Estamos casados há três anos. Sou
design de interiores e meu marido trabalha com organização de grandes eventos
(shows em ginásios e estádios). Não temos filhos. Nossa rotina, até bem pouco
tempo, era acordar cedo, enquanto um
tomava banho o outro preparava a mesa do café, saboreávamos juntos e em seguida, cada um
partia para seu trabalho. Encontrávamos-nos à noite e sempre inventávamos algo
diferente pra fazer. Nossa vida era maravilhosa, praticamente ainda estávamos
em lua de mel, mas, como nada dura para sempre, surgiu esta pandemia do
coronavirus e estragou tudo, nossa vida virou de ponta cabeça.
Eventos com aglomeração de
pessoas foram cancelados por tempo indeterminado e sem previsão de retorno das
atividades. Com isto, cessaram todas as rendas de meu marido e os afazeres profissionais
também. Vivia em reuniões, ensaios, apresentações, viagens, o telefone não
parava de tocar; agora, os negócios estão parados e ele paralisado. Com medo de
se contaminar pelo vírus, fica trancado em nosso apartamento esperando por dias
melhores.
Eu também. Meu trabalho como
design já estava andando devagar, agora estacionou de vez. Quem vai pensar em
investir na decoração da casa ou do escritório numa hora destas? Não tenho
emprego, trabalho como profissional liberal e meus ganhos e compromissos também
zeraram. Possuímos algumas economias guardadas que podem nos sustentar por um
bom tempo, mas este não é o problema maior.
Estamos confinados dia e noite há
mais de noventa dias num apartamento de cento e vinte metros quadrados. Conhecia
meu marido como um empresário bem sucedido, ativo, alegre, romântico,
carinhoso, autoestima elevada, sempre com projetos novos para o futuro, rodeado
de amigos e familiares. Aos poucos ele foi mudando, se transformando e já não é
mais o homem pelo qual me apaixonei. Pensando bem, nem posso dizer que foi aos
poucos, esta metamorfose toda aconteceu em menos de dois meses.
Também devo ter mudado, e
provavelmente pra pior. Não me arrumo como antes, briguei com o espelho, com o
cabeleireiro, com a depiladora. Briguei também com o aspirador e a pia da cozinha.
Devo estar meio depressiva, não tenho vontade de conversar, cansei de assistir
noticiários, lives e filmes na TV. Tenho muito sono, choro escondida no
banheiro, estou me achando uma gorda. Não tenho ânimo pra nada. E pra piorar, desconto minhas angustias em
quem está mais próximo, ou seja, no coitado do marido, e ele devolve descarregando
toda sua ansiedade e insegurança em mim.
Estou com medo do que pode
acontecer conosco. Já não brigamos mais, não discutimos, mas também quase não
estamos nos falando. Prefiro ficar zapeando algo no celular que falar com ele,
não temos mais assunto pra conversar. Tem dias que me odeio, porque sinto que
estou boicotando a relação. Fazemos as refeições juntos, olho para ele, mas não
consigo encarar, não sinto mais aquela admiração. Sexo nem pensar. Sessenta
dias no seco. Acredito que a falta de desejo seja mútua, porque ele também não
me procura e nem toca no assunto.
Às vezes comparo nossa situação
com o Big Brother, programa onde as pessoas são obrigadas a conviver num
ambiente restrito. No inicio tudo é festa, mas depois de um tempo a
hiperconvivência inevitavelmente gera conflitos, nervos ficam à flor da pele,
emoções aumentam de intensidade e não é preciso muita coisa para explodir uma
revolução conjugal. Sinto-me ameaçada tanto pelo vírus quanto pelo desamor, não
sei qual o mais impiedoso. Marido deve estar sentindo o mesmo, e o pano de
fundo de nossas emoções é o desamparo, a solidão acompanhada.
Não posso dizer que a situação
esteja desesperadora ou insustentável, mas nenhum dos dois está confortável. Não
era assim que imaginava um casamento. Talvez nossos silêncios estejam
conversando em silêncio, talvez o emudecimento seja nossa forma de externar o
medo do amanhã. Tomar uma medida drástica neste momento pode trazer sérias
consequências e arrependimentos, especialmente porque a quarentena é uma
situação artificial, imposta contra nossa vontade. Tenho muito claro que não é
uma condição perene, mas temporária e com prazo de validade de no máximo mais
um ano. Renato Russo já cantava “é preciso amar as pessoas como se não houvesse
amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há”. Quem sabe?
