sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

PORTAS ABERTAS

Recebi algumas criticas sobre meu ultimo artigo “Ainda estamos juntos”. Falavam que sempre deixo uma mensagem no ar, um espaço para interpretações, e, neste caso especifico, a frase final “quando existe amor, as portas nunca fecham”, seria um recado velado, ou, até mesmo, super direto para alguma pessoa em especial.

Aceito todas as criticas com muito respeito, mas preciso esclarecer que quando escrevo, minha intenção nunca é fechar a questão ou as portas. Quero provocar o leitor a pensar, discordar, ir além do texto. A graça de ser escritor é poder conduzir a imaginação do leitor, e, quanto mais longe eu conseguir levá-lo, melhor.

Se o texto for um recado, uma teoria, uma história, não faz a menor diferença, o objetivo do escritor é criar, na medida de suas possibilidades, meios de comunicação entre as ilhas de seu arquipélago, construindo pontes, fornecendo embarcações, ensinando a nadar.

Aproveitando o assunto “portas”, gostaria de contar a história de duas namoradas do passado. Faz tanto tempo, que talvez esqueça alguns detalhes propositadamente.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Ainda estamos juntos

Sonhei com meu pai. Estava com uma aparência saudável, avental de médico e muito animado. Chamou-me para ver o consultório que montara em seu novo plano existencial. Se quiserem, também podem chamar de céu. Era um consultório nos mesmos moldes que mantinha aqui na terra: papel de parede diferenciado, grande sala de espera, aquário com peixinhos, poltronas confortáveis, diplomas e quadros nas paredes.

Disse-me que demorou quase um ano para se ajeitar por lá, mas que agora já estava em condições de atender seus clientes. Parecia feliz em mostrar sua adaptação.

Despertei e não me preocupei em interpretar nada. Signifiquei apenas que a partida dele foi tranqüila, que estava bem por lá, que mantinha conexão comigo. Passei a manhã inteira animado e com uma sensação de leveza, missão cumprida e proteção espiritual. Bateu uma saudade forte também.

Acontece que sendo filósofo, não pude me furtar de pensar que onde quer que meu pai esteja, seu consultório não terá poltronas, mesas, estetoscópios, quadros. Até onde eu saiba, lá em cima não existe corpo, não há matéria. No sonho, desloquei-me até lá, mas fui com a visão de mundo terrena, com aquilo que conheço, com as idéias que me povoam. 

Não entrei verdadeiramente em sua morada atual, não sei como funcionam as coisas por lá. Para mim é algo muito vago, confuso, misterioso, e até certo ponto, impenetrável para quem ainda reside num corpo. Meu subconsciente fez de conta que fui até lá, mas certamente o consultório dele é bem diferente do que sonhei, o que não diminuiu, de forma alguma, o prazer de sonhar com meu pai. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Pais são invisíveis

Seria o primeiro dia dos pais em que ele não estaria conosco. Falecera em setembro passado e  sua ausência física ainda era bastante presente. Estava desconfortável com a aproximação da data, pois sabia que recordações e lágrimas fariam parte deste “dia festivo”, e não me sentia animado para comemorar nada, sequer um simples almoço em família.

Preciso voltar um pouco no tempo. Logo após ele ter nos deixado, escrevi um artigo dizendo que pais não morrem, ficam invisíveis. Passado quase um ano, refleti melhor e hoje, penso que pais, mesmo vivos, são invisíveis na maioria do tempo. Filhos se comportam (ou descomportam) pela vida afora, seguindo experiências e exemplos observados presencialmente com seus pais. No entanto, mesmo longe da prole, o que se constitui quase a totalidade do tempo,  pais ainda continuam introjetados nos filhos, que anseiam a aprovação de suas condutas por parte de seus progenitores.

É como se os pais estivessem invisíveis observando-os a todo momento. O menino gazeia aula na escola, mas tem receio que o pai descubra; a garota volta tarde da balada e entra em casa na ponta dos pés para não ser percebida; o jovem fuma um baseado e depois escova os dentes para não ser descoberto; o casal separa e tem receio de contar para os pais. Não querem desapontá-los. Enfim, pais estão invisíveis no imaginário, no consciente, no superego, na transgressão, na culpa, na alegria e na tristeza dos filhos. 

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Bem vindo ao mundo frenético

Depois de uma temporada peregrinando e refletindo sobre a vida no Caminho de Santiago, volto em paz para casa. Largo a mochila e as botas – companheiras inseparáveis de viagem, quase fazendo parte do meu corpo – num canto da lavanderia e sinto um forte aperto no peito, como se estivesse me desmembrando. 


Foram dias memoráveis juntos, fizeram o caminho sobre minhas costas e sob meus pés. São parte importante desta jornada. Impossível pensar na caminhada, sem lembrar de quanto me auxiliaram, quanto foram importantes, quanto estivemos colados. Deixá-las ali, naquele chão frio, não significava um alivio no peso que carregava ou o final do caminho, mas o inicio do retorno ao cotidiano, a agitação da cidade grande e a volta aos problemas mundanos.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Causa ou acaso?



Eventos aparentemente aleatórios e inconseqüentes podem ser causa de grandes alterações. O simples bater de asas de uma borboleta na Amazônia, pode causar um tufão no Texas. Assim, uma xícara de café tomada pela manhã, pode alterar a vida de uma pessoa. Se o tempo que o indivíduo demorar preparando o café, fizer com que ele atrase dez minutos seu horário habitual e cruze com a mulher de sua vida na estação de metrô, ou não seja atropelado por um carro que atravessou o sinal vermelho, estamos frente a uma relação de casualidade.

