu é claro, pois sou um homem das cavernas e tu serias a fiel representante da mulher submissa ancestral.

Mas vamos pensar um pouco mais (apesar de eu continuar afirmando que em certas ocasiões, pensar é o que atrapalha tudo). Faz de conta que como uma mulher ancestral também sentias os mesmos desejos reprimidos, não eras submissa ao teu par e ansiavas por me encontrar em teus sonhos, mas como mãe de uma prole imensa de filhos, ficavas presa a uma caverna. Não havia google para tentar saber da minha existência.

Quando surgi na porta da tua caverna, barbudo, cabeludo, um pouco mais envelhecido, mas ainda com aquele mesmo olhar, jogastes o bebêzinho de meses no chão e te atirastes em meus braços. Beijamo-nos e fizemos amor na porta da caverna. Beijo a beijo, esquecemos do mundo lá fora e fomos recuperando os anos de saudade reprimida.
Sentimento Puro, na versão original.
Gostou? Acho que seria muito legal. Então vamos agora para o futuro.

Cinco milhões de anos se passaram, o homem inventou a palavra e começou a organizar seus pensamentos. Inventou o superego, o MSN, o casamento, a religião. Pensou tão longe que até ousou exprimir sentimentos em palavras. Olha só que loucura, palavras exprimindo sentimentos....deve ser coisa de algum maluco.

Então hoje, quando estou com saudades de ti, com vontade de sentir teu cheiro, toque, gosto e conversa, pego o celular e passo uma mensagem:
- Estou morrendo de saudades.
Em 30 segundos retorna uma resposta:
- Eu também, vamos marcar uma conversa no MSN?

Que facilidade hein, antigamente eu teria que sair caminhando pelas savanas durante dias ou meses até te encontrar e agora em 30 segundos já estou em contato.

Quatro horas conversando via internet. Madrugada adentro como nos velhos tempos em que nos amassávamos pelos cantos escuros. Recordamos felizes as histórias da praia, do carnaval, das escapadas pela janela dos fundos, e ao longo da noite descobrimos que já não somos mais adolescentes inconsequentes. Descobrimos também, que apesar do tempo, distância, contratempos, discordâncias e experiências que nos afastaram, a afinidade que nos uniu ainda permanece após décadas.

Desliguei o computador e liguei a memória. Lembrei do reveillon em Punta, do frio em Campos do Jordão, do show do Frejat, das sardas, tatuagens, do cheiro de suor na tua nuca, o gosto do teu beijo pela manhã, a mão acariciando minhas costas, cabelos espalhados nos lençóis, virilha depilada, gato arranhando a porta, hino riograndense cantado no banho, pipoca no sofá, velas acesas no quarto, espumante bebido na cozinha, conversa jogada fora, abraço puxando pra dentro, choro na despedida, lágrima salgada...

Começa então a surgir o desejo de um re-encontro pra matar a saudade e conferir como é a nova versão da afinidade e do sentimento. Misturam-se imagens da adolescência com conversas do MSN, confusões do passado com explicações de agora e cada um a seu modo vai fantasiando o re-encontro, criando expectativas, controlando as palavras, segurando o desejo, jogando sedução, estudando a reação do outro, calculando as consequências, tomando coragem, pensando, refletindo, amornando, avançando um pouco, recuando dois poucos, esfriando, consultando o psiquiatra, congelando...

Enquanto uns evoluem no sentido do pensamento, outros permanecem no sentimento puro, e outros ainda não sabem em que lugar estão nem o que estão fazendo de suas vidas. Por estas e por outras é que muitas relações que poderiam ter sido ótimas, se perderam lá no inicio, no meio e chegaram a um fim, não conseguindo nem ser entendidas, nem sentidas e muito menos aproveitadas.

PS - Se fosse fácil, não escreveria este texto; estaria ai embaixo do teu prédio te chamando com um megafone.
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sábado, 29 de maio de 2010

Nem todos os homens são iguais

Nos próximos dias vai começar a Copa do Mundo de futebol. O Brasil costuma parar na hora em que a seleção entra em campo, e dependendo do resultado, permanece paralisado ou deslancha em carnaval. Já faz parte de nossa cultura. Quanto mais o Brasil avança na competição, mais os nervos do povo torcedor vão ficando exaltados, até o dia da grande final, quando acontece a catarse. Isto me fez lembrar a história de Gabriel e Sandra, um casal de amigos que economizou dinheiro durante dois anos para assistir a Copa do Mundo na Alemanha em 2006.

