quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

JUST DO IT

 

18 de janeiro de 2020, sábado, 20 horas.

O casal Silvia (47) e Marcos (52) se prepara para ir ao cinema e depois comer uma pizza num restaurante recém-inaugurado. Os filhos André (25) e Laura (21) estão passando o final de semana com amigos na praia. O filme foi ótimo, o jantar maravilhoso, degustaram um ótimo vinho, estão felizes, alegres, apaixonados, deitam na cama e fazem amor sem preocupação com a hora de acordar no outro dia.

12 de dezembro de 2020, sábado, 20 horas, nove meses de pandemia.

Devido ao isolamento social imposto pelo coronavirus, casal e filhos se obrigaram a ficar em casa. Juntos assistem filmes, jogam cartas, montam quebra-cabeças, cozinham, lavam louça, conversam. Tempo é o que não falta para se divertirem na convivência familiar. Olhando assim de longe, podemos ter a impressão de que apesar de todos os problemas trazidos pelo isolamento social, nem tudo é ruim, há uma luz compensatória no fim do túnel. Pais e filhos podem ficar mais tempo juntos, conviver e estreitar seus laços de afetividade.

Só que não. Silvia e Marcos não tem relação sexual há quatro meses e vinte e um dias. Os motivos podem ser os mais variados, mas o que importa aqui é o fato de que agora, apesar de estarem muito mais tempo juntos, deixaram de fazer sexo e pior, nem conversam sobre o assunto. Simplesmente ignoraram, foram deixando esfriar, fazendo de conta que estava tudo bem. Deitam-se na cama, cada um vira para seu lado, desejam boa noite, apagam a luz e dormem (ou fingem que dormem). Nenhum dos dois se queixa, parece que estão conformados com a castidade, cansados de tudo, sobrevivendo, esperando a vacina chegar.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Somos instantes

 

Aconteceu num instante, foi sem querer, não havia planejamento ou expectativa alguma. Ele a convidou para passarem juntos a noite em sua casa e ela aceitou. Só por hoje, respondeu timidamente. Nem havia clareado o dia, ela saiu para o trabalho, mal tiveram tempo de se despedir. Foi tão maravilhosa a companhia que ele a convidou novamente no sábado. Só por hoje foi como confirmou sua vinda. Muitas outras vindas aconteceram, mas a senha era sempre a mesma: só por hoje (SPH), jamais perguntava ou confirmava nada sobre o amanhã. Não necessitava dele para nada, mas era parceira para tudo. Era livre e assim o deixava.

Numa destas noites frias do inverno gaúcho, enquanto se aqueciam em abraços, sussurrou em seu ouvido esquerdo que estava apaixonada. Com voz rouca e melosa frisou que “estava” apaixonada, não que “era” apaixonada. Especialmente naquela noite estava se sentindo muito apaixonada. Muitas outras declarações, agora mútuas, aconteceram seguidas da já bem conhecida senha “só por hoje”. Assim, despretensiosamente, nem perceberam que o só por hoje já dura mais de quinze anos.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

As bolsas e a vida


Suponha que algum laboratório multinacional oferecesse uma pílula revolucionária que lhe daria trinta anos de vida extra, excelentes condições de saúde e nenhum efeito colateral. Você aceitaria imediatamente ou precisaria de algum tempo para refletir sobre este bônus de eternidade? Por que escolheram justamente você para ganhar este presente?  Seus familiares também teriam este direito? Exigiriam algo em troca? O que você faria com estes trinta anos adicionais?

Já que estamos em plena pandemia, temendo a contaminação, a doença e a morte, quem sabe seja o momento adequado para algumas considerações sobre a vida e seu término, afinal, a ameaça de morte pode ser uma boa conselheira, mostrando o contraste com a vida e o que realmente importa para cada um de nós. Quem sabe o medo da morte prove, por fim, ser até  pior que a própria morte. Morrer não é difícil, viver é que é difícil, e tudo o que sabemos até hoje sobre a morte é o que percebemos nos outros, já que não pode ser experimentado em nós mesmos.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Esperando o Covid partir


Estou escrevendo estas linhas preso no isolamento profilático/terapêutico do Coronavirus. Não está sendo fácil ficar trancado entre quatro paredes, sem contato físico social e, pior de tudo, sem saber o que vai acontecer comigo nos próximos dias. Acho que já passei por todas as fases psicológicas deste adoecer recluso. Tomara que sim, pois já estou quase chegando no meu limite de autocontrole. Vou tentar contar minha experiência, assim me sinto útil e, ao mesmo tempo,  exercito um pouco meu cérebro já cansado desta novela estressante  e malquista.

