segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Não mude apenas a folha do calendário

2009 está terminando. Quase todos os anos a rotina se repete. Festas, compras, trocas de presentes, especial de Roberto Carlos na TV, espírito natalino, fotos da família reunida, felicidade no ar, fogos de artifício à meia noite e quando vemos, já estamos no primeiro de janeiro de um ano novo. Ótimo, maravilhoso.

E o que fazemos com o ano velho? Esquecemos simplesmente ou fazemos algumas reflexões? Fomos felizes neste ano que passou? O que fizemos nesse sentido? Que fatos nos alegraram ou entristeceram? Quais os planos para o futuro? A tendência é deixarmos estas preocupações e balanços pra depois, juntamente com a fatura do cartão de crédito e com as contas acumuladas. Agora é hora de comemorar, comprar. Essa “farra” nos deixa com uma sensação de euforia e felicidade, afinal de contas, está nascendo um ano cheio de esperança e expectativas. E lá pelo dia 20 de janeiro, como em todos os anos, a felicidade de uns dias atrás tende a se transformar em pesadelo ou esvair-se feito água. Por quê?

Estudos comprovam que 50% da felicidade é herdada geneticamente e que fatores externos dificilmente alteram esta proporção: compras, prêmios de loteria ou grandes ganhos materiais são capazes de deixar o indivíduo eufórico, porém esta sensação de plenitude é facilmente esquecida com o passar do tempo, retornando aos níveis normais. Da mesma forma, tragédias tendem a ser esquecidas no período de um ano. Tanto a satisfação como o sofrimento exagerado tem vida curta, o ser humano acaba voltando ao seu nível genético de felicidade. Este fenômeno é chamado de adaptação hedonista.

Verificou-se que menos de 10% de nosso bem estar emocional é determinado pelas circunstâncias. Comprovou-se que o dinheiro só é importante na medida em que permite atender as necessidades básicas de um indivíduo. Estar desempregado ou ter um salário de três mil reais faz uma grande diferença no nível de felicidade, porém a diferença entre ganhar dez milhões ou cinqüenta milhões é desprezível.

Aparentemente educação e nível intelectual também não são responsáveis pela felicidade. Família, carreira, amigos, fé, saúde, segurança no trabalho podem ser um caminho mais tranquilo. Complicando ainda mais este caminho, nem sabemos direito o que nos faz felizes, e a busca da felicidade como um fim, é quase um sinônimo de fracasso.

Cuidado! Preste muita atenção agora: Felicidade não tem nada a ver com datas. Natal e ano novo também podem ser épocas de muita tristeza. Felicidade tem a ver com momento e não com o dia do calendário. Se o momento for bem saboreado, o gosto pode ser prolongado. Como tirar o melhor proveito?

Se for comprar alguma coisa, tenha claro que gastos vultosos em presentes trazem grande satisfação, porém com vida curta. É preferível utilizar o dinheiro em pequenas quantias para aquilo que melhore o dia a dia. Invista o dinheiro mais em experiências do que em bens materiais. Shows, viagens e relacionamentos são menos vulneráveis à adaptação hedonista.

Aproveite o final de ano para sair da rotina. Troque mais abraços do que presentes. Aproveite o dinheiro que ganhou para trabalhar menos e ficar mais com aqueles que você ama. Não gosto de dar sugestões tipo auto-ajuda e lugar comum, mas tente ver se já consegue perdoar os que não se comportaram como você esperava. Mesmo que ainda seja difícil, vai ser importante e pode fazer uma grande diferença lá adiante. Fique um tempo sozinho, pensando que 2009 está terminando, mas que não precisa ser apenas uma troca de calendário.

Não há uma fórmula mágica, mas uma coisa é certa: nenhum fato externo pode produzir a felicidade. Ela está dentro de cada um, é um estado ativo, um processo e não um lugar aonde chegar. Portanto, preocupe-se mais em ser do que ter, em viver do que em comprar... As experiências de hoje alimentarão as memórias de amanhã e farão a diferença no saldo da felicidade. Quer experimentar? Existem pelo menos 2010 maneiras. Que tal começar com um telefonema inesperado?
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Artigo escrito com colaboração da educadora Eda de Maman
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

PRA MIM, CHEGA DE FUTEBOL!

Não se assustem, não vou falar de futebol. Pelo contrário, vou falar de anti-futebol, anti-ética, anti-educação e falta de paixão.

Este final de semana é a decisão do Campeonato Brasileiro de Futebol, porém o destino não ficou satisfeito com uma simples partida entre duas equipes, e promoveu uma artimanha que se transformou em discussão nacional.

Para que um clube seja campeão, precisa da vitória de seu tradicional rival contra o adversário direto ao titulo. Explicando melhor, é preciso a ajuda do “arqui-inimigo” para se tornar campeão.

Como se comportará esta equipe? Vence o jogo, ajuda o rival a ser campeão e fica observando a comemoração da torcida que sempre odiou ou deliberadamente perde a partida para prejudicar e estragar a festa destes.

Até o momento, mais de 25 mil torcedores já aderiram ao blog que solicita à direção do clube que oriente os jogadores no sentido de “entregar o jogo” e perder a partida. Alguns membros da diretoria também já se manifestaram apoiando o “corpo mole” e justificam alegando que em situação inversa o adversário também não os favoreceria. Rumores dão conta de incentivos financeiros excusos (mala branca) por parte do clube interessado em ser campeão, para motivar jogadores a um empenho acima da “normalidade”.

Direção, torcedores, jornalistas discutem, porém quem estará lá dentro do campo serão os jogadores. Por mais explícita que possa ser a intenção de prejudicar o rival, a falsa moralidade exige que durante a partida isto não seja evidente e que a derrota previamente planejada seja vista por torcedores e telespectadores como um resultado justo frente à superioridade técnica da outra equipe.

Conseguirão os jogadores ser convincentes?

Qual a diferença entre estes jogadores, direção do clube, torcedores blogueiros, maridos que traem esposas e deputados escondendo dinheiro nas calças e cuecas? Apenas o contexto, todos se apóiam na mesma premissa: FALSIDADE DE APARÊNCIAS.

Atletas fazendo de conta que estão se empenhando, mas não querem vencer; casais mantendo as aparências e se traindo; políticos apoiando-se na impunidade parlamentar e desviando verba pública. Aonde vai se sustentar a confiança? Como se manter apaixonado? Como continuar torcendo?

Ser feliz com a desgraça do outro, pagar pra conseguir motivação extra, fazer de conta que não sabe o que está acontecendo são falsas aparências, e servem apenas para enganar. Enganam-se blogueiros ao confiarem no “amor à camiseta” de jogadores dissimulados, enganam-se eleitores ao acreditar em promessas e explicações de corruptos e enganam-se casais que mantêm relacionamentos falidos. Enganam-se pois não enxergam a realidade, enganam-se pois contentam-se com aparências, enganam-se acreditando ser felizes.

Pra mim chega! Vou continuar torcendo sim, mas não pelo futebol. Torço pela ética, pela honra, pelo surgimento de um comportamento mais responsável e para que toda esta vergonha e falsidade não acabem por matar aquilo que sempre deu colorido ao futebol, à política e ao amor: a paixão.

Domingo não vou assistir futebol, vou namorar!

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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

CASAMENTO: Da prisão à liberdade

Como mudou o casamento. No inicio era um acordo formal entre os pais dos noivos e tinha como função ligar duas familias, permitindo que elas se perpetuassem. Desde cedo as meninas já estavam reservadas para determinados noivos que as compravam simbolicamente com uma moeda de ouro. Uniam-se posses e poderes, mas deixavam de lado o amor, assim como a vontade e o consentimento dos noivos. Como o casamento era para sempre, os casais permaneciam juntos felizes ou infelizes até que a morte os separasse. Ficavam aprisionados perpetuamente. Às vezes um mandava matar o outro para se libertar e a felicidade voltar a reinar.

Na Idade Média, a igreja institucionalizou o casamento como ato público, trazendo a celebração para o interior do templo e regulando os contratos. Cristo foi inserido na familia, surgindo também o consentimento dado pelos noivos por meio do SIM, a benção nupcial, a indagação aos presentes sobre algum impedimento formal, a exigência da indissolubilidade e a pureza da união. Agora, além de familiar, patrimonial e econômico, o casamento passou a ser um sacramento. Apesar da participação dos noivos na cerimônia, o amor entre os cônjuges era considerado um resultado da união e não a base do relacionamento. A prisão perpétua passou a ser abençoada. O ato sexual era condenado, sendo permitido exclusivamente para fins de procriação. Acreditava-se que “o calor do excesso amoroso poderia gerar crianças com doenças e enfraquecer a descendência”.

Os tempos foram mudando. A partir da revolução industrial, as mulheres começaram a trabalhar e ficar independentes financeiramente, surgiu a pilula anticoncepcional, foi liberado o divórcio e com isto, a influência da familia, religião e estado no casamento diminui, passando teóricamente a ser uma relação de amor com conotação sexual.

Hoje em dia ninguém mais é obrigado a casar. Casa-se por amor. Só por respeito na riqueza e na pobreza ninguém entra mais na igreja. O casamento não produz mais dois prisioneiros. Serve para declarar a todos que foi uma escolha onde decidiram curtir estar na companhia do outro, compartilhar pasta de dentes, atrasos de menstruação, viagens, livros, mau humores, lençois, problemas, contas, resfriados, sorrisos. E se decidirem aumentar a familia, isto será uma consequência do amor e não a meta a ser alcançada.