Não são fanáticos por futebol, mas acharam que seria uma experiência interessante, pois além do turismo, poderiam conviver com uma diversidade cultural e quem sabe até ver a seleção se tornar hexa campeã mundial. Planejaram todos os detalhes: reservaram hotéis, passeios, restaurantes e também compraram antecipadamente ingressos para todos os jogos do Brasil, inclusive para a finais, mesmo sem saber se chegaríamos lá.

O Brasil acabou sendo desclassificado e a partida final iria ser decidida entre França e Itália. Na noite anterior à decisão do mundial, no saguão do hotel, dois milionários franceses ficaram sabendo dos ingressos de meus amigos e ofereceram ao casal vinte mil dólares pelas entradas. Era a "tentação francesa" batendo à porta. Esta quantia pagava todas as despesas da viagem, o Brasil já não tinha mais chances de ser campeão e além disto, eles nem entendiam muito de futebol.

A esposa imediatamente abriu mão do ingresso, mas meu amigo ficou em dúvida e pediu um tempo aos franceses para pensar. Imaginem como foi a noite. Ela dizendo que queria os dez mil dólares a que tinha direito e se o marido quisesse desperdiçar esta oportunidade caida dos céus, não compactuaria este ato insano. Não estava lá, mas acredito que não devem ter dormido direito. Sexo, nem pensar. Levantaram todas as hipóteses, ressucitaram casos do passado, acusaram, desculparam, fizeram cálculos, projetaram o futuro e ao raiar do sol, ainda não havia um consenso.

Os franceses esperavam uma resposta no café da manhã. Pode até parecer bobagem, mas ás vezes, a maneira como são manejadas e conduzidas as expectativas individuais frente a um "pequeno dilema", pode ser responsável pelo futuro do casal. Separações não acontecem de uma hora para outra, iniciam sutilmente com pequenas atitudes egoistas. Depois de escovar os dentes, mas ainda com o rosto inchado da noite insone, meu amigo saiu do toalete, segurou delicadamente a mão da esposa e explicou que haviam investido dois anos neste sonho, não somente dinheiro, mas também emoções, projetos, vida. Sonhara várias noites com aquele dia que estava nascendo, com a emoção de chegar cedo ao estádio, comprar pipocas para a esposa, olhar a torcida multicolorida, assistir uma final de copa e se sentir um privilegiado, com ou sem o time do Brasil em campo. Sem ela na cadeira ao seu lado, o sonho estava perdido, apesar do dinheiro ganho.

Pediu a ela que qualquer que fosse a decisão, que a assumissem juntos, como casal. Não por serem casados, mas por serem companheiros nesta jornada. Considerou ainda que talvez não estivessem vivos na próxima copa, mas agora estavam ali, saudáveis, com os ingressos na mão e discutindo por causa de uns franceses milionários que encontraram ao acaso. Prometeu vender aquele sitio que nunca frequentavam e dar a ela os dez mil, mas que não jogasse fora o investimento do casal por uma tentação francesa.

Abraçaram-se, choraram e foram juntos à final. Venderam o sitio, economizaram e agora estão indo para a Africa do Sul, com os ingressos comprados, inclusive para a final. Não viraram fanáticos, querem apenas aproveitar a emoção da copa juntos e se aparecerem outros milionários, já sabem como vão lidar com a situação.

Um outro amigo, casado há 20 anos, filhos crescidos, foi participar de um congresso médico no Rio de Janeiro. No avião sentou ao lado de uma estudante francesa, quinze anos mais moça, bonita e sensual. Conversaram animadamente durante toda a viagem, dividiram o táxi e combinaram de se encontrar no outro dia para um jantar. Mais uma "tentação francesa" batendo à porta.

Pois é, a vida é assim, mas nem todos os homens são iguais.
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domingo, 16 de maio de 2010

CONFIANÇA sem FIANÇA (Versão médica original)

Por todas as pessoas que telefonaram, pensaram em ligar, enviaram e-mails, não dormiram direito, preocupadas e solidarizando-se com a cirurgia descrita no artigo anterior, quero dizer que estou bem. Mais leve também. Não por ter sido retirado um pedaço de mim, mas por saber que se dispuseram a ajudar a carregar o eventual sobrepeso que o destino me oferecer.

Mostro abaixo o texto original, escrito para uma revista médica, e que serviu de inspiração para a postagem anterior. Espero um dia poder retribuir o carinho e atenção. Muito Obrigado.

CONFIANÇA SEM FIANÇA (VERSÃO ORIGINAL)

Procurei escapar de todas as maneiras, mas não consegui. Vou ter que me operar. Trabalho todos os dias anestesiando pacientes para cirurgias, mas desta vez sou eu quem vai estar deitado do lado de lá. Quando acordar na sala de recuperação, imagino um curativo enorme tapando uma cicatriz através da qual será retirado um pedaço do meu corpo. Vão tirar um pedaço de mim e já estou sofrendo por antecipação.

