segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Foi bom enquanto durou


Começamos tão bem. Encontramo-nos no réveillon e não nos separamos mais. Dormíamos e acordávamos juntos todos os dias.  Estávamos cheios de expectativas, promessas e planos para o futuro. Apostamos alto e nos dedicamos pra valer. Você me enchia de esperança e eu retribuía com gratidão. Sua capacidade de surpreender, ao mesmo tempo em que me assustava, encantava. Você não prometeu felicidade, nem amor, mas garantiu que ia ser muito bom. Lembro que naquela noite brindei dizendo que amor perfeito era nome de flor, e que amores bonitos e perfeitos eram aqueles que nunca foram usados. Esperava tão somente uma relação que não decepcionasse minha alma.

Por mais que tenha me esforçado, por mais que tenha calculado acertos, riscos e equívocos, não foi o bastante. Não vamos seguir juntos. O destino prega peças e, quase sempre, sem avisar. Desta vez ele avisou, nós é que o ignoramos. Diz o folclore iídiche que o homem planeja e Deus, lá em cima, ri.

A gente fez de conta que não escutava, acreditamos que desta vez seria diferente, acabamos fazendo do nosso jeito e deu no que deu.  Perdemos a batalha. Não tem problema, perdoei meus erros e os seus também. A cada ano que se inicia corremos em direção ao primeiro sinal de algo que nos rejuvenesça, distancie da morte, empreste significado ao ato natural de estar vivo ou produza alguma centelha de amor. Você era tão jovem, me joguei de corpo e alma.

domingo, 11 de novembro de 2018

Deixa-me calar-te com um beijo


A palavra mais utilizada da língua portuguesa deve ser o "porque".

O ser humano precisa de uma explicação lógica para quase tudo, e o “porque” é a ferramenta predileta para esclarecimentos, seja perguntando ou respondendo.  Se a resposta iniciar com um belo “porque”, metade do trabalho já está pronto, nem precisa esclarecer direito.  Existindo um “porque”, por mais absurdo e sem sentido que seja, a coerência parece refeita. O “porque”, por si só,  tem o poder intrínseco de acalmar o interlocutor.
Por que o voo está atrasado? Porque o avião precisou fazer uma revisão nas turbinas. A atendente do balcão responde e o passageiro se satisfaz com a explicação, que justifica o atraso, mas não resolve o problema.  Segundo Nietzsche, precisa existir um “porque” e então a gente aguenta qualquer “como”.
 O problema é que quase nunca existe um único “porquê” ou um “porquê” definitivo para determinada situação. Geralmente respondemos com o “porque” mais instantâneo  ou desenvolvemos  uma explicação conforme a vontade do freguês.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Perdoar é a melhor vingança


Era um churrasco entre amigos, parceiros há mais de dez anos. Não havia estranhos, um jantar informal de confraternização. Enquanto a carne assava, bebíamos, conversávamos, contávamos piadas, recordávamos aventuras e desventuras vividas conjuntamente ao longo da vida. Lá pelas tantas, fiz uma brincadeira inocente com a filha de um amigo. Disse a ela que talvez ficasse solteira por toda a vida, pois ninguém aguentaria um sogro como seu pai.

Na hora não percebi, mas meu amigo ficou muito chateado. No outro dia, comentou com a esposa que eu havia sido infeliz na brincadeira e não levaria adiante nossa amizade, pois era inadmissível alguém zombar de sua filha e ridicularizá-lo.

Logo que soube, apressei-me em fazer contato e pedir desculpas. Expliquei que talvez tivesse me excedido um pouco no deboche, mas se o fiz, foi por considerá-lo um grande amigo que não se importaria com o gracejo. Jamais imaginaria que aquilo poderia aborrecê-lo tanto e perturbar nossa amizade.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

As quatro mulheres de um homem




imaginário masculino sonha com mulheres lindas, corpos esculturais, sempre disponíveis, felizes, satisfeitas, que os amem, admirem e façam tudo por eles, inclusive filhos. Pode haver uma ou outra variação, aqui ou ali, mas, onde se escondem estas criaturas?

Em uma roda de amigos, Gilmar relatava animadamente, em tom quase professoral, o que buscava em uma mulher, como e onde encontrar. Basicamente, quatro características lhe eram determinantes.