A regra agora é juntos por amor e prazer e não por compromisso. Não existe mais a obrigação de serem infelizes para sempre. Se as coisas não andarem bem, a separação é muito fácil. Difícil é pagar a pensão, fazer partilha...

Hoje sabemos que as certezas não duram por toda a vida. Mas em uma coisa podemos continuar apostando: no amor.

Esta semana vou a um casamento onde os nubentes estão jogando todas as fichas pela terceira vez. Ambos tem filhos de relacionamentos anteriores, por motivos profissionais fizeram a lua de mel prévia ao casamento, a noiva não vai vestir branco, não vão casar na igreja, vão experimentar juntar os filhos em uma casa nova (quando as datas de todas as guardas coincidirem) e organizaram uma festa para comemorar com os amigos e principamente mostrar a todos que se o casamento não está acontecendo da maneira idealizada pela história, familia, igreja, estado e até por eles próprios, o amor foi mais forte e os uniu apesar de tudo. Sorte deles terem nascido nesta época. E serão abençoados, podem ter certeza.

Parabéns Lucia e Mauro
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terça-feira, 3 de novembro de 2009

O ANESTESISTA

"Desde que comecei a escrever este blog, só inseri um texto que não é de minha autoria. Agora, chegou a vez do segundo. Rubem Alves conseguiu descrever com muita sensibilidade a magnitude, quase nunca percebida, do trabalho de um anestesiologista. Sendo esta a especialidade médica que exerço diáriamente, suas palavras me emocionaram e achei que poderia dividir esta visão poética."
A anestesia foi a primeira de todas as especialidades médicas. São as Escrituras Sagradas que o afirmam. Pois Deus, para retirar de Adão a costela necessária para a criação de Eva, fez cair sobre o homem um sono profundo. Isso, fazer dormir, é ato de anestesista. Foi só então, depois de exercer as funções de anestesista, que Deus se transformou em cirurgião. Deus não queria que o homem sentisse dor. Uma cirurgia feita sem anestesia é uma experiência de uma brutalidade indescritível. Muitos prefeririam morrer a sofrer os horrores da dor de uma cirurgia sem anestesia.
O livro "O físico" descreve como era a cirurgia antes da descoberta da anestesia. Amputação de uma perna. A pessoa amarrada. A navalha cortando a carne. Os gritos. As contorções do corpo. O sangue jorrando. Depois a serra no seu reque-reque serrando o osso. Seguia-se a costura da carne. E, para terminar, o cautério com azeite fervente ou ferro incandescente.
A dor é o que existe de mais terrível na condição humana. Muito cedo nós a experimentamos. O nenezinho chora e se contorce com suas cólicas. Delas não tenho memória. Mas me lembro das cólicas do meu primeiro filho, que chorou por seis meses, sendo que todos os chás, remédios e benzeções foram inúteis. A única coisa que aliviava era pegá-lo no braço e colocá-lo de barriga para baixo. Todo pai gostaria que os deuses fossem caridosos e transferissem para ele a dor do filho. Doeria menos sentir a dor do filho que vê-lo sentindo dor sem nada poder fazer.
Meu filho Sérgio, o que sofreu cólicas por seis meses, é médico e se especializou em anestesia. É possível que Freud explique. Nossos impulsos vocacionais têm raízes em lugares obscuros da alma. O que não acontece com as escolhas profissionais, que nascem de considerações racionais sobre o mercado de trabalho. É possível que sua vocação de anestesista tenha nascido de suas experiências esquecidas de sofrimento. Aí ele sentiu que seu destino era lutar contra a dor.
A anestesia é uma especialidade modesta. É o cirurgião que executa o grande ato! É ele que é o herói! É o seu nome que é lembrado. É o cirugião que ganha mais. E, no entanto, enquanto o cirurgião está com sua atenção concentrada no lugar preciso do corpo que ele corta e costura, o anestesista está com sua atenção concentrada na vida adormecida. Ele vigia os seus processos vitais. Ele cuida para que a vida não vacile enquanto o corpo é cortado.
Há também as dores da alma que nenhuma cirurgia consegue curar. O medo, por expemplo, não pode ser amputado. Pena. Porque o medo paralisa a vida. Dominada pelo medo, a vida se encolhe, perde a capacidade de lutar, entrega-se à morte. Animais amedrontados se deixam matar sem um único gesto de defesa. E, pelo que sei, as pessoas têm muito medo da anestesia, medo que chega a beirar o pânico, mais medo da anestesia que da violência do ato cirúrgico. É que elas têm medo de dormir. Quem dorme está indefeso, à mercê. Quem está dormindo volta a ser criança. As crianças têm medo de dormir. Por isso elas choram, não querem dormir sozinhas, desejam alguém ao seu lado. Alguém que cuide delas enquanto elas dormem. As canções de ninar são para tirar o medo a fim de que o sono seja tranquilo.
A anestesia pode ser feita de duas formas. A primeira é a anestesia como ato técnico, científico, competente, ato que se executa sobre o corpo da pessoa que vai ser operada. A segunda é igual à primeira, acrescida de um cuidado maternal. O anestesista assume, então, a função do pai e da mãe que cantam canções para espantar o medo. Foi o Sérgio que me contou.
Conversamos muito sobre o que fazemos. E como ele se orgulha do que faz, ele me conta. Contou-me sobre as visitas aos pacientes amedrontados, às vésperas da cirurgia. Na maioria, crianças e adolescentes. O objetivo dessa visista é técnico: checar o estado físico do paciente: pressão, coração, vias respiratórias, etc. Mas a pesssoa que está ali é mais que um corpo. É um ser humano. Está com medo. Medo da dor. Medo da morte, pois nunca se pode ter certeza. É preciso espantar o medo para que a vida não se encolha. mas o medo só sai quando se confia. Não é qualquer pessoa que tira o medo de dormir da criança. Há de ser alguém em quem ela confia. Essa pessoa, e somente ela, tem o poder de cantar uma canção de ninar. O anestesista se transforma então em mãe e pai: pega no colo a criança amedrontada - diante da cirurgia todos nós somos crianças!
Rubem Alves
Leia também "Quebrando o Paradigma", publicado em 27/12/11 - artigo sobre as impressões do autor com seu trabalho como anestesiologista
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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

PEQUENAS VINGANÇAS

Numa tarde de domingo qualquer, depois de dezesseis anos casados (os primeiros maravilhosos, os restantes nem tanto e o último um desastre), os dois sentam-se na beira da cama que intimamente já presenciou toda a história daquele amor falido e decidem separar-se.

Choro, pedidos de desculpas e a promessa de serem amigos e justos um com o outro. Molhados em lágrimas, temperados em acusações veladas e cozinhados ao sabor da desilusão e frustração, os dois vão acertando os detalhes da divisão de bens, guarda dos filhos, pensão alimentícia. Conversa civilizada, separação amigável, cena perfeita para um final nem tão feliz. O lógico seria cada um respeitar o acordo e seguir seu caminho, certo? Errado!

Dezesseis anos dividindo os lençóis e as contas para descobrir que não se conheciam. Aquelas promessas tendo a cama como testemunha, não valem mais e serão desfeitas, conscientemente ou não.

Tudo de bom que foi vivido durante os anos de harmonia mistura-se com os desafetos dos últimos anos, diluindo-se feito espuma na beira da praia e os ex amantes, agora completos desconhecidos, passam a discutir seus direitos frente a um juiz.

Meses de angústia, às vezes telefonemas ou encontros desagradáveis até que o acordo seja firmado oficialmente. Nesse meio tempo, em meio à tristeza e luto, o casal vai seguindo sua vida da maneira como acha mais edificante: ela emagrece, trata os cabelos e torna-se novamente atraente; ele raspa o bigode, muda o guarda-roupa, troca o carro e começa a desfilar namoradas...

Acabou? Não... Restam as pequenas vinganças. Rasgar as fotos do casal ao meio e mandar entregar a metade no escritório (dentro de uma sacola de supermercado), esconder durante anos os DVDs do grupo preferido dele(a) e ir devolvendo aos poucos (alguns arranhados, outros sem capa), não buscar os filhos pequenos no horário marcado (roupas e fraldas sempre devolvidas sujas), prometer mundos e fundos e na hora H tirar o corpo fora, dizendo que o problema é do outro.

Existem as tradicionais, como não devolver a aliança deixada em cima da cama, não aceitar o pedido de trocar o Natal pelo Réveillon para ficar com as crianças, esquecer a data do aniversário... Alguns ex-parceiros chegam ao fundo do poço denegrindo a imagem do outro diante da sociedade e até mesmo dos filhos.

Por que necessitamos disso? O que nos leva a adotar condutas tão mesquinhas com essas pessoas que durante algum tempo amamos tanto? Não bastasse todo o sofrimento vivido, ainda é preciso administrar as mágoas acumuladas em anos de relacionamento e pagá-las em prestações sem hora nem data de vencimento. É como se disséssemos ao outro: lembra daquela vez em que esqueceste nosso aniversário de casamento? Pois bem, devolvo rasgando a camisa de linho lilás que deixaste no closet para marcar teu espaço. E por todas as vezes que falastes mal de meus amigos de futebol, devolvo dizendo que sábados não posso te ajudar porque tenho compromisso com a turma...

