terça-feira, 15 de outubro de 2013

Qual máscara você prefere?


 Sempre que ando de avião e ouço aquela voz melosa dizendo "no caso de despressurização, máscaras cairão sobre sua cabeça”, penso que o impacto seria maior se o aviso alertasse exatamente o contrário: “em caso de despressurização, a máscara que você está usando, cairá”. Todos nós já utilizamos alguma espécie de máscara e talvez, ao escutar esta frase, nossa atenção se detivesse um pouco mais sobre o assunto. Já imaginou você, seu vizinho, seu patrão, o prefeito, a dona da loja, todos de cara limpa? Impossível. 
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A palavra personalidade deriva de persona, do etrusco, pessoa, porém, era utilizada para designar as máscaras que os atores utilizavam para representar seus personagens no teatro. Desde o primeiro instante em que o homem passou a conviver em sociedade, precisou aprender a, eventualmente, abrir mão de sua “personalidade” para representar outros papéis, não significando que se transforme em várias pessoas, mas simplesmente formas de se mostrar ao mundo. 
      

Precisamos esconder certos instintos, pensamentos, palavras e atitudes para viver em sociedade.  Representamos eventualmente, e dispomos de um arsenal de máscaras para sobreviver em casos de emergência. Não necessariamente artefatos para cobrir o rosto como faziam os atores etruscos.  Máscaras exprimindo posturas diferentes que facilitem o desempenho dos vários papeis existenciais que nos são exigidos – pai, filho, amigo, vizinho,  namorado,  profissional.
 
Estas oscilações não significam que sejamos falsos ou más pessoas, e sim, maneiras de assumir posturas diferentes adequadas a contextos distintos.  Não vejo problema algum nesta alternância eventual, desde que a essência seja mantida, não ocultem o verdadeiro caráter e as intenções sejam nobres, pois cumprem papel importante na vigilância dos costumes e organização de uma comunidade. Assim como nos aviões, em caso de emergência, podemos utilizá-las como recurso para nos proteger e beneficiar.

Entretanto, a pior das máscaras, a que me incomoda e que deveria ser banida, é aquela que o lobo veste pele de cordeiro. Pessoas que utilizam seu próprio rosto como máscara para transmitir a impressão de puras, honestas e confiáveis, enquanto acobertam segundas e terceiras intenções. Falam ou agem de uma maneira, porém estão pensando ou sentindo o inverso. Fingem amor, disfarçam felicidade, simulam interesse, aparentam posses, escondem insegurança, sorriem plastificadamente, choram lágrimas de crocodilo, exibem fachadas. Não mostram nem intenção, nem identidade.  Hipocrisia pura. Representação permanente.

A inteligência permitiu ao homem conhecer muito do mundo a sua volta, no entanto, o mundo interior das pessoas continua sendo um grande enigma. Este espaço privado é íntimo e inviolável e só podemos ter acesso a ele, se nossa entrada estiver autorizada e formos convidados. Ainda assim, na melhor das hipóteses, conheceremos apenas a sala de entrada deste castelo. Como então saber quando o outro está sendo sincero ou representando? Como perceber as verdadeiras intenções do outro?

Se tentarmos decifrá-lo através da nossa razão, de nosso modo de pensar, construiremos uma imagem a nossa semelhança, o outro se tornará parecido conosco e o perderemos. Além disto, a compreensão humana recebe influência da vontade e dos afetos, que colorem e contaminam os entendimentos. Os homens acreditam mais facilmente naquilo que gostariam que fosse verdade. 

O problema agora já não reside apenas na possível dissimulação do outro. Também somos responsáveis por nos deixar enganar. Sinto dizer, mas esta é mais uma das tantas incertezas da vida que precisamos suportar. Não há escapatória.

Mesmo sabendo que milhões de pessoas enganarão e outras tantas serão enganadas, não vale a pena gastar tempo e energia tentando decifrar os outros. É preciso ter humildade em relação à complexidade da vida.  Se cada um souber dar e usufruir a exata importância dos valores humanos, pelo menos poderemos ser felizes, pois para ser feliz não são necessárias máscaras, para sobreviver sim.










4 comentários:

  1. A intenção do carnaval era inverter a ordem social para que as pessoas, escondidas atrás das mascaras,aproveitassem os quatro dias de folia, liberassem seus instintos reprimidos e ficassem no anonimato. Pois aconteceu exatamente o contrário, durante o carnaval as pessoas retiram suas máscaras, mostram quem realmente são, recolocando as máscaras na quarta feira de cinzas e vestindo-as durante todo o ano. Talvez por isto se diga que o Brasil é o pais do carnaval.

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  2. Adorei essa parte final:" Mesmo sabendo que milhões de pessoas enganarão e outras tantas serão enganadas, não vale a pena gastar tempo e energia tentando decifrar os outros. É preciso ter humildade em relação à complexidade da vida. Se cada um souber dar e usufruir a exata importância dos valores humanos, pelo menos poderemos ser felizes, pois para ser feliz não são necessárias máscaras, para sobreviver sim." Elza Leal Acosta Leal

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  3. Se aprovarem as biografias não autorizadas, muitas máscaras cairão... Já tem muitos amedrontados com essa possibilidade... Não só por terem rabo preso mas também por problemas de rabo solto...

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  4. Belíssima analogia! O que sei EU de mim mesma? Saberia vislumbrar algumas vitórias, alguns erros e desenganos, como mensurar a complexidade de uma vida cheia de surpresas? A única verdade é a de que existimos e estamos sujeitos a julgamentos, e muitas vezes, sem mesmo ter o direito de se expressar, mas isso faz parte. Mas o que vale é a proposta de vida, trajetória, a tentativa de se melhorar como ser, uma contínua restruturação. Acessar a alma humana realmente é algo que surpreendente. A quem deveríamos dar este consentimento? Isso poderá depender da expectativa de cada indivíduo, seria uma construção, a confiabilidade, o respeito que o outro possam transmitir, ou até mesmo o equilíbrio entre atos e naquilo que se diz, ou um trânsito de reciprocidade. Porém essa é a minha visão de mundo. Existem tantas outras...

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