Quando cursava a Faculdade
de Medicina, era comum sentir os sintomas das doenças que estava estudando nos
livros e me assustar pensando estar contraindo a enfermidade. Tão logo aprendia
que o enfarto do coração podia apresentar como primeiro sinal um formigamento
no braço esquerdo, qualquer coceira que se apresentasse no membro, já poderia
ser o inicio do fim.
Assim, fui sendo acometido fictícia e gradualmente de hepatite, diabetes, gangrena, apendicite, hérnia, úlcera, praticamente quase todas as páginas dos livros de patologia, com exceção das moléstias das disciplinas de ginecologia e obstetrícia. Somatização clássica. Na medida em que fui adquirindo mais conhecimento, os sintomas desapareceram sem tratamento algum. A sapiência e a prática foram os remédios milagrosos.
Com a Filosofia Clinica o
processo não foi muito diferente. Ao estudar o tópico oito da Estrutura de
Pensamento, Termos Unívocos e Equívocos, meus neurônios se atrapalharam. Unívocos
são termos que só tem um significado, enquanto equívocos são palavras ou
expressões com sentidos diferentes, podendo gerar dubiedade, confusão,
desorientação, dúvida e enganos existenciais.
Quando João diz que ama
Maria, o que isso significa? Amor é um termo unívoco ou equívoco? O que é amor
para João? Maria entenderá e sentirá da mesma forma que João, ou para ela amor pode
possuir significado diferente?
Algumas pessoas não
convivem bem com a dúvida, incerteza ou dubiedade, necessitam de precisão,
objetividade, clareza, transparência, assertividade. Se for o caso de Maria,
talvez seja vital enraizar o pensamento
de João para apaziguar sua alma. Para outras Marias espalhadas pelo mundo, o fato
de escutar a palavra amor, já é mais que suficiente para cativar seus corações
apaixonados.
Parafraseando a enigmática
frase de Sócrates, “Só sei que nada sei”, quanto mais estudava, mais dúvidas
surgiam. Amor seria um termo Universal, Particular ou Singular? Existe o amor familiar
incondicional, o amor próprio, o amor romântico, o amor empático universal, o
amor amizade companheiro e por ai vai. Quando Maria reclama e diz a João que
ninguém precisa saber quem ele ama, mas ela precisa saber, sentir e ouvir, de
qual amor está falando?
Em Medicina, diagnósticos
e tratamentos são realizados de maneira lógica e racional, mecanizados,
baseados em evidências científicas comprovadas em milhares de pacientes examinados
e tratados com êxito. Em Filosofia Clinica a caminhada é diferente, qualquer
sentimento, dor ou equivocidade deve ser encarado de maneira única, incomum e
original, sempre relacionado com a história de vida de cada pessoa. A doença
pode ser universal, mas o sofrimento é sempre singular. Nenhum dos métodos é
excludente ou melhor que o outro, porém quem foi treinado a pensar de modo
cartesiano pode se perder no convívio sentimental e vice versa.
Quando uma pessoa fica
doente fisicamente, há um corpo para curar, uma memória para perdoar, uma
história para agradecer. Medicina, Direito, Engenharia são atividades nobres,
necessárias à vida, mas a poesia, a beleza, a arte, o romance e o amor são as
coisas pelas quais vale a pena viver.
Alguns mentores emocionais
fazem cálculos matemáticos e inventam fórmulas mágicas procurando um
significado para o amor, mas acabam perdendo tudo que está acontecendo
sensorialmente, sequer percebendo que o amor pode ser o melhor e mais bonito
mal entendido que duas pessoas podem cometer.
Outros levam o amor para o
lado da busca, afirmando que amar é uma escolha que não possui dúvidas, devendo
ser regado todos os dias. Aqui também há controvérsias, pois regar todos os dias
não garante amor eterno, só assegura a felicidade do jardineiro, embora alguns
afirmem que todo amor seja para sempre, pois nosso passado é tudo o que podemos
saber sobre eternidade.
Dependendo de quanto e
como o amor foi inscrito e agendado no intelecto, a capacidade de amar pode
estar comprometida. Quem sabe deveríamos tentar acreditar mais no amor e menos
na idéia de amar? Segundo alguns pensadores, o amor não é uma propriedade de
quem sente, é uma transferência definitiva para quem é amado.
São infinitas as formas e
disfarces do amor. O filósofo dinamarquês Kierkegaard enveredou para o lado da
Epistemologia afirmando que o amor se reconhece pelos frutos, sendo uma
experiência prática, jamais teórica. Pode-se fazer uma bela teoria do amor, mas
quem nunca sofreu de amor, jamais será salvo do vazio que é nunca ter sofrido
por amor.
Diante desse imenso ponto
de interrogação que é o amor, reformulei minhas crenças: estou me dando o
direito de ser menos lúcido e mais lúdico, não pensar tanto e me cobrar menos
ainda, deixando algumas certezas para trás e outras interrogações para
compreender depois. Prefiro ter questões que não podem ser respondidas a
respostas que não podem ser questionadas. Desisti de atracar o barco e resolvi
aproveitar a paisagem. Navegar é preciso, amar não é preciso.
Há alguns anos aqui em SP assisti a palestra do Amyr Klink, ele contou que a filha pulou no mar gelado, pegou um bote, resgatou e perguntou o motivo dela ter pulado no mar. " Ela disse que queria saber se eu voltaria para buscá-la" Aconteça o que acontecer largamos tudo e voltamos para resgatar, cuidar e proteger quem amamos, navegar é preciso, amar e ser amado é uma bênção. Beatriz
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