segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

padrinho de casamento

Fui convidado para apadrinhar um casamento. O noivo era um amigaço. Desde a adolescência fomos parceiros nas boas e nas ruins. Conheci todas as namoradas anteriores. Dei palpites, conselhos, apresentei, consolei, apoiei, menti que estávamos juntos para limpar a barra, ajudei a terminar, emprestei o carro, fiz sala para a amiga chata, telefonei na hora marcada pra livrar da encrenca. Enfim, torcíamos um pelo outro, jogávamos no mesmo time, acreditávamos, confiávamos e nos defendíamos mutuamente. Claro que eu tinha de ser homenageado como padrinho deste casamento.

Claro mesmo? Nem tanto. Minha intimidade era com o noivo. A noiva conhecia superficialmente, de encontros e conversas sociais. Era a mulher que meu amigo havia escolhido para casar, simpática, bonita, inteligente, bom papo e estavam apaixonados. Tinha certeza que representava o papel de melhor amigo, no entanto, não sabia qual seria minha função como padrinho do casamento.

Acontece que não tive tempo de fazer estas elucubrações filosóficas, fui pego de surpresa com o convite, que veio da seguinte forma: “Cara, eu sempre disse que um dia teria sorte, encontraria e casaria com a mulher da minha vida. Quero que você esteja comigo, ao meu lado, como padrinho, na hora de dizer o sim. Preciso de ti”.  


Lembro que uma de nossas bravatas prediletas era contar que no dia de nosso casamento, quando perguntassem se seriamos fiéis na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, não diríamos o formal e esperado “sim”. Tínhamos a resposta debochada na ponta da língua: “Se Deus quiser”. Se meu amigo, agora apaixonado, mudou de idéia e vai dizer o irrefutável e definitivo “sim”, como eu negaria o pedido de apadrinhar este momento. Foi minha vez de dizer “sim”, aceitei a convocação, comprometendo-me com o casal.

Considerei uma honra e valorizei o convite, procurando saber o que significa, na prática, ser padrinho de casamento. Descobri então, que apadrinhar envolve testemunhar o ato civil e/ou religioso, organizar despedida de solteiro, chá de panela, chá de lingerie, chá de bar, auxiliar nos preparativos da festa (escolha do traje, convite, decoração), acalmar e incentivar os noivos antes da cerimônia, amarrar as latinhas no carro do casal, dançar a coreografia ensaiada com os noivos e dar um bom presente.

Sem desmerecer, mas isto tudo pode ser feito por um bom organizador de festas, com muito mais capricho e requinte. Queria oferecer algo mais consistente, um pacto, uma parceria, uma missão para a vida do casal. Não existem regras, mas pretendia trabalhar para que tivessem um relacionamento saudável. Estava debutando no cargo, não tinha a menor idéia de como levaria esta incumbência adiante, mas meu instinto dizia que deveria conversar com os futuros cônjuges antes do casório.

Convidei-os para jantar num restaurante, e, dissimuladamente, comecei a filosofar. Comentei que antigamente o casamento era um acordo entre famílias para manter ou unir terras, heranças e promover alianças. Não havia liberdade de escolha e, muitas vezes, era realizado à revelia dos noivos. O critério econômico e o status eram determinantes. Neste contexto, o divórcio era algo sem sentido, já que a base da união era em essência um negócio, que trazia benefícios financeiros para todos. Assinavam um contrato com direitos e deveres, celebravam um acordo, e não o amor.

O casal escutava, entreolhavam-se desconfiados, bebiam um pouco mais de vinho tinto e acariciavam um a mão do outro. Sabiam que, às vezes, tinha meus devaneios, mas ainda assim, dispunha de crédito suficiente para continuar divagando. Segui a conversa dizendo que hoje em dia, o amor e a livre escolha tomaram as rédeas do casamento moderno, e, sendo o amor um sentimento, pode ser instável, adoecer, enfraquecer até mesmo sumir. Não sendo mais uma união por negócio, e sim por amor, se este acabar, não existem mais motivos para continuar. Em casamentos por amor, divórcios agora fazem todo sentido.

Por um momento, imaginei que seria desconvidado, pois meu discurso não estava sendo nada estimulante, embora sentisse no casal a expressão clara do amor. Os olhos de um refletiam o amor do outro. Foi então, neste ponto do monólogo pré-matrimonial, que me enchi de bravura e como se estivesse num altar, ofereci meus serviços para acompanhar a vida dos dois e orientá-los. Assim como meu amigo confiava e acreditava em mim no passado, pretendia continuar o trabalho, mas, dali para frente, com o casal.

Não queria um papel figurativo apenas no dia do casamento, ambicionava ser uma espécie de anjo da guarda, cuidando para que o amor que ora sentiam, fosse resguardado e porque não, otimizado. Minha declaração era sincera e ao mesmo tempo irresponsável. Qual era minha bagagem existencial na gerência e continuidade do amor de casais?

De qualquer forma, genuinamente ou por educação, aceitaram minha proposta, casaram-se dentro do planejado e partiram para a lua de mel.  Na volta, fiquei por perto. Fazíamos jantares, viagens e outras atividades onde discretamente avaliava a manutenção do amor. Parecia tudo bem, até que um dia ela me chamou, dizendo que haviam discutido e meu amigo saíra de casa.

De pronto liguei para ele, perguntei onde estava e fui a seu encontro. Sentados na mesa de um bar, conversamos quase duas garrafas de vinho. Segundo ele, o amor havia acabado, e, conforme meu discurso pré-nupcial, quando o amor termina, não há motivos para continuar junto. Perguntei a ele se tinha noção de onde foi parar todo aquele amor que presenciei e convivi por tantos anos. Havia desaparecido completamente ou estava escondido em algum lugar?