Em quem confiar para realizar esta tarefa? Quem vou autorizar cortar minha pele, penetrar no meu interior, abduzir o pedaço que julgar conveniente e deixar a cicatriz como lembrança permanente desta agressão calculada, necessária e consentida?

Posso confiar no cirurgião carregado de diplomas, na indicação de uma boa experiência obtida por um vizinho, nas palavras tranqüilizadoras transmitidas durante a consulta ou na sala de espera da clinica lotada de pacientes?

Posso confiar no hospital que anuncia em revistas e outdoors tecnologia de última geração, preocupação máxima com a segurança e excelência no atendimento?

Posso confiar em mim, meu corpo vai reagir adequadamente?

Confiança é algo que não se pede; se conquista no dia a dia simplesmente cumprindo aquilo que se promete. Não pode ser comprada, não existe em versão econômica, não adianta anunciar e demora um tempo para ser produzida.

Como então, a partir de uma consulta de 30 minutos passar a confiar e se entregar de corpo e alma para um médico e para o hospital recomendado? Não há tempo razoável para construir e transmitir confiança, e por mais fragilizado que o paciente se encontre, aquela imagem do doutor como um semideus salvador, infalível e de conduta soberana e indiscutível é coisa do passado.

Posso postergar a cirurgia por mais um tempo até que eu me sinta pelo menos setenta por cento seguro? Não; não pode, é preciso operar logo. Estou naquela famosa encruzilhada: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Decido sozinho, peço auxilio para a família, amigos, colegas ou deixo o médico decidir por mim?

Tanto a confiança como a falta dela, são contagiantes. Quando a mamãe águia empurra seu filhotinho abismo abaixo para que balance as asas e aprenda a voar, o medo do fracasso está ali, assustando mãe e filho. Mas a confiança de que aquele é o momento certo para que o filhote descubra o privilégio de voar, faz com que a águia-mãe vença a emoção conflitante e presenteie o filho com o empurrão.

O inicio de uma relação médico-paciente é como caminhar no escuro, sempre existe o medo e nunca se sabe quando vai tropeçar. Se você confia em si, pode então depositar confiança no médico e tentar andar de mãos dadas por este caminho desconhecido e assustador para a maioria das pessoas. Se durante a consulta você sentir segurança, competência, empatia, atenção, informação, compaixão e carinho, faça como a águia, dê um pulo e atire-se nos braços do médico. Mas cuidado, se alguém lhe oferecer cem por cento de segurança, comece a desconfiar.

Então tá, apesar de todos os riscos, depois da cirurgia conversamos.
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segunda-feira, 26 de abril de 2010

CONFIANÇA sem FIANÇA

Procurei escapar de todas as maneiras, mas não consegui. Vou ter que me operar. Trabalho todos os dias anestesiando pacientes para cirurgias, mas desta vez sou eu quem vai estar deitado do lado de lá. Quando acordar na sala de recuperação, imagino um curativo enorme tapando uma cicatriz através da qual será retirado um pedaço do meu corpo. Vão tirar um pedaço de mim. Já estou sofrendo por antecipação.

Em quem confiar para realizar esta tarefa? Quem vou autorizar cortar minha pele, penetrar no meu interior, abduzir o pedaço que julgar conveniente e deixar a cicatriz como lembrança permanente desta agressão calculada, necessária e consentida?

Posso confiar no cirurgião carregado de diplomas, na indicação de uma boa experiência obtida por um vizinho, nas palavras tranqüilizadoras transmitidas durante a consulta ou na sala de espera da clinica lotada de pacientes? E posso confiar em mim, meu corpo vai reagir adequadamente?

Confiança é algo que não se pede; se conquista no dia a dia simplesmente cumprindo aquilo que se promete. Não pode ser comprada, não existe em versão econômica e demora um tempo para ser produzida.

Como então, a partir de uma consulta de 30 minutos passar a confiar e se entregar de corpo e alma para um médico? Não há tempo razoável para construir e transmitir confiança, e por mais fragilizado que o paciente se encontre, aquela imagem do doutor como um semideus salvador é coisa do passado.

Amores: procurando escapar ou encontrar, convidados ou intrusos, podem entrar em nossas vidas e eventualmente, em nossos corpos. Comportando-se como doenças, podem sugar e até mesmo nos deixar em pedaços, cheios de cicatrizes abertas. Por outro lado, outros vão surgir como médicos, deixando carinhos, amor, fluidos e lambendo nossas feridas. Amar envolve doação, entrega de corpo e de alma. Como saber quem afetivamente vai nos machucar, acariciar, enlouquecer, proteger, abandonar?

