Em plena pandemia, você retido
contra vontade em casa há mais de cem dias, resolve passar o tempo arrumando os armários de seu quarto. Bem lá
no fundo da última gaveta, encontra uma velha lâmpada metálica, guardada desde
os tempos da infância, que nem lembrava mais que existia. Como na história de
Aladim, esfrega um pano para limpar a poeira e surpresa: surge o gênio da
lâmpada.
Desta vez não lhe pede para fazer
três pedidos, oferece de imediato aquilo que talvez você e toda a torcida do
Flamengo estejam suplicando há meses: a cura da pandemia e o retorno da
liberdade de ir e vir. Só que este é um gênio do século 21, não tão bondoso, e
vai lhe cobrar algo em troca. Mas fique tranquilo, você pode escolher o que vai
ceder na permuta, ele lhe ofereceu várias opções.
- Você sai da quarentena imediatamente,
mas estará envelhecido 10 anos.
- Você sai da quarentena agora
mesmo, porém 20 quilos mais gordo.
- Você paga um milhão de dólares
e está livre da quarentena.
- Você não terá mais seus amigos,
sua família, seu trabalho, sequer seu idioma. Será um imigrante alienígena no
momento que sair da quarentena.
- Se você é um crente religioso,
deixará de ser. Se não acredita em Deus, passará a ser um religioso fanático.
- Você perderá a capacidade de sonhar,
apaixonar e amar no momento que sair da quarentena.
Pronto, pode escolher uma
alternativa. Só uma e instantaneamente estará livre. Existe também a opção de
não dar ouvidos ao gênio e permanecer na quarentena aguardando a descoberta da
vacina. Precisa de um tempo pra pensar? Não
demore muito, agora que o gênio está livre, não ficará lhe esperando
eternamente, ele quer aproveitar a liberdade repentina.
Será que o gênio é tão genial
assim? Se fosse tão poderoso, não estaria preso dentro de uma lâmpada. O preço
que o gênio paga por seus poderes mágicos é a perda da liberdade. Ele sabe bem
o que é viver séculos trancafiado dentro de uma lâmpada esperando que alguma
alma ingênua e distraída a esfregue para libertá-lo. E por saber o extraordinário
valor da liberdade, ele geralmente agradece seu salvador concedendo-lhe três
pedidos como pagamento.
A semelhança do gênio, estamos
trancados dentro de nossas casas esperando que alguma mente pesquisadora
brilhante descubra a tal vacina e nos liberte da quarentena. Estamos preparados
para sair? O que vamos oferecer como pagamento ao nosso salvador? Talvez este
tempo de cativeiro seja útil para revermos a preciosa liberdade que possuíamos.
Liberdade não significa ir e vir
sem responsabilidade. Liberdade é um estado interior, inclui se prender, se
agarrar, possuir uma dependência livre e voluntária em alguém ou algo.
Carpinejar escreve que liberdade é ter alguém em quem se prender. No momento em que sentimos segurança na
família, amigos, religião, trabalho, amores, valores, seja lá o que for,
podemos alçar voos bem mais altos. Se você vestir um paraquedas, pode se jogar
de um avião nas alturas com toda segurança. Se amar e for amado, pode desmedidamente
se entregar; se tomar vacina pode sair sem medo pra rua.
Liberdade não é um luxo dos bem
aventurados nos tempos de bonança, os melhores textos sobre liberdade foram
escritos no isolamento do cárcere. Escravos, presidiários, o gênio da lâmpada e
agora nós mesmos, estamos provando o amargo sabor da liberdade perdida. O que
poderíamos oferecer ao planeta como recompensa quando formos soltos vivos e com
toda segurança? Pense nisso enquanto as
portas não abrem.