segunda-feira, 30 de junho de 2008

CASAMENTO DESCARTÁVEL


“Eu os declaro marido e mulher até que a morte os separe”.

Religiosos de todas as crenças, espalhados pelo mundo e por toda a história repetiram e repetem esta declaração na celebração de união entre dois amantes. As estatísticas estão ai para mostrar que mais da metade dos casais não cumprem estes votos. Mas nem sempre foi assim, casamentos costumavam durar por toda a vida.

Durante quase toda a história da humanidade, as pessoas morriam antes de completar 30 anos de idade. Assim, casamentos tinham uma duração máxima de quinze anos, ou seja, quase toda uma vida. Quando as pessoas não morriam por doença, as guerras faziam sua parte, deixando viúvas jovens e crianças órfãs.

Além disso, o respeito pela religião e pela opinião alheia era muito grande, poucos ousavam desafiar os Deuses e a sociedade cometendo o pecado de dissolver um casamento. Mesmo com relacionamentos amorosos emocionalmente arruinados, casais permaneciam juntos até o final de um dos cônjuges. “Casaram e foram felizes para sempre”, final glorioso de livros e novelas no passado, começou a não funcionar na vida real.

Os últimos 50 anos transformaram o mundo. A expectativa de vida dobrou. A medicina trouxe tecnologia de vacinas contra o câncer, transplantes de órgãos e células tronco, marcapassos anti-depressão, medicamentos anti-envelhecimento, cirurgias estéticas, diagnósticos precoces. Estudos demonstram a possibilidade futurista de homens de 130 anos de idade, com energia e potencialidades físicas semelhantes as de um adulto contemporâneo de 50. Diferenças de idade superiores a 50 anos não serão problema para futuros casais.

Mudanças no estilo de vida e nas crenças também aconteceram, e a devoção religiosa já não é a mesma. E muito mais está por acontecer. Sem o vértice do pecado e com possibilidades centenárias de vida, homens e mulheres não estão conseguindo mais se manter casados. Monogamia e Perenidade são achados arqueológicos.

A grande dificuldade da evolução é do ponto de vista psicológico. O ser humano não está nem um pouco preparado para a velocidade e magnitude das modificações que aconteceram e das que estão por vir. O conhecimento médico duplica a cada cinco anos, computadores ficam obsoletos em dois anos, vestidos saem de moda em três meses, revelações fotográficas são instantâneas, lentes de contato são descartáveis, relacionamentos duram uma noite.

O cérebro humano não consegue acompanhar a velocidade da evolução tecnológica. Sentimentos, emoções, crenças, preconceitos não andam tão rápido e também não são descartáveis como sapatos, garrafas e vestidos. De um lado perspectivas infinitas de futuro e de outro crenças trazidas de nossos antepassados. De um lado casamento eterno, de outro, relacionamentos descartáveis.. Uma perna no passado, outra no futuro, e a cabeça no presente, sem saber para que lado ir. Confusão total.

Não podemos culpar o amor. Grande parte dos casamentos acontecem por paixão e são desfeitos sem nunca chegar perto do amor. Outros casais embora se amando profundamente, não conseguem conviver e terminam por separar. Separação com amor dói muito, e é o que está lotando consultórios psicológicos, causando depressão e deixando milhões de pessoas culpadas, frustradas e solitárias. Talvez não seja o fim do amor o grande vilão dos divórcios. Talvez a descartabilidade, a sedução das possibilidades e a falta de paciência tenham mais responsabilidade na confusão gerada entre casais do que a falta de amor própriamente dita.

O estilo de vida moderno, retirando do casamento a pesada carga emocional e responsabilidade social de “ser para sempre” e de “ter de ser feliz”, não pode ser considerado um sacrilégio. Milhões de casais tiveram a oportunidade de refazer suas vidas.

Não podemos fechar os olhos para a evolução. Não podemos frear o progresso. Se a mentalidade moderna exige este comportamento, não podemos ignorá-lo. O verdadeiro crescimento consiste em aumentar a bagagem de conhecimentos e experiências com uma base forte para sustentá-las. Se não houver raízes, não podemos crescer. Nem tudo poderá ser descartável.

