Diz a sabedoria popular que de
médico e de louco todo mundo tem um pouco. De onde surgiu essa ideia? Não gosto
muito de generalizações, mas, no meu caso particular, consegui o diploma de médico
bem cedo na vida. Aos vinte e três anos já o tinha segurado nas mãos, levado
para emoldurar e, poucos dias depois, estava lá, devidamente afixado em lugar
nobre na parede do consultório. O título de louco foi muito mais difícil de
conquistar. Exigiu um tempo bem maior para me aprimorar e, por enquanto, não
está em exposição.
Confesso que durante a faculdade,
cheguei a pensar em ser psiquiatra, mas todos os que eu conhecia eram, digamos
assim, “um tanto” estranhos, e não queria, de forma alguma, ficar parecido com
eles. Na época, fugia de qualquer coisa que se assemelhasse à loucura. A
brincadeira era fazer do velho ditado um trocadilho, e dizer que os psiquiatras
tinham “um pouco” de médico e “muito” de louco. Generalizações, como é sabido,
conduzem a equivocidades.
Durante décadas, me considerei
muito médico e pouco ou nada louco, mas a busca (ou quem sabe o caminho) da insanidade
sempre esteve latente. Eventualmente apareciam sinais de maluquice, mas ainda
muito incipientes. Aprendi a dançar flamenco, me inscrevi para trabalhar no
circo de Soleil, ingressei na faculdade de filosofia. Nessa última, descobri que o certificado de loucura era fornecido
apenas para aqueles que estão privados do uso da razão ou do bom senso, e, até
onde eu soubesse, filósofos primavam pela busca do saber, do conhecimento e da
razão. Sentia-me seguro naquele ambiente racionalista. Mal sabia onde estava
pisando.