E assim passam anos trocando pequenos “carinhos” que demonstram apenas o quanto a relação ainda não foi resolvida. A separação não acontece no momento em que um dos parceiros deixa o lar. Já aconteceu muito antes, vai acontecer algum tempo depois e em alguns casos a separação de corpos é apenas simbólica, pois o prazer de um, continua sendo a desgraça do outro. Nesse caso, agem feito crianças em relação à brinquedos velhos: sabem que não os querem mais, mas tem dificuldade em passar adiante. Puro sentimento de posse.

É preciso reconhecer, aceitar e pontuar o final da relação. Se para zerar a caixa de mágoas for preciso rasgar camisas, fotos, lençóis, seria prudente fazer de uma só vez, entender e explicar o porquê dessas ações “insanas”.

Perdoar não é algo tão simples, principalmente quando sentimentos estão na panela de pressão. Talvez estas agressões passivas (ou nem tanto) sejam necessárias ao luto da separação, sendo esta a maneira de cada um perceber que tanto o prazer em fazer sofrer, quanto à dor provocada no outro vão gradativamente diminuindo, até que um dia descobrem que podem voltar a ser, quem sabe, velhos conhecidos. Neste momento, o coração está leve e pronto para encontrar um novo amor...

PS 1 - Você acha que enviar este artigo para seu ex, seria uma pequena vingança?
PS 2 - então envie.


Artigo escrito em parceria com a educadora Eda de Maman- WWW.edademaman.blogspot.com
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A vida como ela é: Calar ou Contar?

O destino inevitavelmente nos coloca em algumas situações complicadas. Verdadeiros dilemas éticos. Immanuel Kant, filósofo alemão, diz que deveríamos nos comportar de tal maneira que o motivo que nos levou a agir pudesse ser convertido em uma lei universal.

Leis universais, manuais, religião, filosofia não conseguem particularizar todas as situações. Quando somos colocados frente a uma “sinuca de bico”, a sensação é de que a responsabilidade toda está em nossas mãos. Precisamos saber o que fazer. Precisamos mesmo?

Casados há muito tempo, João e Maria sempre viveram bem. Ele trabalhava enquanto ela cuidava da casa e dos filhos - relação tradicional com papéis bem definidos. Em um destes momentos de crise, João perdeu o emprego e Maria foi procurar trabalho. Atrasada para uma entrevista, Maria esquece uma pasta e volta para casa correndo. Onze horas da manhã. Encontra João no quarto, na cama, com outra. Acabou o casamento. Fato verídico, nomes fictícios.

Terça-feira à noite, saio para jantar. Restaurante pequeno, aconchegante, de bairro. Sento em minha mesa preferida. Ainda degustando o primeiro gole de vinho, a porta se abre e entra Antonio, marido de Fernanda, abraçado a uma loira. Fernanda é morena. Cumprimento formalmente com a cabeça, peço a conta e vou embora.

Será que fiz a coisa certa? Existe um manual de como agir nestas situações?

Nos exemplos acima, qual deveria ser a lei universal? Maria, casada há anos, deveria mesmo se separar? E no caso do jantar, deveria ter permanecido no restaurante e aproveitado a noite ou ir embora, como fiz?

Já pensaram se por acaso a loira que acompanhava Antonio fosse minha amiga Fernanda de peruca ou cabelos tingidos e eu não a reconheci? E se resolvo contar a ela o episódio do restaurante, e Fernanda, que já desconfiava mas estava acomodada em sua vida , fica agora na obrigação de tomar uma decisão?

E se Antonio propositadamente desfilou com a loira para ser visto e denunciado e assim configurar uma traição que levasse a uma separação, que covardemente ele não conseguiu discutir com Fernanda?

Pensando bem, o que leva homens como João e Antonio a traírem suas esposas? Seria correto apresentarmos a situação somente sob este ponto de vista, onde colocamos as mulheres no papel de vítimas e os homens como pecadores universais? Será que Maria nunca havia desconfiado que a relação andasse mal? E Fernanda, também não?

Teríamos nós, simples mortais, baseados em um encontro casual, a capacidade e o discernimento necessários para avaliar as situações descritas e, como num passe de mágica, através de um telefonema fatídico ou de uma conversa elucidativa, lançarmos a semente da separação no futuro do casal?

Decidir este tipo de coisa não é o mesmo que decidir o que jantar ou que roupa vestir. É preciso ter cuidado, pois as decisões tomadas podem levar a danos irreversíveis.

Talvez a saída para estes dilemas seja tentar se colocar no lugar do outro. Imaginar o que sentiríamos se estivéssemos em suas peles, dar ouvidos para as emoções e tomar a decisão capaz de deixar nosso coração em paz... Porque embora nem todos saibam, a função das emoções é qualificar nossas mais sábias decisões. Dormir de consciência tranquila não é a mesma coisa que estar com o coração sereno e sem dor. E na pressa de resolvermos ou nos livrarmos de dilemas, decidimos escutar a razão ou as cobranças impostas pela sociedade, enquanto o coração continua sofrendo e chorando baixinho.

Quem dera tivéssemos a capacidade de nos transmutarmos para a vida de outrem. Certamente o mundo seria bem mais justo e condescendente. Imagino que aplicar os ensinamentos de Kant, numa sociedade pouco evoluída e cheia de nuances como a nossa não seja ainda algo totalmente viável. Quando um homem e uma mulher decidem se tornar um casal, experiências individuais, preconceitos e conflitos existenciais, passam a ser compartilhadas. Isto acaba gerando diferenças e sentimentos, um campo que se presta a surpresas e interpretações, muitas vezes impossibilitando uma coerência pura e simples da relação afetiva, podendo levar a uma traição daquilo que chamamos de ética ou lei universal.

Explicando de outra maneira, as emoções, que deveriam servir de sustentação para uma relação ética, às vezes podem se transformar justamente no estopim para uma transgressão. Não existe, portanto, a possibilidade do pesar frio e calculista, de uma e somente uma forma de agir, de uma lei universal, visto que cada relação apresenta suas peculiaridades e os contratos silenciosos estabelecidos pelo casal são únicos.

Nossos personagens: infratores, permissivos, traidores ou não, já devem estar sofrendo por conta de como administram suas relações e seus afetos. Falta-lhes apenas a coragem para tomar as rédeas de suas vidas e acertar o rumo que os fará felizes.

Espero que este texto possa alcançar e ajudar a todos os Joãos, Marias, Antônios e Fernandas , no sentido de não deixarem mais seus corações a sofrer e a causar dor em quem lhes foi um dia importante.
E... Por favor, Antônio: não deixe para os outros resolverem o problema de seu coração. Ninguém merece!


Artigo escrito em parceria com a educadora Eda de Maman
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sábado, 26 de setembro de 2009

Voltar a ser feliz

Um dos critérios estabelecidos para fixar o valor de um produto ou serviço é sua raridade. Quanto mais difícil de ser encontrado, maior seu valor. Considerando o alto consumo de medicação antidepressiva e a busca cada vez maior por tratamento psicológico, poderíamos supor, mercadologicamente falando, que nem todos são felizes, sendo portanto a felicidade uma mercadoria rara e de alto custo.

Digamos que a felicidade estivesse à venda, qual poderia ser o seu preço?
Dois mil reais parece um preço justo para ser feliz?

Provavelmente alguns pagariam sem pestanejar, outros transformariam a felicidade em objeto de desejo, economizando uma vida inteira para comprá-la, e outros mais, achariam o preço elevado e gastariam seu dinheiro em outras coisas.

E se o preço da felicidade fosse maior ainda, por exemplo, cem mil reais, haveria compradores? Imagine a economia de pagar esta quantia uma só vez na vida, podendo até parcelar ou financiar e nunca mais se preocupar em trocar de carro, fazer lipoaspiração, comprar uma casa maior, ser mais bonito, ter mais poder... Ao comprar a felicidade, uma espécie de software de computador, as pessoas passariam a usufruir de uma sensação de plenitude, automaticamente anulando a necessidade de novas buscas e com isto, mais despesas. Se fizermos as contas na ponta do lápis, cem mil reais ainda pode ser um preço muito barato...

Enquanto este software não é inventado, produtos e serviços são oferecidos para suprir esta demanda. Carros novos, tratamentos de beleza, hotéis de luxo, sapatos, jóias funcionariam como caminhos para se alcançar a felicidade.

O problema com estes objetos de desejo é que funcionam como similares, não são a fórmula original. Por se fixarem na materialidade, tem prazo de validade e em pouco tempo perderão seu efeito. O sapato sairá da moda, o carro vai estragar, a jóia não combinará mais com o vestido, surgindo então o desejo por outros produtos com promessas melhores de felicidade.

Antidepressivos, drogas, bebidas alcoólicas, orgias gastronômicas também estão disponíveis como atalhos para a felicidade, mas seu efeito é paliativo, oferecendo satisfação imediata, porém provisória.

Assim funciona a humanidade, desejando a felicidade original, porém comprando a felicidade comercial, mais barata e de efeito reduzido.

Quem já provou a dor, sofreu, se amargurou, consegue ter uma noção mais clara do quanto pagaria para voltar a ser feliz. Abrir os olhos pela manhã e ao invés da escuridão passar a ver passarinhos verdes e borboletas azuis. Qualquer preço seria barato.

Acontece que felicidade não tem preço. Tem valor. E valor não é medido apenas por raridade. Muito menos por preço. É uma pena que ainda exista tanta confusão. Definir felicidade é algo muito complicado, mas quem já a encontrou, sabe que é um sentimento tão simples, que às vezes podemos encontrá-la e sem perceber, ignorá-la, deixando-a ir embora, tamanha sua simplicidade.