- deveria ser uma mãe para ele. Cuidar de sua roupa, alimentação, moradia, amando-o incondicionalmente e perdoando suas gafes e pisadas na bola.
- deveria ser uma sedutora voraz, realizando todas suas fantasias sexuais.
- deveria ter uma cultura colossal, uma sabedoria oriental e uma memória de elefante, para que pudesse admirar e sorver seus conhecimentos.
- deveria ser uma amiga, parceira, companheira, assistir futebol, beber cerveja, gostar de balada, mas acima de tudo, estar junto com ele para o que der e vier.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Eu te amo. Ao vivo, dublado ou com legendas?

Existem várias maneiras de dizer a mesma coisa. Algumas chegam a ser um disparate de tão incompreensíveis, mas se incorporam rapidamente ao linguajar popular, e, teoricamente, não fazem mal a ninguém, a não ser a gramática portuguesa, “Foi mal“ virou um pedido de desculpa, “valeu” agora é uma forma de agradecimento, “vazar” quer dizer ir embora.

Mas nem tudo está perdido, existem palavras que quando bem colocadas no lugar de outras, podem salvar relacionamentos, contratos e até mesmo vidas. Ao invés de falarmos em autoridade, fica mais elegante substituirmos por liderança. No lugar de irritante, usaremos persistente. Trocar a condição de dramática por emotiva faz toda a diferença. Fofoqueiro pode ser amenizado pela expressão bem informado.

Com base nesta proposta, resolvi brincar e escrever um sentimento de 100 maneiras diferentes. Nem sempre se consegue expressar com palavras aquilo que se pensa ou sente. Talvez meu dicionário sentimental auxiliasse alguém em momento de desespero ou desesperança. Quem sabe eu poderia dar voz aos corações e mentes emudecidos. Por que não?

Procurei então uma das expressões mais utilizadas na vida: “eu te amo”, e comecei a escrever variações. Depois de algumas tentativas, fiquei confuso e confesso, mudei meu entendimento. Dizer “eu te amo” não é tão simples assim.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Quando todos julgam, ninguém é inocente

Troquei os nomes para não comprometer, mas a história é verídica.

Pedro (21) e Ana (18) conheceram-se no verão em Atlântida. Foi numa daquelas baladas que iniciam depois da meia noite e só terminam ao amanhecer. Ele se aproximou, ela não se afastou. Ele pegou sua mão, ela não retirou. Ele chegou mais perto, ela o beijou. Não se soltaram mais. Um só tinha olhos para o outro. Fizeram mil planos, realizaram quinhentos, refizeram duzentos, esqueceram os outros trezentos. Não importa, estavam felizes.

Um destes planos era uma viagem no mês de julho para Porto de Galinhas, Pernambuco. Queriam escapar do frio no inverno gaúcho. Economizaram, utilizaram pontos para comprar a passagem aérea, reservaram uma pousada perto do mar e partiram para uma lua de mel de quinze dias.

Foi a viagem dos sonhos, voltaram ainda mais apaixonados. Ficaram especialmente encantados com um passeio de jangada que percorria um mangue até chegar a um parque ecológico onde existe uma área de preservação de cavalos marinhos. Puderam observar e até mesmo tocar os pequenos animais.

Ficaram sabendo que cavalos marinhos só se relacionam sexualmente com um parceiro por toda a vida. Quando um dos dois morre, o outro se isola e fica solitário até morrer também. Além de escolherem um único parceiro, nessa espécie é o macho quem engravida, possuindo uma bolsa incubadora onde carrega os ovos depositados pela fêmea. Alguns estudos em cativeiro desmentem a fidelidade dos cavalos marinhos, mas isto também pouco importa.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Adeus dói

Desculpa estar enviando esta mensagem pela Internet, mas pessoalmente não consegui falar. Tentei quatro vezes esta semana e mais quatro na outra. Quando chega a hora H, olho para ti e tranca tudo. Sabes exatamente como me manipular, ora pedindo desculpas com voz sedutora, dizendo que está numa fase difícil e vais mudar, ora me contradizendo tentando mostrar que sabes mais do que eu, e de nada adiantaria tentar me explicar, pois não compreenderia.