Assim como num par de meses
viramos mutantes, podemos reverter a situação mais rápido ainda quando
traduzirmos nossos silêncios, quando
conseguirmos nos adaptar ao novo normal ou quando quisermos voltar a nos amar.
O mais difícil foi termos nos
encontrado nesta vida. Levamos décadas para nos achar, não é justo que alguns
meses de confinamento nos separem. Quando todos falam em distanciamento físico,
o que sinto é um distanciamento emocional. Tenho um abraço outrora querido e
amoroso a centímetros de distância e não o acolho nem resgato. Tenho todo o
tempo do mundo para expressar meus sentimentos, mas covardemente os sonego. Tenho
a oportunidade de pela primeira vez amar sem olhar para o relógio e desperdiço.
O que é que há? O que é que está se passando com esta cabeça? E com este
coração?
A culpa disto tudo não é do
vírus, minha, dele, do governo ou da quarentena. A culpa é de todos e de
ninguém. Apesar de estarmos dentro de nosso lar, fomos expulsos de nossa zona
de conforto e não sabemos ainda como lidar com isso. Estamos perdidos, precisamos
nos reinventar e nenhum manual de sobrevivência disponível é confiável. Quero
voltar a acreditar em nós dois. Quando não há o presente, lembrar o passado
pode ser o atalho para um amanhã melhor. O amor só acaba quando um dos dois não tem
mais força para pegar o coração do outro no colo. Quero ter forças. Não está
sendo fácil, mas vamos ficar bem. Vai passar.
Trilha sonora recomendada para
escutar durante ou após a leitura: O que é que há – Fábio Jr.
O que vai na alma de cada um e em seus silêncios? Poderíamos pensar que alguns vivem numa possível representação de final de tarde, ou em agendamentos existenciais, ou em possíveis armadilhas conceituais? Como saber se a ausência do comprometimento profissional poderia romper tal tranquilidade, assim como, das incertezas de dias vindouros? Como saber se tudo isso não seria a verdadeira solidão assistida.
ResponderExcluir...Trilha sonora recomendada para escutar durante ou após a leitura: O que é que há – Fábio Jr.
ExcluirEstou apreciando depois da leitura, serviu para questionar a mim mesma. No mínimo inspiradora para tempos de reflexões profundas.
Dr Ildo
ResponderExcluirNão é minha realidade, mas é a de muitos casais que estão se perdendo, tão próximos e tão distantes.
Muito bom! Parabéns!
Adoro estes artigos!
Abraços
Na real só ela está acreditando em resgatar o casamento.
ResponderExcluirEle já está pelo Tinder, preparando-se para cair fora quando passar o vírus.
Mulheres mulheres tão cheias de ilusões!
Conversem mais com amigos.
Quando esfria..ja era.
Conselho: não se humilhem
Ricardo
A vida está difícil na quarentena, precisa amar muito para aguentar.
ResponderExcluirA falta de dinheiro, o excesso de tempo juntos, filhos, medos, faxina da casa, louça e mais louça, raiz do cabelo branca, tanta coisa...e não venha me falar que tudo são flores!
Alguns casamentos de aparência não vão resistir, em compensação, alguns casamentos se fortalecerão. E a quarentena não será a responsável. O casal tem esta responsabilidade, e nem é com o parceiro, é consigo mesmo. Não se prometeram viver juntos? Então a hora é agora. Aguentem, aproveitem ou caiam fora.
ResponderExcluirO assunto do momento divórcios na quarentena.
ResponderExcluirO relacionamento já não ia bem, como cada um passava muito tempo fora até dava para ir levando, verdade seja dita por muito tempo empurramos o casamento, comodidade, segurança (falsa) e vamos indo...assim é no casamento ou mesmo em alguns namoros.
Começar tudo de novo, e se não achar ninguém, a idade pesa, e se ele achar primeiro... assim vamos levando.
Levando sozinha(o).
Vida bem infeliz!
Infelizes os que não tem coragem de recomeçar, de encerrar um ciclo.
Vale a pena tentar, vale, mas tudo tem limite no relacionamento!
Cristina
Belo texto.