No caso da felicidade, o valor está justamente na capacidade de satisfação com a imaterialidade. Sentir que nada mais é necessário para a plenitude. Dar por encerrada a busca e passar a usufruir. Simples assim. O problema é que logo surgem novos desejos, e na busca destes, a felicidade muitas vezes vai embora.
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aos Leões...

Semana passada tive uma experiência muito interessante. Gostaria de recomendá-la. Existe um espaço na Câmara Municipal de Porto Alegre aberto à voz da comunidade chamado Tribuna Popular, onde o cidadão sobe ao púlpito e tem direito de expor suas idéias diretamente aos vereadores, que as escutam e podem também se pronunciar, se for o caso. Aproveitei a oportunidade e apresentei ao plenário uma palestra sobre o “Exercício da Ética”.



As sessões são abertas ao público, como não poderia deixar de ser, já que a Câmara existe e funciona como órgão representativo da sociedade. Sendo assim, convidei algumas pessoas para acompanharem o evento e observar o desenrolar da palestra, pois tinha curiosidade de saber como os vereadores receberiam o assunto “ética” quando este se confrontasse com o comportamento de alguns políticos.


Não fui o único a falar. Antes houve a manifestação de um líder comunitário a respeito dos constantes alagamentos que acontecem em sua vila e da ausência de providências por parte do Executivo municipal, que não conclui as obras necessárias. É sobre esta experiência que quero refletir.


A vila compareceu com quase 200 pessoas à sessão. Cidadãos humildes, que improvisaram faixas e cartazes, cotizaram-se para pagar passagens de ônibus e buscavam sensibilizar os vereadores para a precariedade de suas condições de habitação.


Depois da exposição do problema, os parlamentares iniciaram seus pronunciamentos. Cada representante de partido subia à tribuna e, dependendo de sua bandeira, acusava ou defendia o governo, fazia pronunciamentos calorosos, chamava o colega de demagogo, mostrava sua plataforma trabalho, ressuscitava escândalos e exigia réplicas, em uma seqüência que despertava manifestações públicas ora de vaias, ora de aplausos. Um verdadeiro show. Para alguns, até um circo.


Também é verdade que todos ofereceram seu apoio à causa e o máximo empenho em buscar uma solução emergencial para a vila. O fato que mais me chamou a atenção é que, durante quase 90 minutos, foi desenvolvido uma espécie de debate em que cada parlamentar justificava a ação de seu partido e aliados em prol da vila, acusando os demais de omissão, em um movimento exatamente igual a uma campanha eleitoral.


Não estou fazendo julgamentos, mas como mero observador (e como cidadão que vota) pude constatar muito discurso e pouca ação. Preocupação em autopromoção, justificativas e aplausos. O que não consegui ver nem sentir foi a união de esforços em torno de um objetivo comum, ou seja, o término dos alagamentos. Não sei como se sentiram os representantes da vila. Talvez tenham ficado satisfeitos, pois como na Roma antiga, assistiram a um grande espetáculo.


Ao final da sessão, tanto eu quanto meus convidados saímos com uma certeza: se os eleitores acompanhassem de perto as posições e iniciativas dos parlamentares que elegeram, teríamos um país mais sério, ético e acima de tudo, mais justo. A Câmara Municipal ainda está de certa forma mais próxima dos seus eleitores, mas imagine a Assembléia Legislativa, onde muitos dos que lá estão foram eleitos por pessoas do interior do estado, que jamais assistirão a uma sessão plenária em Porto Alegre. E o que dizer então dos deputados federais e senadores em Brasília? Talvez por este distanciamento, seja considerada uma Ilha da Fantasia.


E a vila? Provavelmente continuará com alagamentos quando vier a próxima chuva.
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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Nem todas as perguntas têm uma só resposta



Tudo começou com uma brincadeira entre amigos. Um perguntava e o outro respondia a primeira coisa que viesse à cabeça.



O que é felicidade? É fazer tudo aquilo que se tem vontade.
O que é liberdade? É fazer tudo aquilo que se tem vontade.
Para que serve o dinheiro? Para se fazer tudo aquilo que se tem vontade.




Agora se invertem as posições e é a vez do outro perguntar.


O que é felicidade? É não fazer nada que não se queira fazer.
O que é liberdade? É não ficar aprisionado a nada.
Para que serve o dinheiro? Para comprar liberdade e felicidade.


Não sei qual era o objetivo da brincadeira, mas algum dia, quando você menos esperar, também vai se ver envolvido com algumas perguntas. Por que estamos aqui? Para que serve a vida? O que é felicidade? Para onde vamos? Afinal, qual o sentido desta vida? Desde que o mundo é mundo estas indagações vagas e inespecíficas perseguem os homens. Como as respostas não são simples, surgiu a crença de que somente um seleto grupo de iluminados conhece este segredo e que nós, simples mortais, jamais poderemos alcançá-lo.

Filósofos, sábios, gurus e professores fazem o papel de guias ditando toda a sorte de estratégias, caminhos e técnicas para que possamos um dia nos aproximar das respostas. E na ânsia de encontrá-las imediatamente, utilizamos todos os recursos disponíveis, correndo em várias direções, até mesmo em círculos para poder encontrar um sentido para nossas vidas.

Acontece que para se compreender o sentido da vida, é preciso passar por aspectos mundanos do dia-a-dia. Coisas simples que às vezes nos fazem sentir como nos comerciais de margarina, com aquela família feliz e sorridente em volta de uma mesa e um cachorro amigo sentado no chão. Plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro ou um blog é apenas mais uma fórmula da sabedoria popular, não muito difícil de executar e que pode ser parte de um sentido na vida para alguns. Outros, ao invés da escrita de um único livro, consideram-se mais plenos através da leitura de vários autores. Outros mais, acreditam que é o sucesso quem traz na carona a felicidade e o sentido da vida. Amar, ajudar e prestar serviços aos demais também pode ser um sentido. Ter muitos amigos, fazer parte de um grupo, servir a Deus, criações artísticas, meditação... Não existe unanimidade, nem mesmo entre os sábios.

Nem sempre quando uma pergunta demanda várias respostas, uma delas precisa ser a correta. Pode-se conviver com todas, inclusive com a dúvida. Por que não? Existem várias maneiras pelas quais a vida pode ter sentido. Ao nos preocuparmos demais em encontrá-lo, corremos o risco de nos perder. O melhor a fazer é seguir em frente e levar uma vida que cremos valer a pena para nos tornarmos o que queremos ser. Felicidade, sucesso, realização, filhos, livros, dinheiro, amigos, amores, liberdade, religião, gurus, segredos podem cruzar o nosso caminho. Fazem parte do pacote da vida e podem ser apreciados sem preocupação de tê-los todos e para sempre.

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terça-feira, 11 de agosto de 2009

O que matou Michael Jackson?

Como anestesiologista, sinto-me a vontade para comentar o episódio da morte de Michael Jackson. Apesar de não saber exatamente o que aconteceu, isto não impede que a partir dos noticiários algumas conjecturas possam ser realizadas.

O medicamento Propofol, um dos envolvidos no processo, é um indutor do sono. Quando utilizado por via endovenosa tem inicio de ação imediato e pode ser utilizado para manter o paciente sedado por várias horas. Apresenta como vantagem em relação a outros hipnóticos o fato de apresentar um despertar muito rápido sem a sensação de sonolência ou amnésia.

Uma leitura superficial destas características pode atrair um cidadão estressado, viciado em ansiolíticos, com dificuldades para dormir a pensar neste medicamento como solução de seus problemas de insônia. Deitar na cama e imediatamente iniciar um sono ininterrupto de oito horas, acordando cheio de vitalidade é um luxo que muito poucos podem alcançar. Não se compra com dinheiro.

Mas Michael tentou comprar. Em sua mansão chamada “Neverland” – terra do nunca – com parque de diversões, lagos artificiais e não se sabe mais o quê, criou um quarto de dormir, onde recuperaria as energias através de medicação anestésica. Nada de muito estranho para quem mudou a cor da pele, utilizava máscaras anti-público...

Contratou a peso de ouro uma equipe médica e iniciou suas sessões de sonoterapia. Acontece que anestesia deve ser realizada em ambiente hospitalar e não em “Neverland”. Assim como Michael, muitos pacientes sonham, iludem-se e pagam com dinheiro e às vezes até com a própria vida por terapias alternativas milagrosas, que não funcionam nem mesmo na “terra do nunca”. Michael foi vitimado por sua insana tentativa de perfeição e auto-suficiência

Além de fazer dormir e acordar no horário planejado, o propofol apresenta vários efeitos colaterais, que podem ser fatais, tornando mandatória sua administração por médico com treinamento em anestesia ou terapia intensiva, além da disponibilização de recursos de monitorização continua e ressuscitação cardio-pulmonar.

Na intenção de estimular a qualidade dos serviços de saúde, foi criado um processo de certificação visando assegurar usuários, profissionais e público em geral que procedimentos possam ser realizados com a máxima segurança, eficiência, habilidade e excelência. Este selo de qualidade é a Acreditação Hospitalar, mas pelo fato de ser uma avaliação criteriosa, não obrigatória, e com custos elevados, faz com que nem todas as instituições busquem este indicador de confiabilidade, permitindo que ocorram eventualmente aberrações do tipo “Neverland”.


Provavelmente “Neverland” não atingiria o nível 1 de acreditação hospitalar, mínimo exigido para uma sedação com propofol. Mas a culpa não é somente dos pacientes e da falta de informação. Clinicas, hospitais e profissionais liberais também têm sua parcela de responsabilidade.

