segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Todo o mundo tem um pouco



Diz a sabedoria popular que de médico e de louco todo mundo tem um pouco. De onde surgiu essa ideia? Não gosto muito de generalizações, mas, no meu caso particular, consegui o diploma de médico bem cedo na vida. Aos vinte e três anos já o tinha segurado nas mãos, levado para emoldurar e, poucos dias depois, estava lá, devidamente afixado em lugar nobre na parede do consultório. O título de louco foi muito mais difícil de conquistar. Exigiu um tempo bem maior para me aprimorar e, por enquanto, não está em exposição.

Confesso que durante a faculdade, cheguei a pensar em ser psiquiatra, mas todos os que eu conhecia eram, digamos assim, “um tanto” estranhos, e não queria, de forma alguma, ficar parecido com eles. Na época, fugia de qualquer coisa que se assemelhasse à loucura. A brincadeira era fazer do velho ditado um trocadilho, e dizer que os psiquiatras tinham “um pouco” de médico e “muito” de louco. Generalizações, como é sabido, conduzem a equivocidades.

Durante décadas, me considerei muito médico e pouco ou nada louco, mas a busca (ou quem sabe o caminho) da insanidade sempre esteve latente. Eventualmente apareciam sinais de maluquice, mas ainda muito incipientes. Aprendi a dançar flamenco, me inscrevi para trabalhar no circo de Soleil, ingressei na faculdade de filosofia. Nessa última, descobri  que o certificado de loucura era fornecido apenas para aqueles que estão privados do uso da razão ou do bom senso, e, até onde eu soubesse, filósofos primavam pela busca do saber, do conhecimento e da razão. Sentia-me seguro naquele ambiente racionalista. Mal sabia onde estava pisando.