ResponderExcluirMuitas conhecidas estão passando por está situação. Não aguentam mais ver a cara do marido e ao mesmo tempo investiram tanto que precisam aguentar, e a esta hora do campeonato terminar o relacionamento e depois ver ele casado com uma bela e jovem mulher...
Eu aconselho: aguenta
E ao mesmo tempo penso comigo cada um sabe onde aperta o sapato.
A pandemia é uma ótima desculpa para dar um chega para lá no outro.
ResponderExcluirVocê aproveita vai se afastando, diz para o outro que está isolada. Completamente isolada.
Que não vê ninguém. Só você mesma no espelho.
Boa né kkk se ele não entender manda um desenho.
Rutinha
Show de bola!
ResponderExcluirSempre pensei em passar um tempo com meu companheiro, assim nós dois em casa, teríamos tempo para nós curtimos ao máximo. My God! Não aguento mais, e acho que ele também não me aguenta. Não temos mais assunto, transar..prefiro roncar, estamos nos distanciando. Vamos ver quando tudo passar e cada um sair cedo para o trabalho. Sinceramente, não sei o que quero.
ResponderExcluirFabiane
Bacana o pessoal contando sobre seus relacionamento na reclusão. Moro sozinha. Acredito:
ResponderExcluirNem por você
Nem por ninguém
Eu me desfaço
Dos meus planos
Quero saber bem mais
Que os meus 20 e poucos anos
Agora aos 64 anos! Estou bem comigo mesma.
Por dias melhores.
O importante é acreditar que o Amor supera o Covid19! As dificuldades são muitas. Nao é fácil!
ResponderExcluirOhhh gostaria de ter um companheiro em casa para me cansar. Em Todos os sentidos!
ResponderExcluirEu escuto os sinais que o meu corpo envia.
ResponderExcluirO tempo todo, ele tenta me fazer perceber quando é hora de parar, de dar um tempo, de refletir, de cair fora. As coisas podem não dar certo. E está tudo bem. Vou ficar bem.
Percebi na quarentena: tem gente que só me procura por interesse próprio.
Tem gente que não consegue gostar de ninguém, nem de si mesmo.
Tem gente que só vai me enxergar quando estiver sozinho, sem opção.
Preciso ser fortes o bastante para não fazer papel de estepe.
Sou cheia de qualidades que merecem ser compartilhadas com quem me prioriza em sua vida.
Uma lição de vida Sr COVID19
Muito Bem! E viva ao Amor Próprio e a Valorização!
ExcluirSonia
Parece loucura mas eu e meu namorado resolvemos cada um ficar num quarto em home office durante o dia.
ResponderExcluirNao almoçamos juntos.
Jantamos juntos, assistimos um filme, tomamos banho juntos e um bom vinho.
Acordo antes tomo café e home office .
Sobreviveremos juntos.
O que mais pega no relacionamento é a indiferença, e na quarentena é gritante.
ResponderExcluirJuntos na mesma casa ou cada um na sua.
Eu penso o que vou fazer da minha vida quando a tempestade passar??? Vou pensar quem vou abraçar!
Somos um
ResponderExcluirMas não somos os mesmos
Temos que carregar um ao outro
Carregar um ao outro
Assim me sinto com meu marido na reclusão, sábio Bono Vox (One)
Solange
Amiga, se você quer uma companhia na quarentena que te entenda, fique ao teu lado assistindo filmes na TV, te ame do jeito que você é, não reclame se você está feia, gorda, TPM, faça longas caminhadas com você e viva ao teu redor te lambendo, adote um cachorrinho.
ResponderExcluirInfelizmente estamos passando por muitas restrições.
ResponderExcluirA última pessoa que lembro é meu marido.
Tenho tanta saudade dos meus netos que não estou nem aí para ele.
Foi se o tempo que me preocupava com ele. E ele comigo.
Maria de Lourdes
Bom dia ou boa noite, ainda não dormi.
ResponderExcluirNão conhecia seus os textos, li os últimos quatro.
Bom, acho que também posso desabafar aqui.
Há 3 anos conheci num jantar um homem de Novo Hamburgo, pertinho de Porto Alegre e eu moro em Curitiba.
Sabe, aquela liga do primeiro encontro, ninguém força nada, simplesmente nos curtimos.