A eficácia de uma assistência hospitalar somente tem sentido quando o foco esta na atenção e valorização do paciente, através de medidas de humanização do atendimento e da adoção de critérios objetivos de segurança e gestão de recursos.


Descanse em paz Michael, enquanto por aqui continuaremos trabalhando por uma saúde mais digna e ética para todos.
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sexta-feira, 17 de julho de 2009

DIAS ÚTEIS PARA QUEM?

Seis horas da manhã. Toca o celular mostrando os compromissos do dia. Imploro ao despertador mais cinco minutos na cama. Quando o sono está quase retornando, outro alarme. Hora de levantar. A partir deste momento o tempo começa a correr. E corre contra mim. Banho em piloto automático, frio, inverno, café solúvel, micro-ondas. Garagem, porteiro eletrônico, lugar pra estacionar, parquímetro, onde estão as moedas? Elevador cheio, jornal, Michael Jackson, gripe suína. Telefone, reunião, faxineira, supermercado, eletricista, almoço com cliente, cafezinho, academia, celular, e-mail...

Benjamin Franklin criou uma das regras do capitalismo: “tempo é dinheiro” . A partir daí, passamos a nos preocupar em não desperdiçar tempo para produzir cada vez mais. E sem perceber, acabamos nos viciando. Cada dia surgem novas maneiras de “ganhar” tempo. Aprenda qualquer idioma em apenas trinta dias, emagreça sete quilos em uma semana, com apenas um toque... Versões compactas de livros, novelas e partidas de futebol. Macarrão instantâneo. Fast-food.

A sociedade valoriza quem trabalha e produz. Experimente dizer que não está fazendo nada, que imediatamente as pessoas demonstrarão uma imensa habilidade em arrumar algo para você fazer. Nem é preciso alguém lhe dizer, você mesmo se sentirá culpado.

Estamos viciados não só em trabalho, mas em arranjar algo para fazer com o tempo livre. Se não estamos trabalhando, temos que preencher o tempo com lazer. Cinema, festas, televisão, futebol, leitura, palavras cruzadas, torpedos, internet, clube, praia, serra. E passamos então a considerar estes raros momentos como válvulas de escape para o estresse. Acontece que como viciados, mesmo nestes supostos descansos mentais, permanecemos alertas e vigilantes. Não conseguimos sair de casa sem o celular e o computador. Precisamos estar conectados para alguma emergência, não esperamos nem o avião estacionar para religar o telefone celular.

Perdemos a capacidade de relaxar. Não temos mais o prazer da contemplação. Não podemos ficar sem nada para fazer. Esperar virou um palavrão. Mas afinal, o que é tão assustador em simplesmente não fazer nada por um tempo e se desligar do mundo exterior? Aparentemente ao nos mantermos sempre conectados, atualizados e ocupados não somente ficamos como também passamos adiante a ilusão de que temos a situação sob controle, e isto atenua nossa ansiedade.

Empresas da área tecnológica, percebendo o estresse gerado nos intervalos de tempo improdutivos tanto no trabalho como no lazer, criaram o conceito de “microboredom” – micro-tédio, onde novos produtos buscam preencher os vazios da ansiedade. Tédio não é uma coisa ruim. Faz bem deixar a mente viajar em pensamentos e emoções, em silêncio, sem se movimentar, sem horários, sem interrupções. Sem culpas e sem preocupações.

Não estou falando de ócio com objetivo criativo. É simplesmente ficar de bobeira mesmo. Um dos poucos luxos a que ainda podemos ter acesso. Passar um tempo desvinculado do mundo exterior para darmos uma chance de ficarmos por inteiro com a gente mesmo. Sentirmos, observarmos, percepcionarmos, despertarmos.

Não é fácil não fazer nada. Num primeiro momento pode surgir ansiedade e agitação. Pode-se até ficar muito cansado por nada fazer. Quer tentar? Deite no sofá e fique olhando para o ontem. Apenas dez minutos focados no passado. Não conseguiu? Experimente então não fazer nada quando estiver na fila do banco ou na sala de espera de um médico. Esqueça o celular, revistas, lista de tarefas. Fique só respirando e contemplando. Não conseguiu de novo? Tente então não fazer nada enquanto estiver de carona no carro de alguém. Não escute o rádio, não pegue o celular, não coma, não se olhe no espelho, não converse. Apenas observe a paisagem. Imagine agora o dia em que você conseguir fechar os olhos, bloquear tudo e permanecer calmo no meio do caos. Seja num dia agitado no escritório ou num dia chuvoso com as crianças trancadas em casa. Este é um privilégio que nem todos podem alcançar. Se conseguir, você vai adorar, pois é uma das poucas coisas que o dinheiro não pode comprar.
Em um mundo em que todos querem ganhar tempo para juntar dinheiro, finais de semana e madrugadas estão se transformando em horários de trabalho e muitos não sabem mais como é viver. Trabalham como se nunca fossem morrer. Não admitem uma parcela de tempo dedicada para nada. Esqueceram que foi justamente do nada que um dia surgiu a luz.

Quando foi a última vez que você passeou no parque às 15 horas? Sábado não vale. Estou falando de uma terça ou quarta feira. Um dia útil.

Dia útil para quem, afinal?


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sábado, 4 de julho de 2009

AS PESSOAS MELHORAM QUANDO PASSAMOS A GOSTAR DELAS

O frio, as feras, a fome, o medo encostaram os homens uns aos outros. Tornaram-se assim mais fortes e economizaram energia. Ao se aproximarem perceberam que não eram iguais, existiam diferenças. Não apenas físicas, mas também filosóficas. E por não tolerarem as diferenças, os homens passaram a se odiar e se matar. Disputavam as fêmeas, lutavam por comida, competiam pelo poder, assassinavam as crianças, praticavam canibalismo. Esqueceram do motivo que os uniu e passaram a ameaçar uns aos outros.

Nada os diferenciava dos animais até o dia em que foram estabelecidas regras de convivência para que a espécie tivesse continuidade. O marco da separação entre homens e animais e o inicio da civilização aconteceu quando os homens fizeram o acordo de proibir o homicídio como prática corrente. Somente sobreviveram aqueles que acataram este princípio básico; os outros exterminaram seu futuro, matando-se entre si..

O amor naturalmente leva à união. Os homens passaram a formar famílias, que se juntaram a outras famílias para formar uma família maior. Surgiram aldeias, vilas, cidades. Os homens escolheram se encostar novamente. Construíram edifícios e condomínios para economizar recursos, se proteger e ter uma convivência mais agradável.

Com a aproximação surgiu barulho no andar de cima, latido de cachorro na madrugada, carro mal estacionado, bêbados, lixo no corredor, crentes, políticos, prostitutas, velhos, crianças, gordos, magros, negros, brancos, amarelos, fumantes, maconheiros, enamorados...Mais uma vez as diferenças se tornaram visíveis, foram rotuladas como defeitos e passaram a incomodar.

Apartamentos cada vez menores, prédios colados em prédios, paredes de gesso cartonado, lavanderias coletivas, elevadores sempre cheios...Os homens passaram a viver perto uns dos outros, mas não se aproximaram. Pelo contrário, ficaram cada vez mais solitários. Esqueceram mais uma vez o motivo que os uniu e voltaram a ser rivais. No trânsito, no trabalho, no supermercado, na rua, no condomínio. Até na família alguns se sentem incomodados com as diferenças entre pais e filhos.

A vida moderna se organizou de modo a fazer com que a dependência dos outros seja a menor possível. Todos querem ter o seu carro, seu apartamento, seu computador, seu celular, para serem o mais independentes que puderem. Esta evolução levou a noção de que o futuro de cada indivíduo depende só dele. Não depende do vizinho, do próximo. No máximo a dependência é do patrão, do emprego. Aproximados por conveniência e afastados por egoísmo, alguns tem vida social somente na aparência. A tolerância com as diferenças não existe.

Acontece que os homens não foram programados para viver em isolamento. Dependem uns dos outros para levar uma vida sadia e feliz. Necessitam pertencer e ser aceitos pelo grupo. Como encontrar um grupo com harmonia de idéias? A vida moderna se encarregou de achar uma solução: internet. Comunidades de semelhantes são formadas, comunicam-se virtualmente e soluciona-se o problema de solidão.

E o problema do incêndio? Se a casa do vizinho estiver pegando fogo, a sua também corre perigo. Isto não é um jogo virtual, a fumaça já está dentro de seu apartamento. É melhor desligar o computador e pedir ajuda. De preferência para um vizinho, ou para o síndico.

Na vida real, não podemos ignorar vizinhos. Estão por toda a parte e não podemos escolher. A escolha que pode ser feita é viver em sociedade ou não, e viver em sociedade inclui conviver com diferenças. Alguns homens são melhores em certos aspectos, enquanto outros têm qualidades diferentes, e assim a sociedade se completa. Se os homens fossem iguais, as idéias seriam semelhantes e a solução dos problemas seria sempre a mesma, sem evolução da espécie.

O que fazer com as diferenças? Aproveitar o lado construtivo, entender o modo de ser do outro, ensinar e aprender coisas novas, dialogar, eliminar preconceitos, prevenir abusos. As pessoas melhoram depois que passamos a gostar delas. Isto se chama conviver, ou melhor, saber viver.
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sábado, 20 de junho de 2009

LIBERDADE É UMA ILUSÃO

A vida é feita de escolhas. Isso não é novidade alguma. Um time de futebol, um marido, uma mulher, um par de meias, um tomate no supermercado. Cuidar da saúde ou negligenciar. Ser leal ou trair. Escolher significa excluir, abrir mão de alguma coisa em detrimento de outra. Muitas vezes abdicar.