Quando alguém cruza conosco, chama a atenção e candidata-se a participar de nossa vida, seja médico, amigo ou amor, por melhores que sejam suas referências, aparência e atitudes naquele momento, ninguém pode ter certeza de seu comportamento no futuro. Nem do nosso. É preciso arriscar e pagar pra ver.

Tanto a confiança como a falta dela, são contagiantes. O inicio de um relacionamento é como caminhar no escuro, sempre existe o medo e nunca se sabe quando vai tropeçar. Se você confia em si, pode então depositar confiança no outro e tentar andar de mãos dadas. Mesmo assim, como diz Martha Medeiros, é como dar um triplo mortal intuindo que há uma rede lá embaixo, mesmo que todos saibam que não existe rede para o amor. Mas a sensação de existência dela basta.

Prefiro pensar que a tal rede não existe mesmo, e que mais importante que caminhar de mãos dadas, é saber que o outro vai saltar junto comigo.

Então tá, depois da cirurgia conversamos.
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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Matando a saudade

Gosto muito de pensar e escrever sobre as múltiplas maneiras como o ser humano interage automaticamente com o cotidiano. Pelo menos uma vez por semana, alguém faz uma sugestão de assunto para que eu desenvolva. Alguns chegam na hora certa e me inspiram, outros são engavetados. Observem uma pequena amostra da diversidade.

O milionário que recebe conselhos de amigos alertando para as mulheres que se aproximam em busca de dinheiro. Sua resposta categórica é que elas estão certas na escolha, pois recursos não lhe faltam e ele dá com prazer ou em troca de.

Construções modernas de quartos minúsculos e paredes ultra finas, onde o vizinho do 507 escuta e consegue saber quantas vezes o morador do 607 foi ao banheiro durante a noite, qual o tipo de sapato que usava, quantas pessoas dormiram na cama, se fizeram sexo e até mesmo se foi bom ou ruim.

Homens que se referem a seu órgão sexual na terceira pessoa do singular, como se fosse outra pessoa ou entidade. “Ele funciona quando quer, independente de minha vontade”, “Ele falou mais alto”. Como assim?

Por mais que eu me esforce, não adianta; se não estou vivenciando, não consigo desenvolver o pensamento. Chega um momento em que o raciocínio tranca. Preciso estar sentindo para que as idéias façam sentido e possam ser escritas. E o que sinto agora é algo que as pessoas costumam chamar de saudade. Ainda não consegui definir se é uma sensação agradável ou não, mas vamos lá.

Lembro com alegria da minha infância fazendo molecagens na rua e sei que não posso regredir no tempo e voltar aos dez anos de idade. Cresci, virei adulto e minha cabeça já é outra. Ficaram as lembranças. Ainda brinco de esconde-esconde debaixo do edredon, faço caretas no espelho e na hora de tomar injeção, escrevo bobagens no blog, mas aquela inocência gostosa ficou para trás. Não sinto vontade de voltar ao passado e acho que isto não se chama saudade. São lembranças...

Lembro de meus avós que devem estar no céu, mas não consigo imaginar um diálogo se nos encontrássemos hoje. Eles com a mentalidade que tinham e eu com esta cabeça modelo 2010. Tenho ótimas lembranças deles me carregando no colo e oferecendo balas e chocolates, mas não apostaria num reencontro maior do que longos abraços e curtas conversas. As caras feias de discordância ideológica dominariam o cenário. Acho então que isto também não se chama saudade, e sim lembranças, recordações, nostalgia...

Saudade é quando você quer que a pessoa ou a situação retorne, mas não sabe se vai acontecer, não está mais no seu controle. É diferente da infância que já passou ou de alguém que morreu, pois estes deixam lembranças, mas não voltam. Saudade a gente sente de algo que está ai vivo, solto e nunca deixou de existir, e assume o tom fatalista quando nos joga num vazio onde percebemos que o objeto do desejo talvez nunca mais seja possível. Saudade é a desconfortável esperança de um reencontro sabe-se lá quando.

Uma ausência que fica ali, presente em cada pensamento, em cada lágrima, em cada silêncio, em cada música. Sentimos saudade do filho que foi morar em outra cidade, da mulher que foi embora, do emprego que deixamos para trás, do amigo que não faz contato. Acho que saudade sempre tem um pouco de auto-acusação e arrependimento. Poderia ter sido diferente? O que eu fiz de errado? Ainda dá pra reverter?