A primeira fase foi a de auto diagnóstico, mas também poderia ser chamada de hipocondríaca.  Comecei a sentir uma tosse. Leve, seca, e nem muito frequente. Logo imaginei que poderia ter me contaminado e fui investigar outros sintomas. Cheirava tudo à minha volta para ver se ainda possuía olfato. Desconfiei que não estava mais sentindo o mesmo gosto pela comida. Suspeitei que estivesse com falta de ar durante a noite. Também comecei a antever que logo iniciaria a febre, acompanhada de dores pelo corpo. Termômetro ao lado da cama, conferia a temperatura de hora em hora.  De concreto mesmo, só uma tosse seca muito insignificante, o que me levou para a segunda fase: negação.

Aquilo não poderia ser uma contaminação, afinal estava me cuidando, tomava todas as precauções, não podia estar acontecendo comigo. Deveria ser um simples resfriado ou garganta seca devida ao calor ou ar condicionado. Ignorei o sintoma e segui com a vida como se nada estivesse acontecendo, evitando pensar na tosse. No entanto, passei para a terceira etapa, a dúvida.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Dê ao homem uma máscara e ele lhe dirá a verdade

Já percebeu que as fotos antigas, aquelas da época de seus bisavôs para trás, tinham algo em comum? Ninguém sorria. Nem mesmo reis, rainhas, imperadores, crianças, damas da sociedade. Até mesmo quando a família estava reunida em uma festa, os rostos não mostravam sinal algum de alegria. Será que a sociedade passava por tantos percalços que ninguém tinha vontade de sorrir? Claro que não.

Alguns sustentam que a sobriedade das pessoas era devida à falta de dentes, o que as envergonhava e obrigava a fechar a boca na hora das fotos. Ora, se quase todos eram banguelas, não precisariam se preocupar com a feiura da boca, já que se constituía em normalidade e ninguém iria depreciar esta condição ou se tornar menos atraente pela falta ou podridão de alguns dentes. Além disso, crianças pequenas ainda não sofriam deste mal e mesmo assim não sorriam.

Outra teoria, bem mais aceita, é a de que as câmeras antigas precisavam de um tempo de exposição extremamente longo para capturar uma foto e as pessoas precisavam ficar paradas, respirando lentamente e sem movimentos durante o procedimento. Sorrir, em geral, é algo inato, porém sorrir em frente a uma câmera não é algo instintivo, e forçar um sorriso mantendo-o aberto por um tempo que poderia variar entre cinco e trinta minutos era muito desconfortável, senão impossível. Fazer um rosto de sobriedade era bem mais fácil que manter um sorriso falso.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

FECHADO PRA BALANÇO

 

Fechei para balanço. O que isso quer dizer? Ainda não sei direito, por isso fechei. No ramo comercial significa que a empresa está avaliando as atividades realizadas e fazendo um levantamento de tudo o que é necessário para continuar funcionando. As portas permanecem fechadas, mas lá dentro o trabalho continua. Conferência de estoque, diferenças, furos, sobras.

Normalmente fazem isso nos últimos dias de dezembro, ou então, na primeira semana de janeiro. Durante o ano a correria é tanta que não há como parar e examinar com uma visão de médio e longo prazo como andam as coisas. É tudo pra ontem. Aproveitei a parada obrigatória da quarentena e também fechei as portas, só que meu balanço é pessoal, sentimental.

Talvez este texto esteja um pouco anárquico, mas isto é uma característica inerente ao balanço. Posso garantir que foram várias tentativas de colocar em palavras aquilo que empresas demonstram em números e gráficos. Se expressar sentimentos em palavras já é algo para poucos, fazer um balanço de sentimentos é quase impossível. Em todo caso, enquanto liquido lembranças ruins, expurgo lixos sentimentais, melhor permanecer fechado para evitar mágoas desnecessárias.

Alguns anos atrás peregrinei pelo Caminho de Santiago de Compostela – 350 quilômetros caminhando.  Ao contrário do fechamento de agora, estava aberto para o mundo. Queria conhecer novos lugares, novas pessoas, novas experiências. No inicio tudo era diferente, deslumbrante, novidade. Batia fotos, registrava um diário, enviava relatórios para família. Aos poucos, fui realmente entrando no caminho (ou o caminho foi entrando em mim) e a jornada se tornou cada vez mais interior. Caminhava com o corpo, andava com a alma. Pararam as fotos, começaram os significados. Demorou um pouco para o processo iniciar, era preciso me desligar do trabalho, celular, noticiário, família, pra sobrar tempo e conseguir entrar em mim.

Com a quarentena o inicio foi parecido. Um mundo de novidades na tela do computador. Apesar de a pandemia estar dizimando milhares de pessoas, havia filmes, livros, shows, palestras, para aproveitar enquanto estivesse confinado entre quatro paredes. Desta vez nem precisava caminhar, alojar em albergues, passar fome ou ter bolhas nos pés. Bastava sentar no sofá, pegar um bom lanche, ligar o ar condicionado, assistir uma comédia engraçada e fugir da triste realidade que arrasava o planeta. Dormir até tarde também serviu como uma boa rota de alienação.