E a questão das escolhas começa a ficar mais crítica quando extrapolamos o cotidiano e vamos direto aos extremos: prisão e liberdade. Uma situação bastante comum é poder sair de casa e ir onde quiser, do modo que achar melhor, seja de carro, ônibus ou caminhando. O normal da vida é ter saúde e liberdade para se movimentar, mudar de rumo, trocar de condução.

Quando se perde a liberdade, junto vai o poder de decisão. Dependendo do grau desta perda, as escolhas ficam praticamente impossíveis. Já se perdeu tudo (ou quase) em função desta prisão. A prisão física nos impede de ir e vir. A doença também pode ser uma prisão e nos tirar o poder de locomoção e de escolha. Mas o que as pessoas prezam mais, liberdade ou saúde?

O que fazer com uma saúde de ferro na prisão?
De que adianta ser livre sem saúde?

Quando alguém tem sua liberdade cerceada, imediatamente lança mão de um advogado para que lhe restaure o direito de ir e vir. Entretanto, quando as pessoas tem sua saúde ameaçada, não procuram o médico com tanta urgência. Exercem sua liberdade de escolher entre procurar tratamento imediato, adiar a consulta ou até mesmo negar a doença. Será a liberdade mais valorizada?

Quando um presidiário está condenado à pena de morte e tem sua sentença revertida para prisão perpétua, advogado e apenado comemoram. Estar vivo vale mais que ser livre?

É importante lembrar que esta liberdade de escolha entre prevenir, tratar ou negligenciar doenças pode se transformar em uma armadilha, uma vez que se houver negligência e a doença evoluir, pode terminar por aprisionar o indivíduo. Da mesma forma, a liberdade de ir e vir pode acabar levando para a cadeia.

A dor que não passa é um alerta do corpo avisando que algo vai mal e nos obriga a reavaliar a saúde e procurar ajuda médica. Para o abuso de liberdade não existem sinais preventivos e nem sempre os excessos são percebidos. Alguns levam a vida de uma forma aparentemente normal, acreditando na esperteza, contando com a sorte e aprontando golpes de ilegalidade até o dia em que a dor aparece. A dor do bolso. Este é o lugar que geralmente as pessoas sentem e muitas vezes quem entra em cena como salvador não é mais o médico, mas sim o advogado. Dor no bolso dói mais que dor física?

Médicos pregam que doenças, quando controladas, nos fazem levar uma vida praticamente normal. O que é esse praticamente normal? Não fumar, não comer sal, não comer açúcar, não subir escadas, não cometer exageros...isto é normal?

Isto é liberdade?

Liberdade é uma palavra que rima e ao mesmo tempo se confunde com responsabilidade. E de quem é a responsabilidade se isso se confundir, se as noções de liberdade terminarem por aprisionar as pessoas? No fundo, cada um acaba por escolher até onde vai a sua liberdade, ou por outro lado, qual o tamanho da cela em que quer viver.

Afinal, vivemos mesmo em liberdade? Você preza mais sua saúde ou sua liberdade?
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terça-feira, 2 de junho de 2009

QUANTO CUSTA UM SONHO?

Quanto custa um sonho? Um real e cinquenta centavos.

Não, este não é o preço de um sonho de padaria. É o preço de sonhar acordado. O mais barato que encontrei. Um real e cinquenta centavos é a aposta mínima da mega sena. Cada vez que um cidadão compra um bilhete, além da probabilidade de ser sorteado e ganhar uma bolada em dinheiro, está comprando também alguns dias de sonho. Até o dia do sorteio, o sonho de ser milionário pode acontecer.

A chance de ser sorteado é uma em 50 milhões, mas isto não importa. O que vale é o sonho, e este não precisa terminar. Apostando um real e cinquenta centavos por semana o sonho e a esperança podem ser renovados e assim vai se levando a vida.

Existem sonhos que não custam nada. Acontecem enquanto se dorme, mas nem sempre são agradáveis. Por vezes acontecem pesadelos e o barato acaba custando caro. Além disto, em algum momento é preciso acordar, e então o sonho se perde, sem chances de renovação.

Sonhar é ótimo, dormindo ou acordado. O ser humano chegou até a lua porque um dia sonhou com isto. Alguns duvidaram que fosse possível, outros negam até hoje. Um grupo de abnegados acreditou na idéia, trabalhou duro e um dia chegou lá, fincou a bandeira, caminhou, tirou fotos e trouxe pedaços da lua. Não foi um sonho barato e jamais se perderá ou será esquecido.

Não ter pão para comer, desejar caviar e toda semana comprar sonhos de loteria é sonhar a vida. Sonhar em ser advogado, estudar, passar no vestibular, cursar a faculdade, se formar e exercer a profissão é viver o sonho.

A diferença entre sonhar a vida e viver o sonho pode ser simbolizada por um despertador emocional. Um aparelho que promova um despertar saudável mostrando que sonhos fáceis, baratos e sem necessidade de esforço podem ser irreais, frágeis, fugazes e com possibilidades de fracasso.

Sonhos caros e trabalhosos inicialmente podem parecer difíceis e até mesmo impossíveis, mas a persistência da busca os torna concretos, palpáveis, perenes e motivo de orgulho. Fisicamente não teremos condições de viver todos os sonhos e alguns terão que ser abandonados ou reformulados. Desistir ou trocar de sonho não é derrota. Milhares de homens e de anos foram necessários para construir o foguete que levou o primeiro homem a lua. O sonho e o trabalho de todos estes homens não foi em vão.

Lévy Hutchins em 1787 inventou o despertador físico, mas o projeto final ainda não está completo. O sonho do despertador emocional ainda cativa, impulsiona e mantém viva nos homens a esperança de um dia perceberem que somente acordando de um sonho é que se pode vivê-lo plenamente.

Quanto custa um sonho? Um real e cinquenta.

Quanto vale um sonho? Uma vida!
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sábado, 16 de maio de 2009

Tragédia vista de perto é uma desgraça. Distante é uma comédia.


Enquanto aguardava o sinal de trânsito trocar do vermelho para o verde fiquei observando bem lá na frente, um menino que fazia embaixadas com uma pequena bola de futebol. Foi um espetáculo de um ou dois minutos. Um verdadeiro show. O menino jogava como um profissional e tinha no máximo quinze anos de idade. Estava na esquina tentando ganhar algum dinheiro com suas habilidades, mas muito poucos deixavam alguma moeda como reconhecimento ou incentivo.

Pensei em quanto valia aquele espetáculo, retirei da carteira dez reais e entreguei ao menino. Poucas vezes vi uma expressão de tamanha alegria no rosto de alguém. Ele parecia não acreditar no que tinha recebido. O sinal trocou para o verde e tive que partir, mas ainda pude observar pelo espelho retrovisor os pulos de felicidade do garoto.

Não foi só o menino que ficou feliz. A alegria foi contagiosa e me contaminou. Nunca mais esqueci aquele rosto nem a sensação de satisfação e felicidade que o menino me passou. O bem que ele me causou certamente foi maior que o dinheiro que lhe proporcionei.

Alguns quarteirões adiante, um acidente de trânsito. Não era um espetáculo, mas o público era muito maior e mostrava mais interesse do que no show do menino.

Por que havia mais pessoas observando o acidente do que o show do menino? Tragédias chamam mais a atenção que alegrias?

Na Roma antiga, o governo promovia espetáculos como forma de manter os plebeus afastados das questões políticas e sociais. Era a famosa época do “Pão e Circo”. O povo não queria assistir cantores, bailarinos e equilibristas. Estádios lotavam para ver homens lutando entre si. No inicio as lutas tinham caráter religioso, mas com o passar do tempo, foram deixando o cunho sagrado e passaram a saciar somente os prazeres de quem as assistia. Não se sabia quem sairia vencedor, o importante era haver bastante sangue pelo chão. As cerimônias nunca deixaram de ser cumpridas, mas já não eram mais compreendidas. Por que o povo preferia assistir lutas?

Não tenho claras as respostas, mas observo que a televisão aberta aproveita esta linha de conduta para mostrar em seus telejornais seqüências de acidentes, enchentes, incêndios, assassinatos.

Tragédias dão muita audiência. Seqüestros têm o poder de atrair câmeras e mantê-las ligadas até o seu final, prendendo ao mesmo tempo vítimas e telespectadores. Qual o fascínio em presenciar dores, espancamentos, lágrimas e sangue? Comparar as dores e ver que os outros estão em pior situação? Alimentar uma agressividade contida?

Emoções contaminam. O sorriso de um bebê enche a casa de alegria, o choro deste mesmo bebê desencadeia uma choradeira coletiva no berçário. O bocejo de um entediado logo fará o outro bocejar. Gritos de raiva podem irritar os interlocutores. A felicidade do menino da esquina logo se estampou em meu rosto. A desgraça e o sofrimento dos outros deveriam contaminar os que a acompanham, mas não é isto que está acontecendo.

Ao invés do sofrimento das vitimas servir como espelho e refletir no espectador, criou-se um abismo entre os dois. A dor do outro não sensibiliza mais; serve apenas de alimento para o egoísmo emocional. A solidariedade demonstrada é apenas com doações materiais. Existem exceções, mas a semelhança de Roma onde o caráter religioso das lutas foi aos poucos sendo esquecido, a dor das vítimas parece também estar sendo ignorada em prol da audiência cada vez maior de tragédias.

