Recebi
algumas criticas sobre meu ultimo artigo “Ainda estamos juntos”. Falavam que
sempre deixo uma mensagem no ar, um espaço para interpretações, e, neste caso
especifico, a frase final “quando existe amor, as portas nunca fecham”, seria
um recado velado, ou, até mesmo, super direto para alguma pessoa em especial.
Aceito
todas as criticas com muito respeito, mas preciso esclarecer que quando
escrevo, minha intenção nunca é fechar a questão ou as portas. Quero provocar o
leitor a pensar, discordar, ir além do texto. A graça de ser escritor é poder
conduzir a imaginação do leitor, e, quanto mais longe eu conseguir levá-lo,
melhor.
Se
o texto for um recado, uma teoria, uma história, não faz a menor diferença, o
objetivo do escritor é criar, na medida de suas possibilidades, meios de
comunicação entre as ilhas de seu arquipélago, construindo pontes, fornecendo
embarcações, ensinando a nadar.
Aproveitando
o assunto “portas”, gostaria de contar a história de duas namoradas do passado.
Faz tanto tempo, que talvez esqueça alguns detalhes propositadamente.
A
primeira morava a trezentos metros de minha casa, levava exatamente dois
minutos para chegar lá. Então começava a romaria. Precisava que o porteiro
fizesse contato, então ela autorizava minha entrada no prédio, para depois
liberar a senha do elevador e, finalmente, chegar no décimo andar, onde tocava
a campainha, esperava que ela conferisse através do olho mágico, e assim, destrancasse
a porta. Tudo isso vigiado por câmeras.
Para
chegar na casa da segunda, que morava no litoral, precisava viajar quase uma
hora e meia, mas em compensação, estava sempre na porta da garagem me
esperando. Não havia grades, muros, senhas ou dificuldades para entrar. Assim
como eram as casas, também funcionavam as namoradas, uma trancada, outra
aberta.
Enquanto
uma exibia sua segurança, encarcerada na prisão domiciliar, a outra mostrava
seus medos na beira da praia. Uma pedia comida embalada por tele entrega, a outra
cozinhava retirando todas suas cascas.
A
vizinha não conseguia expressar seus sentimentos, dizia que me amava, mas seus
olhos não transmitiam afeto. Fechava-se em sua armadura corporal e fortaleza
residencial, criando uma distância intransponível. Beijava de olhos abertos
para conferir o ambiente, abraçava mantendo-me afastado, não tirava os olhos do
celular. Tentei usar senhas, chaves, códigos, palavras, carinhos, mas seus escudos
a preservavam, tornando-a impermeável. Ao invés de uma mulher, uma muralha. Não houve intersecção. Tão perto, mas tão
longe.
Apesar
da distância, a praiana sempre esteve mais próxima. Não precisava falar para
que eu a entendesse. Ao contrário da outra, não havia segredos ou defesas, mostrou-me
todas suas caras, sonhos, frustrações, inseguranças. Não tinha vergonha de
demonstrar seu afeto. Não havia espaço para dúvidas, era transparente. O tempo gasto
para chegar em sua casa, ao invés de ser uma romaria burocrática de
identificação, era uma espera ansiada, uma estrada sem barreiras, uma contagem
regressiva.
Quando
fiquei gripado, a vizinha telefonou dizendo que evitaria me encontrar para não
se contaminar. A praiana veio para minha casa, deitou a meu lado e me aqueceu.
Uma se protegia, a outra se entregava. Uma vestia máscara, a outra se despia.
Um
dia, no mês de abril, a namorada vizinha decidiu trocar a senha do elevador,
descadastrar meu nome e mandar um e-mail dizendo que não queria mais ser minha
namorada. Fechou de vez a porta que nunca abrira. Nem precisava, porque aos
poucos, também fui perdendo a vontade de entrar. Deixei de querer. Ainda
estamos juntos? Nunca estivemos.
E a namorada praiana? Nunca houve portas, estaremos
sempre juntos, por mais longe que estejamos.
Para evitar constrangimentos, esclareço que as histórias
acima são “provocações literárias” fictícias, qualquer semelhança com pessoas
ou fatos seria lamentável.
Muito interessante para estes dias de Pandemia... Como avaliar os padrões de comportamentos? Se somos seres singulares, como poderíamos avaliar o silêncio que cada um carrega. Meu silêncio é igual ao de muitos? Meu olhar em conjunto ao silêncio diz alguma coisa? Muitos são os silêncios carregados de atitudes, expressões físicas ou faciais. Muitas são as leituras das portas abertas ou fechadas... O que realmente me chama atenção no outro, o que faz com que eu não o esqueça, mesmo que isso se passe ou leve por anos a fora... Bela reflexão
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