quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A vida como ela é: Calar ou Contar?

O destino inevitavelmente nos coloca em algumas situações complicadas. Verdadeiros dilemas éticos. Immanuel Kant, filósofo alemão, diz que deveríamos nos comportar de tal maneira que o motivo que nos levou a agir pudesse ser convertido em uma lei universal.

Leis universais, manuais, religião, filosofia não conseguem particularizar todas as situações. Quando somos colocados frente a uma “sinuca de bico”, a sensação é de que a responsabilidade toda está em nossas mãos. Precisamos saber o que fazer. Precisamos mesmo?

Casados há muito tempo, João e Maria sempre viveram bem. Ele trabalhava enquanto ela cuidava da casa e dos filhos - relação tradicional com papéis bem definidos. Em um destes momentos de crise, João perdeu o emprego e Maria foi procurar trabalho. Atrasada para uma entrevista, Maria esquece uma pasta e volta para casa correndo. Onze horas da manhã. Encontra João no quarto, na cama, com outra. Acabou o casamento. Fato verídico, nomes fictícios.

Terça-feira à noite, saio para jantar. Restaurante pequeno, aconchegante, de bairro. Sento em minha mesa preferida. Ainda degustando o primeiro gole de vinho, a porta se abre e entra Antonio, marido de Fernanda, abraçado a uma loira. Fernanda é morena. Cumprimento formalmente com a cabeça, peço a conta e vou embora.

Será que fiz a coisa certa? Existe um manual de como agir nestas situações?

Nos exemplos acima, qual deveria ser a lei universal? Maria, casada há anos, deveria mesmo se separar? E no caso do jantar, deveria ter permanecido no restaurante e aproveitado a noite ou ir embora, como fiz?

Já pensaram se por acaso a loira que acompanhava Antonio fosse minha amiga Fernanda de peruca ou cabelos tingidos e eu não a reconheci? E se resolvo contar a ela o episódio do restaurante, e Fernanda, que já desconfiava mas estava acomodada em sua vida , fica agora na obrigação de tomar uma decisão?

E se Antonio propositadamente desfilou com a loira para ser visto e denunciado e assim configurar uma traição que levasse a uma separação, que covardemente ele não conseguiu discutir com Fernanda?

Pensando bem, o que leva homens como João e Antonio a traírem suas esposas? Seria correto apresentarmos a situação somente sob este ponto de vista, onde colocamos as mulheres no papel de vítimas e os homens como pecadores universais? Será que Maria nunca havia desconfiado que a relação andasse mal? E Fernanda, também não?

Teríamos nós, simples mortais, baseados em um encontro casual, a capacidade e o discernimento necessários para avaliar as situações descritas e, como num passe de mágica, através de um telefonema fatídico ou de uma conversa elucidativa, lançarmos a semente da separação no futuro do casal?

Decidir este tipo de coisa não é o mesmo que decidir o que jantar ou que roupa vestir. É preciso ter cuidado, pois as decisões tomadas podem levar a danos irreversíveis.

Talvez a saída para estes dilemas seja tentar se colocar no lugar do outro. Imaginar o que sentiríamos se estivéssemos em suas peles, dar ouvidos para as emoções e tomar a decisão capaz de deixar nosso coração em paz... Porque embora nem todos saibam, a função das emoções é qualificar nossas mais sábias decisões. Dormir de consciência tranquila não é a mesma coisa que estar com o coração sereno e sem dor. E na pressa de resolvermos ou nos livrarmos de dilemas, decidimos escutar a razão ou as cobranças impostas pela sociedade, enquanto o coração continua sofrendo e chorando baixinho.

Quem dera tivéssemos a capacidade de nos transmutarmos para a vida de outrem. Certamente o mundo seria bem mais justo e condescendente. Imagino que aplicar os ensinamentos de Kant, numa sociedade pouco evoluída e cheia de nuances como a nossa não seja ainda algo totalmente viável. Quando um homem e uma mulher decidem se tornar um casal, experiências individuais, preconceitos e conflitos existenciais, passam a ser compartilhadas. Isto acaba gerando diferenças e sentimentos, um campo que se presta a surpresas e interpretações, muitas vezes impossibilitando uma coerência pura e simples da relação afetiva, podendo levar a uma traição daquilo que chamamos de ética ou lei universal.

Explicando de outra maneira, as emoções, que deveriam servir de sustentação para uma relação ética, às vezes podem se transformar justamente no estopim para uma transgressão. Não existe, portanto, a possibilidade do pesar frio e calculista, de uma e somente uma forma de agir, de uma lei universal, visto que cada relação apresenta suas peculiaridades e os contratos silenciosos estabelecidos pelo casal são únicos.

Nossos personagens: infratores, permissivos, traidores ou não, já devem estar sofrendo por conta de como administram suas relações e seus afetos. Falta-lhes apenas a coragem para tomar as rédeas de suas vidas e acertar o rumo que os fará felizes.

Espero que este texto possa alcançar e ajudar a todos os Joãos, Marias, Antônios e Fernandas , no sentido de não deixarem mais seus corações a sofrer e a causar dor em quem lhes foi um dia importante.
E... Por favor, Antônio: não deixe para os outros resolverem o problema de seu coração. Ninguém merece!


Artigo escrito em parceria com a educadora Eda de Maman
www.edademaman.blogspot.com


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