Quando um animal é preso numa jaula, não fica bem, não está em seu habitat natural. Embora nós, humanos, tenhamos evoluído e saído da selva, a selva não saiu de nós, o instinto animal permaneceu adormecido. Fomos aprisionados no conforto do lar e por melhor que seja nossa jaula, ainda assim é uma clausura. Com o passar dos dias, o sofá macio de couro foi se transformando em um catre desconfortável com função de divã.  Comecei a conversar comigo e escutar a voz que gritava dentro de mim, mas o barulho da televisão não deixava escutar. Percebi que os aplicativos estavam me cegando, ensurdecendo e alienando. As iguarias e guloseimas deliciosas alimentavam o corpo, mas envenenavam a alma. Desliguei os aparelhos eletrônicos, tranquei a porta, cerrei os olhos, fechei pra balanço.

Algumas pessoas me perguntam o que estou produzindo durante a quarentena. Escrevendo um novo livro, fazendo uma pós-graduação, estudando para um concurso, aprendendo a cozinhar, preparando palestras, shows de mágica? Nada disso. Não estou fazendo nada palpável, visível ou rentável, mas isso não quer dizer que estou totalmente parado.  Parar não significa morrer. Aquilo que nos mata é não saber viver parados, e muitas vezes, parar e a melhor maneira de lá chegar. Aproveito o longo tempo não produtivo no sofá para não fazer, mas para sentir.

Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, fazer é conjugado para fora. Estou num retiro interior, escutando meu silêncio e fazendo a contabilidade dos acertos e desencontros emocionais. Sentir, embora às vezes possa machucar, serve como bussola para saber onde estou e para onde quero ir. Sentir já é razão mais que suficiente para parar. Senti de tudo um pouco. Indiferença, desrespeito, descaso, desamor, falsidade, desprezo, medo, abandono, ironia, carência, vergonha alheia, raiva. Não queria ter sentido, mas aconteceu. Quem mandou desligar a televisão e parar pra fazer um balanço? Senti também carinho, consideração, amizade, amor, simpatia, admiração, apego, fraternidade, compaixão, doação, acolhimento, coragem, saudade e principalmente falta. Não falta de ar, falta daqueles que se foram e falta daqueles que disseram que vinham e nem vieram.

Espero conseguir fazer um balanço legal disso tudo. Não tenho grandes expectativas, já que o surgimento ou desaparecimento destes sentimentos não depende só de mim. Estou fazendo a minha parte, que por enquanto é fechar pra balanço. Não está fácil lidar com tudo isso. Sinto-me confuso, inseguro, não tenho ideia do que fazer para que saiamos dessa pandemia com um planeta mais sensível e justo. Se a solução dos problemas fosse caminhar 1000 quilômetros, já estaria na estrada.  Quando vai terminar o balanço? Não sei, mas abrir as minhas portas não vai ter nada a ver com o desenvolvimento de uma vacina efetiva, descoberta da cura ou eliminação do vírus. O furo é mais embaixo.

Tenho uma orquídea em minha casa que passa o ano inteiro fechada. Uma vez por ano, geralmente na primavera, abre uma linda flor, que ficou doze meses se preparando pra embelezar a sala. Talvez este ano não abra. Será assim também comigo, quando for a hora, o balanço termina e as portas abrem. Já se passaram seis longos e sentidos meses.   

 

  

 

 

 





 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O domador, o mágico e o palhaço em mim

 

O que fazer para aguentar o isolamento social desta pandemia? Para mim, escrever é uma maneira de conviver em paz com a solidão e o isolamento. Posso estar trancado dentro de um quarto por horas a fio, posso não ver ninguém por vários dias, mas se estiver escrevendo não estou só, sequer no quarto estou. Mais que isso, quando escrevo, escapo temporariamente deste mundo de competição, pandemia, corrupção, preconceito, desigualdade e outras coisas que me fazem mal e entro no meu mundo encantado, onde crio cenários, personagens e histórias que me dão energia pra aguentar e enfrentar a dureza da vida.

Para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “A Arte torna a vida suportável”, ou seja, através destas escapadelas esporádicas da realidade o ser humano consegue a estabilidade necessária para suportar as adversidades cotidianas. A meu modo, procuro ficar o máximo de tempo no mundo cativante da poesia, musica, dança, cinema, teatro, pintura, mágica. Poderia escolher outro caminho e me apartar da realidade com drogas, álcool, depressão, mas não é a minha praia. Meu bálsamo para a vida é a arte.

Antigamente, arte boa era aquela que imitava fielmente a realidade. Paisagens, fotos, figuras religiosas. Com o modernismo começam a aparecer figuras sem formas definidas e cenas sem lógica, rejeitando completamente o academicismo. Vanguardistas de plantão aproveitaram esta onda de revolução estética para transmitir ideias políticas e éticas de maneira subliminar.  Como muitos não se deram conta disso, artistas precisaram ser ainda mais ousados e diretos. Para os menos atentos, a arte passou a ser uma espécie de loucura tolerável, onde malucos poderiam se expressar sem maiores consequências.