Com a televisão, o circo romano voltou mais forte. Agora entra direto nas casas do povo, e a atração principal permanece sendo o sangue. Se o desgraça alheia transmite sofrimento, por que as pessoas não trocam de canal? Por que ficam olhando?

A verdadeira tragédia é o descaso com o sofrimento alheio. Mais de dois mil anos se passaram e a crueldade humana ao invés de ser educada e tratada, continua a ser alimentada. Partindo do pressuposto que o povo goste de assistir desgraças, como noticiar insensivelmente a amputação dos braços de um bebê em Serra Leoa, realizada por mercenários em punição ao pai que se recusou a entregar algumas pepitas de ouro e, em seguida, desejar boa noite aos ouvintes?

A resposta é simples. Mostrar futebol e alguns gols logo após as desgraças, misturando emoções na cabeça do povo. A consciência fica mais tranqüila, a dor é sublimada e quem sabe pode se ter até uma boa noite de sono. Algo vai mal. De um lado e de outro da telinha.
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segunda-feira, 4 de maio de 2009

A TROCA DO INSUBSTITUÍVEL




Durante vinte e cinco anos André trabalhou na mesma empresa. Começou como faxineiro e foi sendo promovido até alcançar o cargo de gerente executivo. Dedicou corpo e alma ao trabalho, conhecia com detalhes todos os setores. A empresa era seu lar. Um belo dia, ao entrar em sua sala, recebe a noticia de que foi demitido. Substituido por um funcionário mais jovem, mais graduado e menos oneroso para a empresa. Esta não é uma história rara, pelo contrário, está cada dia mais frequente.

André ficou muito magoado e porque não dizer, decepcionado. Gostaria de ser considerado uma pessoa especial e não ser trocado por um “alguém” qualquer. Com que direito André pode ficar contrariado e se achar insubstituível? Afinal de contas, pessoas são ou não são insubstituíveis?

Acredito que cada ser humano trabalhe e conviva com suas características únicas e especiais, e na impossibilidade ou ausência do mesmo, uma reposição possa ser feita para que outro ocupe o seu lugar. Não se trata de substituição, mas de ocupar o lugar deixado vago. Todos somos insubstituíveis. Quem sabe o outro possa trabalhar e se relacionar de uma maneira diferente e até mesmo mais eficiente, mas não será uma substituição. Peças podem ser substituidas por outras iguais, seres humanos por serem tão diferentes entre si, por envolverem sentimentos, podem ser trocados, jamais substituidos. Deixarão saudades ou não, mas sua troca não será uma simples reposição.

Tudo isto pode ser apenas um jogo de palavras, mas a verdade é que no íntimo sonhamos com a possibilidade de sermos únicos, especiais e insubstituíveis. Antoine de Saint Exupéry em sua fábula “O Pequeno Príncipe” fala da idéia de formar laços, cativar. Dizia a raposa : Tu não és para mim senão um garoto inteligente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidades de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...

Não importa quem será o substituto, a dor é por saber que não somos imprescindíveis. Que por mais e melhor que possamos ser ou fazer, um dia sairemos do palco, e o show vai continuar. O incômodo pela troca nada mais é do que uma demonstração de amor. Amor próprio e amor pelo palco que um dia vamos ter que deixar, seja porque nos mandaram sair ou porque um dia vamos morrer. No caso de André, amor pela empresa também.


A empresa faltou com fidelidade ao demitir o funcionário André? Fidelidade é a capacidade de conservar, manter ou preservar as características originais, ou seja, manter as referências. Exemplos: fidelidade conjugal consiste na manutenção dos votos realizados por ocasião da união, fidelidade partidária envolve adesão a ideais politicos, traduções fidedignas mantem exatamente o texto original...Fornecedor e cliente também podem manter relações de fidelidade. O que seria fidelidade empresarial?

Vivemos em constante mudança. A mudança não só é necessária à vida; ela é a própria vida. É difícil manter um equilibrio entre ser fiel e conservar referências originais de um lado e acompanhar as mudanças essenciais à vida e ao mercado de trabalho de outro. Mudanças não acontecem com a mesma velocidade para todos. Como ser fiel e mudar ao mesmo tempo?

O equilibrio da vida é dinâmico. O grande desafio é mudar e ainda assim ser fiel. Uma banda de rockeiros cabeludos dos anos 80 pode continuar tocando o mesmo estilo musical e decidir raspar a cabeça. Os cabelos mudaram, mas a voz e a musica permanecem as mesmas. Desde que as referências originais sejam claras e haja acordo na mudança, a fidelidade estará mantida.

Talvez a dificuldade esteja nas entrelinhas, no que nunca foi questionado, naquilo que não foi conversado, mas que se acredita esteja muito bem esclarecido. Quando eventualmente as expectativas não se realizam, aparecem mágoas, acusações, decepções. Papéis e expectativas precisam estar muito claros para todos. Talvez as mudanças tenham acontecido na empresa e André não tenha acompanhado. Em outros casos são os funcionários que mudam e a empresa permanece estagnada. Mudança não significa infidelidade. A infidelidade acontece quando só um lado muda. Se ambos mudarem juntos, a fidelidade se preserva e em muitos casos, ser fiel é mudar.

Houve falha? Quem falhou? A empresa ou André?
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

A diferença é um Universo




1) Um consultório é como uma pequena empresa. Quais são as principais características e diferenças que devem ser observadas?

Para gerenciar e conduzir bem um consultório, não basta ser um excelente médico, é necessário assumir também uma posição de empresário, controlando todas as atividades que envolvam o dia-a-dia. Fluxo de caixa, qualidade do atendimento, divulgação, informática, enfim. Esta não é uma tarefa fácil, principalmente para o médico que teve sua formação acadêmica direcionada para diagnosticar e tratar doenças.

Na ânsia de se tornar competitivo podem ocorrer estratégias equivocadas que envolvam justamente a negação de todo o aprendizado médico. Um dos erros mais clássicos é confundir paciente com cliente. Desde o estacionamento até a porta de entrada da sala do médico, o consultório deve ser encarado como uma empresa. Dali para a frente a relação deve ser outra.

2) Para o médico é difícil ver o consultório como uma empresa, até por faltar esta informação. Esta idéia mudou nos últimos anos? Quais os prejuízos desta falta de informação?

O cenário da saúde mudou. Há uma competição acirrada entre profissionais, hospitais e planos de saúde. A medicina, em muitos casos já é encarada como um negócio, mas alguns médicos ainda tem restrições e resistem à mudanças, pois acreditam que a fórmula tradicional de atendimento médico à moda antiga inspira mais confiança e que em time que está ganhando não se deve mexer. Algumas tendências indicam os novos rumos da medicina e não podem ser ignoradas:
- pacientes não são mais resignados, exigem conhecimento, qualidade e segurança
- informações estão disponíveis e pacientes raramente chegam desinformados à consulta
- erros médicos não terminam com pedido de desculpas, mas em tribunais
- o paciente é a parte mais importante do binômio médico-paciente
- praticamente todos os pacientes possuem algum tipo de seguro saúde, tornando-se raros os pacientes ditos particulares.
- pacientes não pagam pela consulta, pagam pelo atendimento de suas necessidades.
- pacientes em certo grau, devem ser tratados como clientes, ou seja, sempre tem razão.
- o que um médico tem em comum com outro médico é a medicina, o que os diferencia é um universo. Este universo de alternativas pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso profissional.


3) Qual é o primeiro passo para quem deseja ter seu próprio consultório? Quais são os principais requisitos que essa pessoa deve possuir?

Ao terminar a residência médica, o profissional anseia por iniciar a produzir, apressando-se em alugar um consultório, contratar uma secretária, conseguir um emprego e credenciar-se em vários planos de saúde. Sem orientação, sem planejamento e sem conhecimento do mercado de trabalho.



Planejamento é o primeiro passo e os pré-requisitos fundamentais são formação acadêmica bem estruturada, percepção das necessidades dos pacientes, empatia e paciência, pois um início de vida profissional apressado e sem planejamento pode fazer com que a carreira médica seja direcionada em um sentido difícil de correção.


4) Quais são os principais erros cometidos no gerenciamento de um consultório? Como eles podem ser evitados?

Falta de organização e de planejamento estratégico, tanto por desconhecimento como por terceirização destas tarefas para funcionários despreparados. Um bom inicio de carreira pode ser a identificação e segmentação do mercado-alvo, que por sua vez vai auxiliar a definir localização e estrutura ideais do consultório, estratégias de marketing, formação de imagem pessoal e da marca da empresa.


Organização também é fundamental desde o inicio, pois envolve a agenda do médico, registro de pacientes, fluxograma de caixa, contratos, pesquisa de satisfação de atendimento, cálculo do preço da consulta.
Processo de seleção de funcionários tem importância vital dentro de qualquer empresa e devem ser evitadas contratações por amizade, parentesco ou necessidade.




5) Quais são as características de um bom funcionário que possa fazer o consultório crescer? Como o médico pode contornar esse obstáculo se este funcionário não tiver estas características?

A doença é sempre inesperada e mal recebida. Ao procurar auxílio médico o paciente encontra-se fragilizado e que ter seu problema resolvido, embora isto não o isente de avaliar a qualidade do atendimento. Ele precisa perceber se foi buscar ajuda no lugar certo, e a impressão que a secretária transmitir, será igualmente a imagem que ele terá da clinica.