A sustentabilidade das relações hoje em dia não está mais baseada em crenças e novelas. Também não está presa a leis ou religião. A responsabilidade e as atitudes são agora os determinantes de uma relação estável. A melhor maneira de algo ser duradouro é se renovando dia após dia. O segredo para um casamento eterno é descartá-lo logo após uma maravilhosa noite de amor, para reconquistá-lo na manhã seguinte. Descartar com consciência, conquistar com responsabilidade, amar com paixão. Um dia chegamos lá!
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domingo, 15 de junho de 2008

"Meus heróis morreram de overdose"

Um milhão de anos atrás, o mundo era bem diferente, e por incrivel que pareça, ainda carregamos certos traços e predileções herdadas de nossos antepassados. As emoções permanecem as mesmas desde que o mundo é mundo. Alegria, tristeza, raiva, amor, saudade, ódio foram sendo estudados, segmentados, refinados, mas a verdade é que em maior ou menor intensidade, sempre se fizeram presentes na humanidade.



Os homens das cavernas defendiam-se dos inimigos como podiam. Usavam mãos, pedras e ossos e só os mais aptos sobreviveram. Quando sobrava algum tempo, se acasalavam e procriavam. Alguém tinha que cuidar dos filhos pequenos, pois cobras, aranhas, ursos, lobos e até inimigos de outras tribos podiam atacá-los. O homem primitivo aprendeu que vivendo em grupo, poderia ter benefícios em relação a segurança, alimentação e acasalamento.


Os mais fortes eram destacados para as tarefas perigosas (caça, guerra, luta), enquanto os menos dotados fisicamente cuidavam das crianças, da alimentação, do fogo, da coleta de folhas e frutos. Os guerreiros eram respeitados e tratados como ídolos, ou até mesmo heróis, pois eram os responsáveis pela alimentação e segurança do grupo.


Enquanto os guerreiros lutavam, os que esperavam torciam pelo retôrno e sucesso dos lutadores, pois seu destino dependia deles. O sentimento ou a segurança de ter alguém mais apto, escolhido pelo grupo para defendê-lo dos inimigos invasores é a herança que trouxemos das cavernas.


Assim, escolhemos um time de futebol, que fará a representação de nossos guerreiros, e torcemos para que ele vença os inimigos invasores. Torcemos, aplaudimos, choramos, ficamos excitados e até agoniados mesmo sabendo que aqueles jogadores não são os nossos garotos, a nossa tribo. O que está em jogo não é a nossa sobrevivência. São apenas profissionais do esporte realizando seu trabalho e momentâneamente vestindo a camisa de um clube.


Escolher heróis que vão nos defender faz parte da história da humanidade. Quando crianças nossos pais são heróis e nos fazem dormir contando histórias de outros super-heróis. Mais tarde, escolhemos atletas, politicos, soldados, martires e outros personagens para torcer. Quase sempre torcemos pelo mocinho nos filmes, novelas e na vida. Os mais fracos e os injustiçados também ficam com uma parte dos votos. Torcer está em nossos gens.


O mais intrigante é que quase sempre somos incorporados por um sentimento de igualdade, familiaridade e amor por quem torcemos e desprezo pelos adversários,considerando-os como se fossem inimigos invasores querendo nos tirar algo precioso. Talvez isto seja um mecanismo de proteção para que não nos sintamos culpados por querer a derrota do inimigo.


Com o tempo, vamos descobrindo que nossos pais envelheceram, papai noel não existe, super homem é uma história de ficção, atletas são profissionais do esporte, politicos viraram carreiristas,ou, como dizia o poeta Cazuza, "nossos heróis morreram de overdose, nossos inimigos estão no poder".


O que aconteceu? Não se fazem mais super-heróis? Não estamos fazendo boas escolhas? Os invasores venceram a guerra?


A resposta está em nossas mãos. A genética continuará nos impulsionando a escolher novos representantes e torcer por eles. Ficar apenas torcendo para que nosso time e nossa escola de samba vençam é o mesmo que condenar nossos heróis a morrer antes de nascer. Os invasores percebem a alienação e tomam o poder.


Se quisermos reverter o quadro e vencer a guerra, temos que nos unir aos guerreiros que ainda restam e expulsar os invasores. Mas se quisermos ser heróis de verdade, precisamos não mais considerar os outros como invasores ou inimigos e querer derrotá-los. Heróis são aqueles que nos momentos mais difíceis, quando todos os seus iguais estão perdidos, resignados, alienados e derrotados, conseguem forças para lutar. Lutam por justiça, bem comum, solidariedade, liberdade, esperança...


Heróis de verdade não se regozijam com a vitória e morrem de overdose. Heróis de verdade não tem sede de poder. Heróis de verdade não torcem. Heróis de verdade agem.
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