Em sua “Teoria do Conhecimento”, David Hume, filósofo escocês, explica que as causas, aparentemente, acontecem antes dos efeitos. Causa e efeitos estariam conectados uns aos outros por uma relação de contigüidade. Numa série causal, há uma cadeia de causas e efeitos, onde um efeito pode ser causa de outro, e sempre uma causa terá uma outra que a antecede, constituindo com isso uma série causal infinita.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Sábado


Tenho praticado nas últimas semanas uma experiência sensorial e, por que não dizer, espiritual. Comecei desligando o telefone celular por vinte e quatro horas, pois já estava praticamente viciado no aparelho. Logo ao acordar, antes mesmo de sair da cama, verificava as mensagens recebidas por e-mail e facebook durante a noite. No caminho para o trabalho,  enquanto o carro ficava parado no trânsito, conversava via whatsapp.  Por vezes, até mesmo em movimento,  dirigia e conversava ao celular. Algumas multas e muitos pontos na carteira. Puxar o telefone do bolso em meio a um jantar  ou festa para registrar o momento e postar na Internet já havia se transformado em rotina. O vicio de não conseguir se desligar do celular  é  conhecido como nomofobia, derivado do termo inglês “no mobile phobia”.


No inicio foi angustiante ficar vinte e quatro horas fora do ar. Ficava aflito se estaria deixando de atender alguma ligação importante, uma mensagem urgente ou ficando por fora de assuntos fundamentais. Então, ao invés de desligar o aparelho, colocava-o no modo silencioso e, de vez em quando,  conferia as mensagens recebidas. A ansiedade gerada havia se tornado pior que o suposto benefício de um celular desligado. Sinal claro de abstinência.

O tempo foi passando e, depois de algum tempo me enganando, fazendo de conta que me desligava, resolvi me libertar de vez. Apertei o botão off e guardei o celular em uma gaveta. Para minha surpresa, descobri que ficar com o celular desligado por 24 horas no final de semana, não estava acabando comigo, sequer me deixando alienado. Quem precisasse realmente me encontrar, saberia como fazê-lo, e, se desgraçadamente o mundo estivesse desabando, de alguma forma também seria afetado. Então relaxei e passei a gozar os benefícios de me afastar do mundo e ficar comigo.

Depois de desligar celular, facebook, email e google, foi a vez da televisão, rádio, vídeo game e dvd.  Também não foi fácil. Como ficar sem saber que houve um atentado, um assalto, uma avalanche, um acidente, um estupro, uma execução em massa, uma fraude, uma desgraça qualquer? Não estava acostumado a ficar desconectado do mundo agitado e frenético. Dependia de respostas imediatas, estava viciado em adrenalina e noticias ruins.

Logo tratei de arranjar algo para fazer. Colocar em dia trabalhos profissionais atrasados, escrever artigos, arrumar a casa, trocar lâmpadas queimadas, consertar pneu furado do carro. Tudo para preencher o tempo e fazer com que as 24 horas terminassem o mais rápido possível. Mais uma vez, havia caído na armadilha da promessa de uma qualidade de vida que não se realizava. Qual a graça de propor me desligar do mundo por um dia na semana e ficar contando as horas e arranjando tarefas para o tempo passar, esperando ansiosamente o dia terminar para voltar a  ficar conectado?  Algo não estava funcionando.

O próximo passo foi suspender todo e qualquer trabalho. Tornar aquele dia diferente dos demais. Sem compromissos, sem chamadas desagradáveis, sem relógio. De preferência sem incomodação. Um dia de descanso, de contemplação,  de reflexão. Um dia para mim. Um dia para ficar comigo. Trabalharia seis dias por semana, mas no sétimo, descansaria. Seria o meu prêmio.

Nitidamente este dia foi se tornando diferente dos demais, cada semana mais prazeroso, quase um dia perfeito. Comprava, guardava e reservava o melhor vinho, a melhor comida, a melhor sobremesa para desfrutar naquele dia, que seria minha ilha no tempo. As refeições seriam banquetes, o relógio pararia, a família se reuniria. Pouco a pouco, este dia foi se refinando e se tornando cada vez melhor. Escolhia uma roupa bonita para vestir, um livro bom para ler, um convidado especial para compartilhar toda esta comemoração.

 
Descobri no maremoto que agitava minha vida, uma ilha segura. Ao cuidar deste dia, indiretamente, estava cuidando de mim. Deixei de ser náufrago e me tornei conquistador. Em um único dia, construo uma fortaleza onde consigo aquietar a alma, recuperar a energia física e espiritual, escutar e observar tudo aquilo que durante a semana não consigo perceber. Escuto e observo a mim, aos outros, o universo. Converso comigo, com outros, com Deus. Fico em paz.
 
E sabe o que mais? Assim que termina este dia, já começo a pensar, imaginar, planejar e contar as horas para que o próximo chegue logo. Shabat Shalom – Sábado de Paz.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Apesar e Por causa de


Apesar de tudo que aconteceu. Dos defeitos, dos erros, do medo, das incoerências, contradições, incertezas. Apesar de você, apesar de mim, apesar dos outros, apesar de todos, ainda assim, te amo.

É possível amar apesar de tantas impossibilidades ou o amor precisa ser politicamente correto? E se o afeto verdadeiro for algo mais alternativo, não tão equilibrado, que envolva um certo choque e rompa a etiqueta? Que sentimento é este, difícil de definir, de aplicação muito ampla e quase sempre utilizado de maneira ambígua e leviana?

Algumas pessoas se curam por amor, outras adoecem. Alguns decidem morrer por amor, outros matam.  Alguns fazem mágica com o amor, mostrando um pouco dele para logo depois o fazer desaparecer. Como conseguem realizar isso? Alguns jamais  conhecerão o amor, outros se confundirão e raríssimos o desfrutarão por toda a vida.