Só que não. A arte nunca é uma experiência banal para quem a realiza. A loucura da arte sempre foi muito petulante e perigosa, veladamente ela traz consigo a capacidade de provocar uma rachadura na visão arcaica das pessoas, alterando a sensibilidade e a percepção das coisas, revelando outros jeitos de encarar a vida e o mundo. A arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade – Pablo Picasso.

Meu pai era aficionado por circo e cinema. Jamais perdia uma estreia de filme ou um domingo com a família, comendo pipoca e algodão doce no camarote do circo. Acabou fazendo amizade com a comunidade circense. Quando vinham fazer temporadas de shows em Porto Alegre, já sabiam que haveria um amigo de confiança que lhes acolheria, um médico que os atenderia e uma família de espectadores para quase todas as sessões. Certa ocasião houve um incêndio enorme no circo, tudo perdido. Animais foram para o zoológico e artistas ficaram acampados em nossa casa.

Palhaços, mágicos, trapezistas, bailarinas, equilibristas, contorcionistas, posso dizer que quase nasci num picadeiro de circo. Na época, os irmãos Robattini estavam com seu espetáculo na cidade e fizeram uma proposta a meus pais. Como não possuíam filhos, disseram que gostariam de me adotar, pois quando crescesse, seria o astro principal do circo, um grande e famoso domador de leões.

Delicadamente meus pais recusaram, respondendo que minha vocação não seria domar e sim libertar. Iriam me preparar para a liberdade de voar e não para as grades de gaiolas ou jaulas. A amizade das famílias não se abalou nem um centímetro e o gosto pelo circo só cresceu. Com dez anos de idade comuniquei a meus pais que não queria mais ir à escola, desejava ser mágico do circo e viajar pelo mundo fazendo carros aparecerem, elefantes desaparecerem, serrando mulheres ao meio, levitando no palco. O que mais um menino de dez anos pode desejar da vida?

Não foi fácil para nenhum dos lados. Se meus pais pregavam a liberdade, como recusar o sonho de um filho de abrir a mente das pessoas, criando fantasias e praticando a arte da impossibilidade? Por outro lado, não queriam se separar de mim e também sonhavam em ter um filho com diploma universitário. Depois de muitas lágrimas derramadas, finalmente chegamos a um acordo. Durante as férias escolares passaria uma temporada no circo, aprendendo mágicas, convivendo com artistas e animais ferozes, morando em barracas, montando e desmontando lona, picadeiro, arquibancadas. Foi um período muito feliz, inesquecível. Contava os dias para entrar em férias, tirar o uniforme escolar e ir para o mundo encantado do circo.

Aos dezoito anos tive que tomar uma decisão determinante. Trabalhar no circo ou fazer vestibular. Pode até parecer que foi uma escolha simples de fazer, mas não foi bem assim. Havia muita pressão para não ser um artista de circo itinerante.  Confesso que ser médico era um trabalho que também me encantava, pois curar doenças, aliviar dores, sofrimentos, renovar esperanças de vida, de certa forma, eram mágicas transcendentes e libertadoras, tão ou mais grandiosas que os truques de ilusionismo. Só que o circo era mágica em natura. No circo respirava fantasia, na medicina o cheiro era de remédio.

Acabei optando pela faculdade de medicina. Escolhi ser anestesiologista, profissional que tem a destreza pra fazer uma pessoa dormir e acordar sem dor. E se possível, tendo um sonho bem legal. Encarava isto como uma espécie de hipnotismo químico. Para muitos, medicina é uma ciência, para mim, medicina também é uma arte. A ciência descreve as coisas como são; a arte, como são sentidas. Não fui um domador de leões, mas aprendi a amansar a dor. Não fiz uma mulher levitar no palco, mas tiro muita gente do leito hospitalar. Não fui palhaço, mas acabei com muitas lágrimas.

E o circo? Tenho saudade, sempre que tem circo na cidade, volto lá pra ser criança e dar boas risadas. Quando a vida mostra seu lado triste, me prende dentro de casa, me afasta dos amigos, lembro que até o palhaço mais alegre, pode chorar em um dia de folga. Nestas horas, preciso de um circo pra me encontrar. Com lápis e papel chamo o circo pra bem perto.  E se der, coloco o domador, o mágico e o palhaço dentro de mim.

 

    

 

 

 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Beijo de máscara


 Em julho de 2012 escrevi um artigo ensinando como dar o melhor beijo do mundo. Apesar da pouca modéstia e enorme presunção do pretenso escritor, o texto fez bastante sucesso na época, tendo sido chamado para entrevistas no radio e televisão. Passei também por situações constrangedoras e inesperadas, eventualmente no meio de uma palestra ou reunião algum engraçadinho perguntava se haveria demonstrações práticas.