Confesso 3 anos maravilhosos, eu vou, ele vem, nos encontramos em outros lugares.
Eu era dele, e ele era meu.
Fidelidade e parceria fechada.
Falava sempre como um simples jantar mudou minha vida!! Meu filho dizia, menos mãe, parece que não conhece os homens. Não me importava falava toda a janta!
Pensava tirei mega sena acumulada, eu tenho 60 anos e ele 64 anos...quando ia conhecer um homem assim...até a chegada do COVID19.
Percebi uma certa frieza com o tempo, eu mando vídeos, lembranças do passado, fotos nossas, puxo converso...ele se distanciou. Sempre educadíssimo.
Certo, que tem outra pessoa e quer conversar pessoalmente comigo, não tem coragem pelo celular.
Meus filhos, já me chamaram para conversar e mandaram eu encerrar tudo.
Preciso de ajuda especializada.
O surto foi quando eu fiz as malas e coloquei no carro, ia a Novo Hamburgo ele querendo ou não.
Meu filho me impediu, então vi como estava forçando a situação e me humilhando na frente dos meus filhos.
Estou desesperada, preciso reagir e seguir minha vida.
Passo as noites na internet, encontrei seus textos, tive uma luz, não foi o COVID 19, era eu que pintava tudo lindo e sempre forçava a barra.
Ele estava curtindo na dele e provavelmente sempre teve outras mulheres na sua cidade.
Obrigada, Sr Ildo por me ajudar hoje, vou buscar ajuda profissional e resgatar o tão falado Amor Próprio.
Ele deu sinais, eu fiz de conta que não vi e ainda quis culpar o COVID19.
Rose
Puxa, que desabafo.
ExcluirImportante é buscar ajuda e Amor Próprio!
Não te humilha, mulher!
Não precisa nem mais falar com ele. Não telefona, não manda mensagem, não responde. Se ele quiser alguma coisa, vai até Curitiba arrumar ou desarrumar tudo.
ExcluirConcordo.
ExcluirE segura a onda, não manda nem um Oi Escuta teus filhos
Amiga eu te entendo. Estou vivendo a mesma situação. Minha terapeuta tem ajudado muito.
ExcluirBusca ajuda!
O distanciamento pode ocorrer para quem mora na mesma casa e para quem mora longe. Depende de como ia o relacionamento antes do Covid e como ficou. Cada casal tem suas combinações. Às vezes criamos uma fantasia que o outro está super envolvido e na verdade está levando. E vice versa. O importante é você estar bem com você. Não te humilhas, não dá indireta, não posta nada que possa te expor ao ridículo. Te preserva ! E se ele quiser que atravesse o Brasil para te conquistar.
ExcluirTodo fracasso amoroso , financeiro e psíquico se chama Covid 19.
ExcluirNinguém assume.
Deve ter filho do Covid19...
Amiga, passa o celular dele que eu confiro a situação no local, estou em Portão, ao lado de NH.
ExcluirPuxa, obrigada a todos que de alguma forma tentaram me ajudar.Rose
ExcluirOs casais não vao aguentar mais 90 dias. Eu, moro sozinha e não me aguento.
ResponderExcluirSandra
Tem marido começando a tossir, dizendo que está com dores no corpo só pra poder sair de casa e ficar hospitalizado. Imagina só, escapar da mulher, dos filhos e ficar sozinho por uma semana tranquilamente no quarto de hospital. É o paraíso.
ResponderExcluirKkkk muito boa!
ExcluirEstou achando a quarentena maravilhosa, tempo para fazer as coisas que gosto, estudar, ler, aprender coisas novas e até um pedido de casamento recebi. Vamos falar de coisas boas. Somos espelhos lembram? Se estás chegando algo que não gostas escute o eco do que estás emitindo! Pense que viver já é uma dádiva. Reclamar resolve? Não, então comece com coisas simples, gaste o tempo com que vale a pena. É muito triste ler alguns comentários porém ajudam ver de outro ângulo e, eu prefiro terminar o artigo da seguinte forma: O amor só acaba quanto um dos dois não tem mais força para pegar o coração do outro no colo. Eu tenho amor e força e meu colo sempre esperando o outro.🎵
ResponderExcluirVocê precisa aprender a sair da mesa quando o Amor já não está sendo servido...
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