Muitas vezes confundimos saudade com nostalgia...

Começo a acreditar que o caminho para que a saudade pare de doer e possa ser uma sensação agradável em nossas vidas é assumir que a falta que sentimos é um sinal de amor. O amado pode não estar mais ali, mas o amor permanece. Saudade é amor que aconteceu um dia e que ainda permanece incrustado dentro de nós, marcando nosso consciente e subconsciente. Aceitar as mudanças e os finais, não significa esquecer, passar uma borracha. Cada momento é único e deixa marcas. Algumas são apagadas com o tempo, outras ofuscadas por lembranças mais recentes e as que realmente valeram a pena, “vão deixar saudade” e com vontade de repetir a dose.

Algumas sugestões de assuntos, embora super interessantes, ainda estão engavetadas esperando que eu as retome um dia. Assim funcionam os amores que marcaram nossas vidas e não estão mais ao nosso lado: desejamos encontrá-los, ficar com eles e “matar” as saudades. Enquanto isto não acontece, remexo as gavetas e a alma. O problema é que muitas vezes não sabemos como refazer as relações interrompidas, e elas ficam, quase como objetos, escondidas em gavetas sem chave. Melhor não dar chances pra saudade e se entregar, demonstrar o afeto, “comer a presença” das pessoas amadas no momento certo. Esta é a chave que abre corações, e ao invés de “matar ou morrer de saudades”, dá vida ao amor.
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segunda-feira, 29 de março de 2010

"Ser livre é ter um amor pra se prender" *

Todos passamos por mudanças. Cada fase de nossas vidas é como uma espécie de adaptação na forma de encararmos o mundo, de resolvermos nossos impasses, de tentarmos um crescimento pessoal. E essas mudanças são percebidas em todas as pessoas. O famoso artista espanhol Pablo Picasso, por exemplo, não fugiu à regra e pincelou cada metamorfose com cores e estilos diferentes. Sua juventude lírica deu origem à fase rosa da pintura, a guerra espanhola foi retratada sob a forma expressionista, e assim ele foi pintando suas telas de azul, preto, marrom, conforme as cores de sua vida. Também eu me modifico, e por meio das palavras tento entender-me e expressar minhas idéias.


Neste momento sinto necessidade de escrever na primeira pessoa. É a fase do “eu”. Preciso esclarecer que nem tudo necessariamente aconteceu da maneira literal como está escrito. A veracidade ou não dos fatos é um privilégio, ou sacrilégio de poucos com quem divido minha intimidade, mas a mensagem e os sentimentos descritos são absolutamente fiéis.

Gosto muito de praticar a corrida. Correr é um exercício completamente diferente de caminhar, e a diferença não é somente na queima de calorias, mas principalmente no tipo de emoção despertada. Quando se caminha, um pé fica firme no chão enquanto o outro está no ar, fazendo o movimento para o próximo passo. Um dos pés sempre está na terra. Na corrida, os dois pés, em determinado momento, ficam no ar. E esta sensação assemelha-se a um vôo, a ser livre. Quem já experimentou correr e sentiu esta liberdade, não quer mais voltar a caminhar.


Imaginemos agora um casamento. Papéis estabelecidos e juntamente com eles, a divisão de espaços e desejos com um parceiro. Aos poucos vai surgindo uma sensação de sufocamento e um dos cônjuges começa a sonhar com um mundo livre, sente vontade de sair e pegar o ônibus para a “Estação Liberdade”. Comportamento mais do que natural, pois as melhores idéias sobre liberdade foram escritas no cárcere.

Depois de mais de uma década de casamento tradicional, o divórcio atinge em cheio o casal. Junto com ele, a fase inicial de novas amizades, festas, relações sem maiores compromissos e o já conhecido discurso de que não voltarão mais a morar com outra pessoa. Aconteceu comigo e com mais de metade da torcida do flamengo. Acostumados a caminhar no casamento, com a separação experimentamos correr e sentimos o gostinho da liberdade. Um sabor maravilhoso, tentador e que vicia a ponto de tornar o usuário escravo da mesma.


Quero poder tomar um choppinho com os amigos quando tiver vontade e sem hora pra voltar, assistir o programa da Hebe sem culpa, cortar as unhas do pé em privacidade, namorar só quando um estiver a fim de ver o outro e não precisar mais dar satisfação pra ninguém. Aquele velho blá-blá-blá de sempre. Caminhar nunca mais, casar nem pensar, compartilhar virou palavrão...Será que isto é liberdade?