Na verdade não inventei nada de novo, nem me julgava um grande beijador, apenas me inspirei na música da compositora mexicana Consuelo Vélazquez, que aos dezesseis anos de idade declarou para seu amado:

“Besame, besame mucho, como se fuera ésta noche, la última vez
Besame, besame mucho, que tengo medo a perderte, perderte después”

O segredo do beijo maravilhoso não está na técnica, na boca, nos lábios ou na língua. É a cabeça quem potencializa o beijo. Imaginar que talvez aquele beijo seja o último, quiça nunca mais se repita, faz com que se aproveite ao máximo aquele encontro de bocas e seja sustentado com todo ardor. As bocas se prendem de tal forma, que não há como se desvencilhar, tampouco esquecer.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Quando as portas se abrirem

 Em plena pandemia, você retido contra vontade em casa há mais de cem dias, resolve passar o tempo  arrumando os armários de seu quarto. Bem lá no fundo da última gaveta, encontra uma velha lâmpada metálica, guardada desde os tempos da infância, que nem lembrava mais que existia. Como na história de Aladim, esfrega um pano para limpar a poeira e surpresa: surge o gênio da lâmpada.

Desta vez não lhe pede para fazer três pedidos, oferece de imediato aquilo que talvez você e toda a torcida do Flamengo estejam suplicando há meses: a cura da pandemia e o retorno da liberdade de ir e vir. Só que este é um gênio do século 21, não tão bondoso, e vai lhe cobrar algo em troca. Mas fique tranquilo, você pode escolher o que vai ceder na permuta, ele lhe ofereceu várias opções.

- Você sai da quarentena imediatamente, mas estará envelhecido 10 anos.

- Você sai da quarentena agora mesmo, porém 20 quilos mais gordo.

- Você paga um milhão de dólares e está livre da quarentena.

- Você não terá mais seus amigos, sua família, seu trabalho, sequer seu idioma. Será um imigrante alienígena no momento que sair da quarentena.

- Se você é um crente religioso, deixará de ser. Se não acredita em Deus, passará a ser um religioso fanático.

- Você perderá a capacidade de sonhar, apaixonar e amar no momento que sair da quarentena.

Pronto, pode escolher uma alternativa. Só uma e instantaneamente estará livre. Existe também a opção de não dar ouvidos ao gênio e permanecer na quarentena aguardando a descoberta da vacina.  Precisa de um tempo pra pensar? Não demore muito, agora que o gênio está livre, não ficará lhe esperando eternamente, ele quer aproveitar a liberdade repentina.

Será que o gênio é tão genial assim? Se fosse tão poderoso, não estaria preso dentro de uma lâmpada. O preço que o gênio paga por seus poderes mágicos é a perda da liberdade. Ele sabe bem o que é viver séculos trancafiado dentro de uma lâmpada esperando que alguma alma ingênua e distraída a esfregue para libertá-lo. E por saber o extraordinário valor da liberdade, ele geralmente agradece seu salvador concedendo-lhe três pedidos como pagamento.

A semelhança do gênio, estamos trancados dentro de nossas casas esperando que alguma mente pesquisadora brilhante descubra a tal vacina e nos liberte da quarentena. Estamos preparados para sair? O que vamos oferecer como pagamento ao nosso salvador? Talvez este tempo de cativeiro seja útil para revermos a preciosa liberdade que possuíamos.

Liberdade não significa ir e vir sem responsabilidade. Liberdade é um estado interior, inclui se prender, se agarrar, possuir uma dependência livre e voluntária em alguém ou algo. Carpinejar escreve que liberdade é ter alguém em quem se prender.  No momento em que sentimos segurança na família, amigos, religião, trabalho, amores, valores, seja lá o que for, podemos alçar voos bem mais altos. Se você vestir um paraquedas, pode se jogar de um avião nas alturas com toda segurança. Se amar e for amado, pode desmedidamente se entregar; se tomar vacina pode sair sem medo pra rua.

Liberdade não é um luxo dos bem aventurados nos tempos de bonança, os melhores textos sobre liberdade foram escritos no isolamento do cárcere. Escravos, presidiários, o gênio da lâmpada e agora nós mesmos, estamos provando o amargo sabor da liberdade perdida. O que poderíamos oferecer ao planeta como recompensa quando formos soltos vivos e com toda segurança?  Pense nisso enquanto as portas não abrem.

 

 

 

 

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Espelho, espelho meu



Alguns anos atrás, discutíamos entre amigos, em tom de brincadeira, quem era mais importante para a sociedade, o médico ou o desembargador. Argumentei que o desembargador teria poderes para dar ordens de prender ou soltar alguém da prisão, no entanto, não possuía a autoridade médica para solicitar que uma pessoa se despisse para ser examinada. Ordenar era muito diferente de solicitar.