Também não foi fácil escrever. Não sei se por fraqueza, orgulho ou qualquer outra insegurança, precisei de duas taças de vinho para tomar coragem. Esta é uma carta de despedida, e dar adeus nunca é fácil. Escrevi frases que me envergonhei. Culpava, acusava, injuriava, e nem de longe era esta a minha intenção. Deletei centenas de vezes. Não sei como pude ficar tanto tempo sentindo o coração chorar, sem conseguir expressar com palavras aquilo que sangrava dentro de mim. Não me queira mal, estou botando fora aquilo que me machuca e nos afasta.

terça-feira, 1 de maio de 2018

A senha do Paraiso

Quando completamos um mês de namoro, Marta pediu a senha de meu celular. Alegou que seu telefone era desbloqueado, não tinha nada a esconder e gostaria de reciprocidade. Foi além, disse que concederia alguns dias para que excluísse conversas e fotos comprometedoras do passado, pois não gostaria de abrir meu aparelho e encontrar outras mulheres me abraçando, mesmo que estes fatos houvessem ocorrido cinco, dez ou quinze anos atrás.
Fui pego de surpresa com este pedido, realizado sem anestesia nem aviso prévio. Aliás, na hora não consegui distinguir se aquilo era um pedido, uma ordem ou brincadeira. Confesso que também nunca havia pensado direito no assunto, mas uma coisa posso afirmar, não gosto de receber ordens, muito menos de uma namorada de trinta dias. Não sabia o que responder, talvez até liberasse a senha, mas imaginava que aquilo deveria ser iniciativa minha.

terça-feira, 3 de abril de 2018

Quero me sentir aceita, bem vinda, livre



Tenho 50 anos, duas filhas, uma mãe velhinha, algumas rugas, três quilos acima do peso, dois procedimentos estéticos. Posso dizer que já passei por alguns relacionamentos. Chorei, sorri, apaixonei, namorei, amei, odiei, casei, separei, casei de novo, enviuvei, morei junto, morei separado, até relação homo afetiva já experimentei. Já fui ciumenta, possessiva, desconfiada, vingativa, curiosa, dependente, submissa. Em cada vinculo aprendi algo, hoje sei bem o que quero e o que esperar desta vida.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O que ela tem que eu não tenho?

Sou jovem, bonita, magra, elegante, inteligente, culta, viajada, analisada, independente, bem humorada e desimpedida. Ano passado nos conhecemos e namoramos por um certo tempo, depois rompemos. Ontem te vi acompanhado de uma mulher bem mais velha e um tanto fora de forma. Pareciam muito felizes. Poderias me contar o que ela tem que eu não tenho, ou o que ela faz que eu não fiz?

Claro que posso contar, sem problema algum.


terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

O Preço de escrever



Este é o artigo número 200 deste blog. Nunca imaginei que manteria essa atividade por tanto tempo com tamanho entusiasmo e regularidade. Começou como uma brincadeira e foi ficando. Antes de qualquer coisa, quero agradecer aos leitores que me acompanharam, criticaram, aconselharam e, especialmente, tiveram paciência comigo na riqueza e na pobreza dos textos. Preciso de vocês, mas também devo confessar algo que talvez não gostem de saber. Escrever é o verdadeiro prazer, ser lido é uma satisfação complementar.

Jamais tive obrigação alguma de produzir textos. Escrevo porque gosto, sinto prazer, relaxo, me forço a pensar, desligo do cotidiano e no final, quando nasce o texto, quase sempre, sou possuído por um sentimento de arrebatamento. Em cada argumento que produzo, me dou o luxo de viajar com as idéias para qualquer lugar. Posso também ser quem eu quiser e, se me der vontade, utilizar minha caneta como uma arma potente e terrível, criticando, polemizando, elogiando, detonando, fazendo declaração de amor, pedindo perdão. Já pratiquei tudo isso, aberta ou veladamente, em postagens anteriores

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Supermercado sentimental

Este é um ensaio de ficção autobiográfica da série “Aconteceu com um amigo”. Qualquer semelhança com pessoas ou acontecimentos é fruto do inconsciente ou provavelmente aconteceu num mundo virtual. Se você conseguir imaginar e entrar na história, então já será realidade.


Bom dia,

Faço parte de um grupo de homens que cada vez mais cresce no mercado: separado, cinquentão, estabilizado financeiramente, à procura de uma mulher mais jovem, bonita, madura intelectualmente, companheira e independente.

Dizem que tenho “dedo podre” e só encontro mulheres problemáticas, mas a verdade é que só colocam nas prateleiras carne com papelão, leite com farinha, verdura com agrotóxico. Assim fica difícil encontrar algo de bom nas gôndolas.

O que me fascina em uma mulher é o que ela tem entre as duas orelhas. Inteligência emocional, sensibilidade, afetividade, maturidade, cultura, ética, charme, humildade, bom humor. O que encontro nas ofertas do supermercado costuma ser maquiagem, botox, alisamento, tatuagem, silicone, carência, trauma, arrogância. Nos aplicativos da Internet, o que mais chama atenção são os perfis perfeitos, quase todos falsificados ou com prazo de validade vencido. Acabo não comprando nada.