Um dia você conhece uma pessoa interessante, atraente, que lhe desperta aquela admiração que precede a paixão. Você a convida para um fim de semana na serra, tomam banho juntinhos, dançam coladinhos, conversam fazendo cafuné, assistem um filme no sofá, fazem juntos um brigadeiro de panela e dividem lambendo os dedos um do outro. Voltam já apaixonados. No outro final de semana ele(a) quer repetir a dose. Você também, mas ao mesmo tempo não quer perder o jogo de futebol, a festa da turma da academia, o almoço com a família. A tentação da liberdade começa a perturbar a relação e sem que você perceba, joga um balde de água fria na paixão e acena com outras opções mais interessantes que não vão atrapalhar seus planos. Você escolhe os amigos e as possibilidades futuras. Isto é liberdade?


Ser livre nem sempre é só seguir a sua própria vontade; às vezes consiste justamente em fugir dela. A prisão não são as grades ou o compromisso com alguém, e a liberdade não são os amigos, a rua e as festas. É uma questão de escolhas. Ser livre é sentir a tranqüilidade de estar acompanhado de alguém com quem se pode ficar em silêncio sem que nenhum dos dois se sinta incomodado, é poder cair pregado de sono logo após o jantar sem precisar ficar seduzindo, é contar uma fraqueza, pedir um conselho, derramar lágrimas de alegria e também de tristeza... “Ser livre nesta vida é ter um amor pra se prender” – Carpinejar – e eu acrescentaria, “escolhendo e construindo juntos o tamanho e modelo da prisão em que vamos nos prender.”


E voltando à analogia inicial, se a corrida nos dá a sensação maravilhosa de liberdade, de voar com o vento batendo na face, a caminhada também tem seus atrativos. Numa caminhada podemos conversar comodamente com outra pessoa, podemos dividir as impressões que a paisagem nos causa, podemos compartilhar sutilmente um toque de mãos (experimente correr de mãos dadas...), podemos dividir as tristezas e as alegrias e o mais importante, com alguém que caminha no mesmo passo...


No treino da vida, há de se ter a sensibilidade para perceber o momento certo de iniciar uma tresloucada corrida, como também a hora de acalmar os passos e caminhar de mãos dadas. Todo bom atleta sabe disto, e o bom amante também.
* frase título de autoria de Fabricio Carpinejar - poeta gaúcho



terça-feira, 16 de março de 2010

A caneta do médico

Na pré história, nossos ancestrais acreditavam que o pecado era a causa de todas as doenças, e sacerdotes faziam o papel de médicos utilizando magia, oração e jejum para acalmar os deuses e expulsar os maus espíritos. Passando pela civilização egípcia, depois grega o conhecimento foi se aprimorando, virou ciência, e o tratamento das doenças gradativamente ficou sendo exclusividade dos médicos.

Desde o diagnóstico até o tratamento, tudo passava pelas mãos do médico, que apalpava o paciente, preparava poções medicamentosas e eventualmente amputava alguma parte do corpo doente. Eram muitos pacientes, bastante trabalho e a demanda não era adequadamente suprida.

O que fizeram os médicos? Pediram ajuda na preparação dos medicamentos. Treinaram e capacitaram pessoas na manufatura de remédios, dando origem a primeira produção em massa derivada do atendimento médico: a indústria farmacêutica.

Os primeiros médicos atendiam em suas residências ou no domicilio dos pacientes. Alguns precisavam de cuidados mais intensivos, mas não havia condições de atendimento exclusivo. Surgiu então a necessidade de uma centralização do serviço para otimização dos recursos. Pacientes graves seriam agrupados em um local especializado para poupar o deslocamento do médico e promover uma atenção mais eficaz. Cria-se assim a segunda indústria derivada do trabalho médico, o Hospital.

O conhecimento médico foi avançando e aparelhos eletrônicos sofisticados passaram a fazer diagnósticos e salvar vidas até então condenadas. Desenvolve-se então a terceira indústria derivada do saber médico, a indústria diagnóstica. Exames laboratoriais, fisiológicos, patológicos, radiológicos, ecografias, tomografias, ressonâncias passaram a complementar o exame clinico e em alguns casos até mesmo a substituí-lo.

Mais recentemente, outra indústria passou a trabalhar em função dos serviços médicos: planos e seguradoras de saúde oferecem proteção e cobertura de despesas médico-hospitalares, mediante aportes mensais de valores pré-fixados.

Hoje, o médico já não tem em suas mãos o controle total da saúde. Depende das indústrias que precisam faturar, pagar funcionários e dividir o lucro com os acionistas. Desta forma, quem estabelece os custos de medicamentos, exames, internações hospitalares, aportes mensais, órteses e próteses não é mais o médico. As despesas fugiram de seu controle. Problemas logísticos e financeiros nem sempre permitem que o tratamento proposto possa ser efetivado integralmente.