E daí? Comentou o magistrado, não é isto que torna um profissional mais importante que o outro, eu sou chamado de excelência e você não. Além disso, continuou ele, ambos somos funcionários públicos, concursados na mesma época, não obstante, meu salário é três vezes maior que o seu. Deve haver alguma razão para isto. Imediatamente repliquei: razão não! arbitrariedade, injustiça, iniquidade, isto sim é o motivo de tamanha desigualdade. E digo mais, injuriava-o animado, as chances de você precisar de meus serviços são infinitamente maiores que as minhas de precisar dos seus, um dia você vai aprender a valorizar os médicos.

Segui com minha tese dizendo a ele que quando estivesse dentro de um avião em pleno vôo e a aeromoça solicitasse a presença de um médico a bordo, que ele levantasse a mão dizendo ser desembargador e se oferecesse para ajudá-la. Ou então, quando estivesse no saguão do tribunal, ou durante uma audiência e alguém apresentasse uma parada cardíaca ou uma crise convulsiva, que o mesmo tirasse sua toga impecável e realizasse uma respiração boca a boca ou uma desfibrilação cardíaca.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Conversa boa pra ca....sar



Quando nos obrigaram a ficar recolhidos em casa para o tal vírus não nos contaminar, recorri à internet para fugir da solidão. Entrei num site de relacionamento e conheci uma pessoa adorável. Tirei a sorte grande, há mais de cem dias que conversamos dia e noite sem parar. Temos tempo de sobra para nos conhecer, estamos trabalhando de casa. Desde então, solidão nunca mais.

Compartilhamos quase tudo. Contou-me sua vida, amores, desamores, desilusões, projetos, trabalho, família. Sei que horas acorda, o que toma de café, como está o tempo em sua cidade, marca do xampu, posição política, doenças, pratos preferidos, time que torce, manias, traumas, crenças.

Estamos lendo os mesmos livros, assistindo os mesmos filmes, escutando as mesmas músicas, fazendo ginástica juntos, trocando receitas, conselhos, favores, temores. Assim que acordamos nos falamos e antes de dormir nos despedimos vagarosamente. Às vezes, no meio da madrugada, quando um está com insônia, acorda o outro e nos fazemos companhia.

Seria muita ingenuidade pensar que já nos conhecemos suficientemente bem apenas pelas conversas que estamos trocando pela internet ou telefone. Existem milhares de relatos de golpes, maus tratos e assassinatos entre pessoas que se conheceram e foram seduzidas e enganadas através de sites de relacionamento. No entanto, como conhecer alguém à distância se não conversando?

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Quarentena e Depressão


Você está distraidamente caminhando pela rua, infelizmente tropeça numa pedra, cai e torce o pé. Está doendo muito.  O que você instintivamente faz? Procura não pisar no chão para não doer mais e não aumentar a machucadura. Quando está com dor de dente, basicamente repete o mesmo procedimento: procura não mastigar daquele lado pra não acentuar a dor. Quando está com cólicas, se encolhe num canto, não se mexe, mal respira e espera a dor passar.  E quando está com dor na alma, o que você faz?

segunda-feira, 15 de junho de 2020

O que é que há?


Estamos casados há três anos. Sou design de interiores e meu marido trabalha com organização de grandes eventos (shows em ginásios e estádios). Não temos filhos. Nossa rotina, até bem pouco tempo,  era acordar cedo, enquanto um tomava banho o outro preparava a mesa do café,  saboreávamos juntos e em seguida, cada um partia para seu trabalho. Encontrávamos-nos à noite e sempre inventávamos algo diferente pra fazer. Nossa vida era maravilhosa, praticamente ainda estávamos em lua de mel, mas, como nada dura para sempre, surgiu esta pandemia do coronavirus e estragou tudo, nossa vida virou de ponta cabeça.

Eventos com aglomeração de pessoas foram cancelados por tempo indeterminado e sem previsão de retorno das atividades. Com isto, cessaram todas as rendas de meu marido e os afazeres profissionais também. Vivia em reuniões, ensaios, apresentações, viagens, o telefone não parava de tocar; agora, os negócios estão parados e ele paralisado. Com medo de se contaminar pelo vírus, fica trancado em nosso apartamento esperando por dias melhores.

Eu também. Meu trabalho como design já estava andando devagar, agora estacionou de vez. Quem vai pensar em investir na decoração da casa ou do escritório numa hora destas? Não tenho emprego, trabalho como profissional liberal e meus ganhos e compromissos também zeraram. Possuímos algumas economias guardadas que podem nos sustentar por um bom tempo, mas este não é o problema maior.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Fé ou não Fé?


Este é um artigo sobre fé, se você não tem, não vá adiante, nem perca seu tempo.

Opa! Continuou a leitura. Depois não diga que não avisei. Então, antes de prosseguirmos, é bom deixar claro o que entendo por fé. Convicção intensa, persistente e incondicional em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência objetiva racional que comprove a veracidade da hipótese. Nenhum dos cinco sentidos humanos consegue identificar o objeto da fé, não pode ser visto, ouvido, cheirado, degustado ou tocado, no entanto, existe a certeza da visão e palpação do invisível.