Cursos e treinamentos podem ser oferecidos aos funcionários, que devem sentir-se valorizados, bem remunerados e participantes de uma equipe que trabalha em harmonia e confiança mútua.


Um provérbio chinês diz “quem não sabe sorrir, não deve abrir uma loja”. Assim sendo, são condições fundamentais para trabalhar na área de saúde: gostar de trabalhar com o público, facilidade de comunicação, educação e bom senso, cuidado com a aparência, cursos mínimos de secretariado e informática, dinamismo, empatia, responsabilidade e organização.


6)Há muitos casos em que o médico fica com uma secretária por anos. Porém, nem sempre o trabalho dela é satisfatório e o médico tem receio de demiti-la. Este tema é um tabu? Como o médico deve enfrentar esta situação?

Em alguns casos, a secretária faz o trabalho de telefonista, amiga e até confidente com muita eficiência, porém deixa a desejar nas funções para a qual foi admitida e o médico envolvido nesta trama, não tem como demiti-la, chegando por vezes a contratar outra secretária e mantendo a confidente apenas por receio de complicações.


A profilaxia é a melhor conduta. Profissionalismo aliado à ética evitam que estas situações aconteçam. Implantação de protocolos bem definidos das tarefas de cada membro da equipe, avaliações periódicas de resultados e objetivos atingidos podem auxiliar no processo de desligamento de funcionários ineficientes.


7) Inovação é a palavra-chave de alguns artigos do senhor. Entretanto, muitos profissionais temem a realização de inovações, com receio de afastar clientes – que no caso são pacientes. Como isso deve ser contornado?

A maior dificuldade não é fazer com que as pessoas aceitem novas idéias, mas sim faze-las esquecer a velhas. São necessários seis anos de faculdade, mais três anos de residência para se tornar um médico. A cada cinco novos anos, metade do conhecimento médico é renovada. Como não pensar em inovação?


Pacientes estão inovando, tecnologias são desenvolvidos em tempo recorde, a qualidade dos serviços está melhorando, a informação cada vez mais disponível, concorrência global se aquecendo, como não pensar em inovação?


Em breve quem não inovar será transformado em commodity e a arte e inovação na medicina será justamente conseguir fazer o comum (diagnosticar, tratar doenças e cuidar de pacientes) de forma incomum.


Entrevista concedida a Revista DOC – Gestão em Saúde, março/abril 2009-
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terça-feira, 31 de março de 2009

Como dizia Roberto Carlos, São tantas emoções...

Emoção e sentimento não são sinônimos. Pelo contrário, são processos muito diferentes. O que sentiu ao ver seu filho dar os primeiros passos? Qual foi a emoção? Talvez seja difícil exprimir em palavras.

Emoção pode ser definida como um impulso nervoso que provoca um conjunto de reações psico-fisiológicas. Chorar, tremer, transpirar, vomitar, corar, fugir, sorrir, gritar, desmaiar, coração disparar... Independem da vontade, geralmente são de curta duração e muita intensidade, sendo difícil de esconder, pois apresentam manifestações externas e públicas. Podem jorrar a qualquer momento, sofrendo grande influência dos instintos e da não racionalidade.

Sentimento já é algo mais elaborado; envolve racionalização, livre-arbítrio, espiritualidade, bom senso. É a reação que não entendemos (emoção), sendo integrada ao nosso ser. Uma emoção madura. Diferente das emoções, sentimentos são privados; os outros só ficam sabendo se existir o desejo de partilhá-los. Amor, paz, alegria, medo, tristeza, esperança, orgulho...

Imagine o corpo humano envolvido por uma membrana impermeável. Somente palavras e emoções poderiam penetrar em seu interior e ali sofreriam transformações.

A emoção/palavra que conseguir penetrar no interior do corpo e ser integrada, ou no mínimo percebida e interpretada, transforma-se em sentimento. A emoção que penetrar e não for sentida, será apenas uma emoção, e deixará como lembrança a dramatização ocorrida do lado de fora. A palavra que não for sentida pode ser intelectualizada sob a forma de pensamento ou também ficar diluída, pelo menos a nível consciente. Assim, teríamos no interior do corpo pensamentos e sentimentos, e do lado de fora, emoções e palavras.

Há um incontável número de coisas que acontecem e são confundidas ora com sentimento, ora com emoção e ora com palavras. Pessoas que não conseguem demonstrar emoções podem ser acusadas de ausência de sentimentos e pessoas muito emotivas podem ser interpretadas como sensíveis. Isto nem sempre é verdadeiro, pode causar constrangimentos afetivos, guerras e até mesmo separações.

O que realmente expressamos para nós mesmos e para o mundo? Emoções? Sentimentos? Palavras?

Comecemos pelas palavras. Por melhor que seja a intenção, dizer não é o mesmo que sentir. Ao dizer, altera-se o que se sente. Só o estar sofrendo diz o que é sofrer. Além disto, com palavras pode-se mentir, dissimular...

Emoções podem demonstrar sentimentos, mas como saber se aquelas lágrimas são a via de saída de um sentimento ou apenas o processo de entrada para o interior do corpo?

Nem sempre sentimos o que queríamos sentir ou o que os outros esperavam que sentíssemos. Agarramo-nos então a padrões sentimentais pré-estabelecidos (despedida-choro, falecimento-tristeza) que nos deixam confusos, isolados, sem palavras ou emoções, e às vezes, alienados da realidade.

Como as emoções, sentimentos também fogem de nosso controle, com a diferença de que não são fugazes, ficam no interior de nossos corpos remoendo, marcando, lembrando.

Amor é sentimento; paixão é emoção. Na paixão estamos presos, somos ruidosos, ansiosos, ciumentos, febris, egoístas, inseguros. O amor liberta, desprende, traz paz. Ao contrário do que muitos pensam, amor não mata; a paixão é que pode matar.

Alegria é um sentimento, euforia e gargalhadas são emoções. Medo é um sentimento, pânico e desespero são emoções. Raiva é um sentimento, ódio é uma emoção.

Emoções são instintivas. Palavras podem ser racionais demais. Sentimentos podem ser o ponto de equilíbrio.

Palavras não controlam desequilíbrio emocional, não funcionam na irracionalidade. Sentimentos têm esta força. Amparam, acodem e podem até transformar mágoa em alegria, pavor em coragem e ódio em amor.

No clamor das emoções e das palavras se fazem as guerras, no discernimento dos sentimentos é que se busca a paz.

Como encontrar e acessar os sentimentos? Fácil! Estão no mesmo lugar desde que nascemos. Sentimentos são internos. Estão lá dentro de nossos corpos, esperando para crescer e amadurecer.

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
entre a verdadeira e a errada

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar

Fernando Pessoa

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sexta-feira, 20 de março de 2009

SE ARREPENDIMENTO MATASSE...

Se pudéssemos voltar atrás no tempo e nascer de novo, repetiríamos as mesmas escolhas? Casaríamos com a mesma pessoa? Teríamos a mesma profissão? Faríamos aquele telefonema? Rejeitaríamos aquele beijo? Diríamos aquela frase? Calaríamos? Prenderíamos aquelas lágrimas?

Pensaríamos mais antes de cometer certos erros ou não nos importaríamos tanto com eles? Trocaríamos sonhos por uma vida mais segura?

Caso suas respostas sejam no sentido de repetir e manter tudo igualzinho, ótimo para você. Se pensar em mudar algo, por que ainda não o fez? O que está esperando?

Nem sempre é possível voltar atrás e tentar reverter uma situação. Às vezes o dano é irreversível e não resta mais tempo para correção. Surge então aquilo que chamamos de arrependimento. E mais, podemos nos arrepender daquilo que fizemos e também daquilo que deixamos de fazer. Do que foi feito sem pensar e das oportunidades que foram perdidas por pensar demais.

Arrependimento pressupõe sensibilização e surgimento de dois elementos: tese e emoção. A tese é sempre a mesma: convicção do erro. A variante está na emoção, que pode alternar entre vergonha, culpa, raiva, depressão e remorso, Mas arrependimento não é um fenômeno estático; pelo contrário, arrependimento quer dizer mudança de atitude, ou melhor, atitude oposta àquela tomada anteriormente.

Um simples pedido de desculpas não configura um arrependimento verdadeiro. Entre a tese do arrependimento, a emoção gerada e a tomada de atitude contrária existe um longo e penoso caminho a ser transposto. O remorso, por exemplo, é um sentimento onde a pessoa que o sofre inflige a si mesma algum tipo de castigo apenas para tentar se esquivar de uma punição mais severa advinda do meio social. Não envolve arrependimento verdadeiro nem atitude contrária. Vergonha, raiva, culpa, depressão também não tem sentido se não levarem a mudança de atitude.

Uma velha expressão popular diz “se arrependimento matasse...”. Acontece que arrependimento mata, se chegar atrasado. Dependendo do tempo transcorrido entre a convicção do erro e a possibilidade da atitude contrária o desastre pode ser fatal.

Podemos por um minuto dizer que não mais amamos, nos arrependermos nos próximos quinze minutos e sermos infelizes pelo resto da vida.

Arrependimento não é desonra nem humilhação. É sinal de caráter, bom senso, humildade. Errar é humano e inevitável. A sabedoria está no reconhecimento do erro, arrependimento e atitude para corrigi-lo. O futuro está na brevidade de tempo até que a ação corretiva aconteça. A graça ou desgraça desta vida está justamente na conseqüência dos atos e sua possibilidade ou não de reversão.
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