Por outro lado, nenhuma das indústrias da saúde funciona sem o médico. É preciso que ele tire a caneta do bolso e solicite uma internação, exame ou medicamento para que as máquinas sejam acionadas e iniciem sua produção. A saúde financeira das indústrias também depende do médico.

Esta interdependência médico-indústria nem sempre agrada a todos e precisa ser revista. Médicos sentem-se desvalorizados, empresas reclamam da sobrecarga ou carência de exames, baixo ou alto volume de prescrição medicamentosa, alta carga de impostos, internações prolongadas, mas ninguém pode parar. Ninguém tem tempo de analisar esta integração. Todos precisam faturar. Todos precisam ser atendidos. Quem acaba pagando a conta? O pobre do paciente, como sempre.
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domingo, 28 de fevereiro de 2010

PRODUÇÃO INDEPENDENTE

Quando pensei que nada mais me surpreenderia, minha teoria desabou. Uma amiga muito querida me convidou para um jantar a dois. Conversa tranquila, leve, descontraída. Depois da sobremesa, enquanto saboreávamos um delicioso café, veio a surpresa: ela queria fazer uma “produção independente” e eu tinha sido escolhido para realizar a tarefa e ser seu parceiro. Confesso que nunca, nem em minhas fantasias mais secretas, imaginei ser protagonista deste tipo de projeto, por outro lado, confesso também que fiquei bastante envaidecido com a proposta.

Este tipo de decisão não é fácil. Fiquei paralisado emocionalmente. Não consegui falar, perguntar, raciocinar. Pedi alguns dias para pensar. E não consegui fazer outra coisa. Por qual motivo teria sido eu o escolhido? Beleza, inteligência, saúde, charme, simpatia, humildade, amizade... Deveria eu perguntar quais eram as razões? Faríamos de maneira intensiva ou seria um projeto a ser concluído sem pressa? Conseguiria eu ser um mero figurante, sem envolvimento algum? A amizade se manteria igual?

A confusão foi aumentando, então tentei sair do plano pessoal e pensar apenas do ponto de vista profissional. Quando uma empresa contrata um consultor para uma tarefa temporária importante, esta pessoa consegue ser absolutamente técnica em seu trabalho? Não vibra com os resultados positivos? Depois de concluído o trabalho, faz um acompanhamento, mesmo que não remunerado, como curiosidade a até mesmo como uma espécie de pós vendas de seu serviço? Um jogador de futebol ao ser transferido de clube consegue simplesmente esquecer ou renegar seu passado?

Tentei então pensar em como as empresas escolhem os consultores. Realizam uma pesquisa de mercado e selecionam aqueles que reúnem as melhores condições ou contratam de acordo com o orçamento disponível? Poderia eu sugerir o nome de alguém que pudesse se adaptar melhor às necessidades de minha amiga? No âmbito profissional as respostas não me deixaram satisfeito, as idéias se embaralharam e optei por voltar a pensar no lado sentimental da vida.

Quantas vezes hesitei e não consegui jogar fora aquelas calças velhas, os tênis usados, as conchas recolhidas na praia, as rolhas de vinhos bebidos? De alguma forma me marcaram e não quis me desfazer das lembranças. Cuido do meu carro, de minha casa, da planta no jardim. Se tivesse um gato ou cachorro cuidaria também. Como iria conseguir fazer uma produção independente sem me envolver? Como não acompanhar seu desenvolvimento? Como não ficar imaginando como será o rostinho do bebê? Como doar um órgão para alguém e não se sentir gratificado, não se tornar meio irmão do receptor?

Se a doação fosse anônima, talvez conseguisse fazer algo absolutamente técnico, mas não se tratava de algo impessoal. A receptora tem nome, endereço, CPF, é minha amiga, fez o convite olhando direto no meu olho e me liberou de qualquer compromisso. Sei que muitos pais colocam filhos no mundo e depois somem. Mães também desaparecem. Alguns física, outros emocionalmente. Isto não me serve de consolo, nem como desculpa. Pelo contrário, aumenta ainda mais a responsabilidade de minha decisão.

Depois de muitas horas de indecisão, ficou clara para mim a impossibilidade de aceitar o convite e não me envolver com o projeto. Se aceitasse, iria me jogar de cabeça e ser pai de verdade. Acontece que aprendi na escola e nunca mais esqueci que a coisa mais importante que um pai pode fazer pelo seu filho é amar a mãe dele. O que não era o meu caso, nem o de minha amiga. É a intenção, e não a doação, que faz o doador. Se fosse para doar, gostaria de dar amor e não sêmen.