Mais um detalhe, não há espaço para fé e dúvida no mesmo coração, ou seja, ou a pessoa tem fé ou não tem. Não existe um pouquinho de fé, nem meia fé. Também não se deve confundir religião com fé. Religião é uma instituição com missa, culto, oração. Fé é gratidão, confiança, crença. Podem até se misturar, mas não obrigatoriamente. Agora que a fé já está bem conceituada, ainda dá tempo de desistir e fazer outra coisa, pois vamos seguir com fé.  

Uau, ainda aqui? Ou você é muito curioso ou é uma pessoa de fé. Já, já vamos descobrir. Você tem fé nos políticos e governantes? Lembra que não existe meia fé, não é? Acredita que abrindo e fechando cidades, montando hospitais de campanha, decretando regras desencontradas, estão realmente empenhados em defender a população do coronavirus sem nenhum interesse pessoal ou partidário? O poder público será nossa salvação, está escondendo algo ou se encontra completamente perdido? Como está sua fé no governo e tribunais de justiça? Acredita neles? Sim ou não?

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Copie e cole


Foi nossa primeira quarentena, não tínhamos experiência alguma. Fomos pegos de surpresa,  pensávamos que seria apenas ficar sem sair pra rua e se proteger do vírus. Imaginávamos que talvez durasse uns quinze a vinte dias. Arrumaríamos armários, assistiríamos filmes, leríamos livros, descansaríamos. Enfim, colocaríamos em ordem todas aquelas coisas que reclamávamos não ter tempo pra fazer. Estamos conseguindo dar jeito nas coisas materiais, só que a ordem das coisas sentimentais não estava prevista e o furo foi mais embaixo. E bem mais profundo.

Meio insegura do que estava por vir, cheguei a te convidar pra ficarmos juntos aqui em casa. Estava disposta a tentar viver vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana trancada com meu amor entre quatro paredes. Teríamos um tempo só para nós. Seria uma experiência arriscada, nossa intimidade seria colocada à prova. Talvez acabasse com nossa relação, mas se desse certo, seria maravilhoso, a quarentena dos sonhos.

Percebendo minha insegurança na proposta, você vacilou, hesitou, e, por fim, pressionados pelo medo (do vírus e do companheiro), resolvemos que o melhor seria cada um ficar no seu canto, cuidando de sua individualidade. Covardemente, deixamos o temor decidir por nós.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Carpe Diem


- Hoje vamos conversar sobre o significado de nossas vidas. Por que viemos a este mundo? Quem somos? O que queremos desta vida? O que esperam de nós? A quem temos sido fiéis ou infiéis? Estamos nos comportando com covardia, valentia ou alienados? Por que ou para que existimos? O que pensam sobre isto?

O público presente no seminário tinha idade média de cinquenta anos, nível cultural  e financeiro elevados. Silêncio total no auditório, ninguém respondeu. Cabeças abaixadas, corpos paralisados, mudez colossal. Insisti com a pergunta fundamental, qual a opinião de vocês sobre o significado da vida?

Diante da paralisia, adotei o mesmo comportamento da plateia, sentei numa cadeira, calei-me e fiquei aguardando algum ruído ou movimentação. Depois de um silêncio constrangedor, um senhor da terceira fila timidamente levantou e respondeu: “Desculpe-nos doutor, como não sabíamos que este seria o tema da palestra, não nos preparamos”.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Sem querer ou de propósito?


 “Tragam-me água, lavo minhas mãos”

 Com estas palavras Pôncio Pilatos, governador romano da Judéia, diante da multidão enfurecida, esquivou-se de sua responsabilidade e jogou as consequências de sua decisão nas costas do povo, isentando-se de qualquer culpa ou responsabilidade.

Autoridades médicas e governamentais recomendam que para combater o Covid-19, o povo deve ir para casa e lavar as mãos. Será que entendemos direito? Devemos limpar as mãos com água e sabão para matar o vírus ou estão nos dizendo para ficarmos em casa, lavarmos as mãos como Pilatos fez e deixarmos a responsabilidade de tudo o que está acontecendo por conta deles?

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Queremos viver


Querida Anne

Como estão as coisas por ai? Tempos difíceis, não é? Escrevo em formato de carta porque agora, durante a quarentena, tenho tempo de sobra pra conversar, então resolvi voltar aos velhos tempos, aqueles onde éramos felizes e não sabíamos. Só que estou tão acostumado a mandar mensagens por whatsapp que talvez me atrapalhe e cometa alguns erros de português. Queria te contar algumas experiências de meu isolamento social.

Desde criança tinha o sonho de ficar uma semana trancado dentro de uma grande livraria. Preciso ter mais cuidado com meus pensamentos, eles podem se transformar em realidade. Meu pedido foi atendido e veio maior que imaginava. Ganhei um mês trancado no conforto do lar, cinquenta mil livros disponibilizados pela Amazon e todo o acervo de filmes do Netflix. Tirei a sorte grande.