Onde estavam as declarações apaixonadas, as mãos entrelaçadas, as conversas até tarde, o sono de conchinha, as brincadeiras na cama, a cumplicidade, a troca de olhares? Ele não soube responder, disse apenas que sentia um vazio, uma dor, uma falta daquele amor que sentia antigamente. Ele confuso, eu, surpreso e atordoado. Não sabia como ajudar. Não queria dar conselhos e muito menos julgá-los, disse apenas que o sofrimento era passageiro, desistir era para sempre. Acolhi o amigo, levei-o para minha casa, acomodei-o num quarto e liguei para a esposa relatando seu paradeiro e estado emocional.

E agora, o que fazer? Melhor dormir e acordar no outro dia mais descansado e menos alcoolizado. O problema foi dormir, pois não era justo amparar meu amigo e deixar sua esposa angustiada em casa. Não me sentia mais o velho amigo do passado dando conselhos para o parceiro. Neste momento o padrinho estava sendo necessário para a saúde do casal. Nenhum dos três deve ter passado uma noite tranqüila.
Na manhã seguinte, antes de sair para o trabalho, consegui combinar com os dois um jantar como nos bons tempos, ou seja, me dariam crédito para algumas reflexões. Aparentemente não houve resistência alguma ao convite, o que me pareceu um bom sinal. Tinha esperança que a separação e angústia da noite anterior os fizessem refletir e, no re-encontro, trocassem desculpas e abraços apaixonados. Não foi o que aconteceu. Cumprimentaram-se tímida e friamente, mal se olharam, sentaram-se afastados. Pelo menos não discutiram ou trocaram ofensas, confiante e positivamente me animei..

Comecei a conversa pedindo água mineral e desculpas por aquela minha pregação sobre a volatilidade do amor, não era para ser entendida de maneira literal e nem levada tão a sério. Havia mudado de lugar algumas certezas antigas e gostaria de dividir com a dupla. Realmente o amor, por ser um sentimento, possui volatilidade e pode se alterar, mas o amor nunca termina. O amor que acaba, nunca principiou. O amor, quando existe, e não havia dúvidas que este era o caso do casal, vive constantemente sendo transferido. O amor não é uma propriedade de quem o sente, é uma transferência para quem é amado, assim como uma carta não é de quem mandou e sim de quem a lê. – citação de Fabrício Carpinejar.  

A natureza humana, em principio, é de amor a si próprio, e, quando numa relação amorosa pessoas dão amor, freqüentemente esperam recebê-lo em troca. Mesmo o amor de pai para filho, que dizem ser incondicional, sempre leva embutido algum tipo de cobrança. Um dos problemas deste tipo de amor “troca-troca” são as diferenças. Nem sempre o que um dá, recebe na medida que esperava. Então começam os desencontros e conflitos.

Domingo você acordou cedo, preparou o café da manhã para ela, serviu na cama, abriu suavemente a janela, levou flores, colocou uma música clássica para tocar e lhe deu um beijo super carinhoso. Esta é sua forma de demonstrar amor. Você deu isto a ela, mas agora fica esperando a reciprocidade, a troca. Amor não funciona na base da troca, da barganha ou cobrança. Amor é um sentimento e não um investimento.

Lembram do livro “O Pequeno Príncipe?” Saint-Exupery dizia que o amor verdadeiro começa lá onde não se espera nada em troca. Vocês não precisam dar e ficar esperando recompensa ou gratidão de quem amam. O caminho é outro. Amor é pura doação. Você ama, então você dá. Quando você transfere seu amor a ela, agora existe uma parte de você nela. “Há uma parte de mim em você que eu amo”, assim funciona o amor que dá, não o que recebe.

Quando um casal se ama na forma de doação e por algum motivo separa, resta em cada um o vazio do amor transferido. Leva um tempo até que recuperem o amor ofertado. Alguns não entendem que são depositários do amor do outro e jogam tudo no lixo. Existem casais onde um ama na forma de doação e o outro funciona na base da troca. O amor não é essa coisa toda que muitos falam, é essa coisa toda que poucos fazem.

Já havia falado demais e não sabia se estava surtindo algum efeito. Escutavam cabisbaixos e emudecidos. Foi então que lancei meu plano B: convidei o casal para uma jornada, dar a volta na ilha de Florianópolis, caminhando 190 Km em oito dias. Andaríamos cerca de 25 Km/dia e dormiríamos cada noite em uma pousada diferente. Não esperavam pelo convite, ficaram atordoados, e, aproveitando a bobeira do casal, fui enfático na proposta e brinquei dizendo que se precisassem, daria um atestado médico para faltarem ao trabalho, pois o motivo era determinante e nobre: encontrar o amor que estava escondido no outro. Na pressão, marcamos a viagem para a semana seguinte.

Uma caminhada peregrina pode ser um ótimo cupido. No segundo dia, ela já estava passando filtro solar nas costas dele. No terceiro, depois do jantar, me retirei e deixei os dois curtindo o luar. Caminharam lado a lado no dia seguinte, os tênis dela pendurados na mochila dele. Dali para frente, ele trocou de quarto e voltou a dormir com ela. Completado o percurso, decidiram ficar mais alguns dias na ilha. Mandavam fotos comendo ostras em Ribeirão da Ilha dizendo: “Cara, falta você aqui!”, e o brilho de seus olhos voltou a ter a luz do amor.

Hoje recebi uma nova mensagem do casal. “Cara, você nem vai acreditar. Vamos ser papai e mamãe, e você não pode faltar na hora do nascimento. Precisamos de ti pra anestesiar, pegar o bebê no colo e ser o padrinho amado de nosso filho”.

Lá vou eu aprender o papel de padrinho de nascimento.




Um comentário:

  1. "E o amor que morreu nela ainda está bem vivo dentro de mim"

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