terça-feira, 11 de julho de 2017

A serpente que nos seduz/conduz/traduz

      Eva era uma mulher metódica e compulsiva, para ela as coisas deveriam ser pretas ou brancas, oito ou oitenta. Não havia meio termo. As pessoas eram solteiras ou casadas, amigos ou namorados. Ignorava situações como “ficante”, “peguete” ou “amizade colorida”, que seriam representadas pela cor cinza. Para ela, cinza era uma mistura de cores, uma situação indefinida, uma transição para o autêntico. Nada a ver. As situações da vida precisavam ter cor definida, rótulo e se possível, carimbo de autenticação. Preto ou branco, solteiro ou casado, amor ou nada.
 
      Conheceu Adão em uma festa, trocaram telefones, conversaram bastante durante três semanas, sentiram vontade de se ver mais uma vez e marcaram um encontro para a sexta feira seguinte. Gostaram tanto um do outro, que combinaram  sair de novo no sábado. No domingo, beijaram-se. Ao se despedir, no portão de casa, Eva perguntou se estavam namorando, pois para ela, amigos não se beijam. Preto era sinônimo de amigo e branco significava namorado.
 
     Adão, surpreso com a cobrança, argumentou que ainda estavam se conhecendo, já considerava Eva mais que uma amiga, porém menos que uma namorada. Era muito cedo para assumirem um namoro. Eva ficou confusa, pois não conhecia aquela cor, era um cinza muito escuro, quase preto. Perdeu até a vontade de beijar. Comunicou que diante do exposto, seriam apenas bons amigos virtuais, não trocariam mais carinhos e retornou para seu branco existencial.