O que não estava planejado no meu sonho era quem faria a comida, quem limparia a casa, quem lavaria a louça. Estou tendo que me virar, mas os livros e tutoriais existem pra isto. Aos trancos e barrancos vou dando conta. Também já tenho outro sonho: uma faxineira assim que possível.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Desta vez, não arrisque


Desde criança aprendi que nosso bem maior é a vida.  O Talmud, livro sagrado dos judeus, enfatiza que aquele que salva uma vida é como se salvasse o mundo inteiro, inclusive havendo  na lei judaica uma obrigação bíblica de salvar vidas. É permitido quebrar quase todos os mandamentos a favor de uma vida em perigo.

Existe uma discussão clássica do caso de duas pessoas que estão viajando pelo deserto e apenas uma tem água suficiente para sobreviver. Seria melhor dividir a água e ambos morrerem ou um apenas sobreviver? Não há consenso, mas esta é a característica que dá graça e sabedoria ao Talmud: o debate, a argumentação. Vamos a ela.

quarta-feira, 25 de março de 2020

O deserto e o dilúvio


Sonhava ficar em casa de pernas pro ar durante três meses enquanto é jovem e sadio? Pode comemorar. Seu pedido foi atendido. Você está livre do trabalho, da escola, da universidade. Agora tem tempo de sobra pra fazer o que quiser. Não está doente, tampouco aposentado e se tiver sorte ou for precavido, seus rendimentos ainda estão garantidos.

Só que não. Você está doente, mas não sabe. Os sintomas estão saltando aos olhos e você não vê ou se nega a enxergar. Pensa que está saudável e assintomático, mas está enganado. Não estou falando do coronavirus, desta praga vamos nos salvar. A sua doença é mais grave, assumiu uma forma crônica e a única maneira de se curar talvez seja o confinamento obrigatório.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Quem pagou a conta?



Durante muito tempo pratiquei uma estratégia “infalível” ensinada por um amigo para selecionar certo tipo de mulheres. Não me orgulho nem um pouquinho de ter feito isto, pois é uma técnica altamente preconceituosa. Enfim, todos têm sua parcela de defeitos e preconceitos por questionar.

Funcionava assim: quando me interessava por alguma mulher, perguntava se ela gostaria de tomar um café ou bebida comigo. Na hora de pagar a conta, observava se faria algum sinal de dividir as despesas ou não. Nunca as deixava pagar, mas ficava atento. A estratégia era justamente saber se a mulher achava que o homem, pelo simples fato de ser homem, deveria seguir as regras de etiqueta e pagar as despesas da mulher, somente por ela ter nascido mulher.

Naquela época o movimento feminista ainda engatinhava, e a estratégia era simplesmente descobrir com que tipo de mulher estava lidando. Tinha o cuidado de nunca convidar formalmente para o encontro, justamente para descaracterizar o argumento de quem convida paga a conta.  O convite era realizado mais ou menos assim: “topas um café?”, “que tal uma cerveja um dia destes?”.

Certa noite, numa destas investidas, quando chamei o garçom para pedir a conta, já estava paga. Minha companheira de mesa havia acertado tudo enquanto fui ao toalete. Percebendo meu espanto com seu comportamento, ela se adiantou e, sem que eu perguntasse, foi explicando. “Não existe almoço de graça, se alguém lhe paga por algo, vai querer o retorno. Quando a mulher aceita que o homem lhe pague o jantar, subliminarmente está passando a mensagem que talvez um dia vá lhe dar algo em troca”.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Entre bruxas e princesas


Você já teve contato com bruxas? Tive vários. Algumas usaram a vassoura pra varrer e logo em seguida partiram, outras voaram comigo por muito tempo. Algumas purificaram minha alma, outras lançaram feitiços, outras me encantaram. Talvez você não acredite em bruxas, mas que “las hay, hay”.

Antigamente eram queimadas vivas, hoje a era das fogueiras acabou, e as netas daquelas que sobreviveram estão mais vivas que nunca, espalhadas por todos os cantos, queimando todas as regras.

Numa pesquisa aparentemente inocente, pediram a vários homens que fizessem uma escolha delicada. Suas companheiras seriam doze horas por dia  bruxas e nas outras doze horas, princesas. Metade do dia elas teriam pele enrugada, cabelos desalinhados, mau cheiro, verrugas no nariz, falta de dentes, comportamento estranho, marcas de nascença, cicatrizes e tudo mais que caracterizasse uma bruxa clássica. Na outra metade teriam pele sedosa, cabelos lindos, bem tratados, corpos esculturais, olhos da cor azul piscina, cheiro adocicado de mel. Mais ainda, seriam carinhosas, super inteligentes, bem educadas e amorosas. A princesa de todos os contos de fada.