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domingo, 23 de janeiro de 2022

Não estou só, estou sem

Realizei uma pesquisa com pessoas que perderam familiares durante a pandemia de Covid-19. Com a devida permissão, transcrevo um trecho da entrevista de uma viúva de 55 anos de idade, que num espaço de apenas cinco dias, obteve o diagnóstico, internou e perdeu o marido que tanto amava. Era um profissional autônomo de 60 anos, aparentemente saudável, levemente obeso. Não tinham filhos.

Entrevista realizada três meses após o falecimento. Infelizmente não consigo transcrever as lágrimas que escorreram na tela, mas aconteceram. Não foram poucas. Contagiaram o entrevistador.

- Sente muita solidão depois da perda?

“A questão não é solidão. Tenho amigos, família e até um psicólogo que está me orientando, dando apoio e companhia. Não se trata de estar só, mas de estar sem. Ele não está mais aqui para dividir a vida comigo. Partiu de repente, sem se despedir. Foi triste, esta sendo muito triste.

domingo, 2 de maio de 2021

Não adianta nem tentar me esquecer

 Esta semana perdi mais uma amiga para a Covid. Cuidava-se bastante até que num maldito dia se contaminou. Começou com tosse, febre e em seguida falta de ar. Precisou ser internada na UTI e logo em seguida entubada. A partir daí, o único contato que a família conseguia era uma curta mensagem diária do médico plantonista às 16 horas onde comunicava a evolução do quadro clínico.

Durante trinta e dois dias mensagens técnicas dizendo que a febre havia baixado, os rins não estavam funcionando direito, a oxigenação havia piorado, contraíra uma pneumonia, até o fatídico dia em que comunicaram que não resistiu e partiu para uma outra existência. Morte solitária, cruel, patética, num penoso e frigido leito hospitalar. 

Trinta e cinco dias antes dessa tragédia, conversávamos ao telefone, trocávamos mensagens, fazíamos planos para o término da pandemia. Agora ela não está mais aqui, virou cinzas. E nem conseguimos nos despedir. Não lhe foi permitido dizer adeus. Não me foi concedido um último abraço. Senti como se inesperadamente tivessem  me arrancado um pedaço, um braço, uma perna, uma orelha, uma parte do coração. Não foi só ela quem morreu, uma porção de mim partiu junto com ela.

Não só com pessoas acontecem essas doenças terminais, alguns relacionamentos patológicos também acabam na UTI, permanecem em coma afetivo sem comunicação durante anos, sustentados pela ilusão de uma ressuscitação, até que num bem ou mal aventurado dia se desligam. Com ou sem sofrimento, velório ou missa de sétimo dia. Essas mortes simbólicas podem ser mais difíceis de lidar que a morte real. Na morte real não há dúvida, na simbólica ainda há algo vivo.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Morreu feliz para sempre

 

No instante em que a pessoa recebe o diagnóstico de uma doença terminal, ela começa a morrer. Se você pensa assim, talvez contando a história de Miguel, possa lhe mostrar que é possível acontecer exatamente o contrário, nascer neste momento fatídico e passar a viver o melhor e o pior de si. Não é preciso mais representar um personagem, não há mais tempo e importância para isso. A proximidade da morte abre espaço para um estado de humanidade jamais antes experimentado.

Ao realizar seu check-up de rotina anual, Miguel descobriu um exame alterado. Parecia estar com a saúde perfeita, mas aquele número estampado no papel do laboratório contradizia sua energia e higidez. Os médicos lhe deram seis meses de vida. Não se revoltou, não pensou que o exame estava errado, não achou que estava sendo punido, não se considerou azarado, não se culpou, aceitou a possibilidade iminente de morte, evitou negar os prognósticos médicos e, ao invés de morrer, passou a viver um luto antecipado.

Vou explicar. Foi descrito em 1944 um fenômeno que acontecia com esposas de soldados que iam para a guerra. Saber que talvez eles não voltassem, acionava um sentimento de perda e todas as consequências emocionais decorrentes. Batizaram esta situação de luto antecipatório.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Chore mais


Antes você era um sonho, um amor utópico. Depois, uma realidade maravilhosa. Agora, apenas uma recordação. Uma bela recordação. Doeu ter deixado nossa história no meio. Doeu saber que podíamos e não fizemos. Ainda bem que existe outro dia, outros sonhos, outros risos, outras coisas. Me construí com todo o amor que você não quis mais. Dei tudo o que tinha que dar. Acabou. Me deixa aqui quieto. Com meus pensamentos, minhas ausências, teus silêncios. Estes olhos já não choram mais por ti.

Por que nosso personagem deixou de chorar? Será que já esqueceu a amada? Provavelmente não. Será que as lágrimas secaram porque acabou o sentimento por ela? Acredito que também não seja este o motivo. Será que chorou tanto que já não existem mais lágrimas? Certamente não é o caso. Vou arriscar uma hipótese, mas antes preciso falar um pouco sobre chorar.