Quando me convidaram pela
primeira vez para trilhar os 800 kilometros do Caminho Francês de Santiago de
Compostela fiquei assustado. Tinha receio de não ter preparo físico suficiente,
do surgimento de bolhas nos pés, de dormir em albergues mal cuidados, dividir
quarto com outras pessoas, compartilhar banheiro e mais um montão de outros
estorvos. Era um medo generalizado que me bloqueava e fez com que adiasse a
viagem por alguns anos.
Até que um belo dia o
Caminho me chamou. Não sei explicar direito como aconteceu, mas de repente surgiu
a vontade. Senti que havia chegado a hora. Comprei passagem, mochila, botas,
cajado e comecei os treinos para a caminhada.
Alguns dos medos realmente
se concretizaram. Para uns estava preparado, para outros não. Cansaço, bolhas,
intoxicação alimentar, adormecer ao relento em sacos de dormir, perder a
direção. Não tem jeito, isso faz parte do jogo. Sem isso a caminhada não tem
graça. E foi uma das melhores e mais gratificantes experiências de minha vida.
Por muitos anos também resisti
à proposta de ser avô, mesmo sabendo que poderia ser uma experiência tão ou
mais gratificante que o Caminho. A palavra avô lembrava a imagem de cabelos
brancos, óculos pendurados no nariz, toalhas de crochê, cadeira de balanço, envelhecimento.
Só de pensar sentia calafrios, não queria ficar velho.
Minha primeira sensação de
envelhecimento foi quando percebi surgirem os primeiros pêlos axilares em meu
filho. Em seguida o escutei dizendo para a namorada, atual esposa, que a amava.
Como um pirralho daqueles se atrevia a amar alguém que não fosse o pai e a mãe
dele? Não tinha idade para isso, pensava eu.
Certa vez o chamei para
uma conversa e solenemente comuniquei que ainda não estava preparado para ser
avô. Quando isso estivesse prestes a acontecer, que a noticia me fosse
comunicada com muita prudência, pois não sabia qual seria minha reação.
Como bom filho, seguiu à
risca minhas instruções. Tempos atrás fui comunicado que haviam decidido
interromper o uso de pílulas anticoncepcionais. Alguns meses depois, com todo o
cuidado, transbordando de felicidade, me convocou a ser avô.
Assim como aconteceu com o
chamado do Caminho, sinto que agora estou sendo chamado de novo. Chamado para
ser avô. Não vejo a hora de escutar meu futuro neto me chamando de vovô. A
gente nunca está preparado o suficiente para nascer, casar, ser pai, fazer o
Caminho de Santiago ou o Caminho da Vida, por que haveria de ser diferente para
ser avô?
Não lembro mais as canções
de ninar, provavelmente na hora de dormir, cante para ele uma música dos
Rolling Stones ou do Queen. Já estou ensaiando Satisfaction e We are the
Champions. Também não penso em contar histórias do Chapeuzinho Vermelho ou
Branca de Neve. Quero contar algumas histórias pessoais tão encantadoras
quanto. Mais divertidas e menos preconceituosas.
Tampouco penso em oferecer
balas, bombons, sorvetes, doces e todas aquelas delicias que sempre havia na
casa dos avós e que nos eram oferecidas para que engordássemos, crescêssemos e
ficássemos bem fortes.
Não sei o quanto os pais
vão me deixar participar da felicidade e fortuna de criar um filho, mas penso
em mimá-lo muito. Vou lhe mimar com salada de frutas, iogurte, água mineral,
colo, abraços, beijos, conversas, caminhadas, corridas, parques, teatros,
circos, mágicas e muito amor. De vez em quando um chocolate e uma coca- cola. Quero
contribuir para que a jornada dele seja lúdica, amorosa, ética e saudável,
apesar das pedras e bolhas que o caminho possa vir a lhe oferecer.
Antes não suportava a
idéia de ser avô e envelhecer, agora conto os dias para que meu neto comece a
me remoçar. Preciso dele tanto quanto ele do avô. Que venha em boa hora.