Amigos são para todas as horas. Na alegria, na tristeza, na riqueza, na pobreza, na saúde, na doença, no restaurante, no desejo, no sonho, na cama, no abraço, na conversa... A produção independente ainda vai acontecer? Não sei. Serei o doador? Provavelmente não. Continuamos amigos? Mais do que nunca. O filho ainda não fizemos, mas as conversas sobre o tema estão sendo ótimas.
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A mentira mais cruel

Já imaginaram como seriam as relações se os pensamentos fossem abertos e pudessem ser lidos pelos outros? Provavelmente a convivência se tornaria impraticável. Atração, desejo, amor, fantasia ou suas ausências seriam captadas por telepatia instantaneamente. Raiva, desprezo, falta de admiração e ímpetos de terminar um relacionamento não teriam a possibilidade de dissimulação. Quem sabe assim teríamos um mundo mais honesto, mas estamos preparados para isto?

A resposta é um categórico NÃO. Desde que o homem começou a falar, inventou a mentira romântica. Aquela que é dita dentro de um relacionamento amoroso para agradar ou não magoar o outro. Funciona como uma forma de ilusão, ajudando a formar casais, construir famílias e viver em sociedade. Talvez o nome “mentira romântica” não seja o mais adequado, pois mentira não tem nada de romantismo, mas enfim...

A maioria das pessoas não tem sequer a coragem de discutir os problemas do cotidiano, os sentimentos, as mudanças no desejo e em seu objeto, e não quer encarar de frente a situação. Isto leva parceiros a mentir para que o assunto “nós dois” seja adiado indefinidamente. Uma mentirinha aqui, outra ali, uma omissão acolá e todos saem mais ou menos felizes. Ninguém ferido mortalmente. Uma solução fácil, rápida e sem muito sofrimento. Será mesmo?

A mentira romântica se tornou um mal necessário e até mesmo uma rotina em nossas vidas. Funciona como uma espécie de calmante, formando uma nuvem de fumaça colorida, com efeito sedativo imediato e quase sempre de confusão a longo prazo. Assim como o álcool, este tipo de mentira também é tolerado em doses pequenas, pois existe um reconhecimento não formal de que nem sempre nossos sentimentos são compatíveis com o modo tradicional de relacionamento e com as regras que nós mesmos criamos. Assim, a falsa moral releva e até perdoa estas “pequenas mentiras”, que passaram a ser usadas quase que sem pensar em suas conseqüências.

Atire a primeira pedra quem nunca falseou com a verdade para não desagradar ao outro. Talvez algumas raras e virtuosas pessoas jamais escondam seus sentimentos, mas para a maioria dos seres humanos, mentir é simplesmente inevitável.

Acontece que não existem mentiras pequenas ou meias mentiras. Neste território insalubre só existem duas possibilidades: verdade ou mentira. E a mentira tem um preço. Não gostaria de entrar no mérito da quebra de confiança ou nas conseqüências das ditas mentiras criminosas, intencionais, premeditadas, do tipo não roubei, não trai, não fui eu...o foco aqui são as mentiras sentimentais, românticas, utilizadas como amortecedores contra a dura verdade. O preço a pagar é a omissão de uma parte dos sentimentos em troca de falsas declarações. Pensar algo e dizer o contrário.

Muitas vezes quando um parceiro pergunta ao outro se esta gordo(a) ou bonito(a), na verdade gostaria de saber se ainda é amado(a), apesar da imagem corporal que esteja apresentando. Se o companheiro tenta agradar e desonestamente responde que está bonito(a), quando o percebe gordo(a) e desengonçado(a), pode estar criando um problema para ambos. Não seria mais correto afirmar: eu te amo, mesmo com esses quilinhos a mais...?

Ao dizer aquilo que não se pensa estamos praticando uma agressão, mas não contra quem recebe, e sim contra quem a pratica. Será que não dói dizer eu te amo, quando o que existe mesmo é dependência econômica, insegurança e medo da solidão? Ou não dizer, quando o amor é mais do que evidente? A traição é contra os próprios sentimentos, contra a honestidade e contra o eu interior, que se tiver um pouco de integridade e consciência vai ter que escutar a voz contrariada dos sentimentos reclamando das palavras ou atos praticados. O grande problema talvez nem seja a mentira propriamente dita, mas os motivos que nos levam a mentir, pois as mentiras mais cruéis são aquelas que dizemos para nós mesmos, em silêncio.
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