- Você me enxerga só como amiga ou me vê também como
mulher?
A pergunta lhe pegou de
surpresa. Eram amigos há bastante tempo, aliás, muito tempo e muito amigos
mesmo, daqueles que contam tudo ou quase tudo, mas jamais passaram disso. Acho
que nunca pensara em ultrapassar este limite.
Atordoado com a situação, respondeu
de chofre que obviamente a via como mulher além de amiga. Ela, percebendo que
ele fisgara a isca, aplicou o golpe final:
- Você não sente desejo
por mim? Nunca sentiu?
Agora, além de atordoado,
ele estava perplexo e desorientado. Nunca imaginara este duelo sentimental,
estava desconfortável, parecia um menino tímido de quinze anos, apesar de seus
trinta e poucos. Talvez para não magoá-la, talvez por não saber o que
responder, disse que algumas vezes sentiu vontade de beijá-la.
Ela avançou mais uma vez o sinal:
- Eu também às vezes sinto
vontade de te beijar. Ontem a noite quase me atirei em seus braços, mas me
contive porque não sabia qual seria sua reação. Em nome de nossa amizade fiquei
só no desejo. Por que não saímos do imaginário e experimentamos nos beijar agora?
Constrangido, um pouco atrapalhado,
suspirou fundo, aproximou seu corpo, lançou um último olhar para confirmar se a
permissão de a beijar ainda era válida e só então a beijou. Não um beijo
juvenil, roubado, ingênuo, travesso, sem comunicação de línguas.
Foi um beijo de novela. Romântico,
utópico, carinhoso, recíproco, uma boca roçando na contramão da outra,
sincronia de línguas, excesso de baba. Taquicardia, frio na barriga, calor no
corpo, tempestade hormonal. Durou mais ou menos sete minutos. Quando
interromperam, não sabiam o que fazer. Nenhum dos dois falou nada. Como se
qualquer palavra pudesse estragar aquele momento. Atiraram-se então em mais um longo
beijo que juntou suas bocas e calou suas vozes. O silêncio deixou de ser
solidão.
Pareciam duas crianças
quando, já sem fôlego, pausaram o segundo beijo. Olhavam-se, sorriam, desviavam
o olhar, não sabiam o que fazer com as mãos.
Não conseguiam dizer com palavras o que estavam sentindo. Justo eles,
que passavam noites inteiras conversando sem sentir o tempo passar.
Despediram-se assim, sorrindo, olhos brilhando, indefesos, vacilantes, satisfeitos,
num silêncio loquaz.
Como ficaria a vida dos
dois depois daquele beijo? Seriam castigados como Adão e Eva depois de provarem
o fruto proibido? Seriam expulsos do paraíso ou o beijo era a chave que faltava
para destrancarem seus corações?
Envergonhados, abalados,
inseguros, assustados, entraram em suas cavernas existenciais. Precisavam
pensar, precisavam saber o que aquele beijo representava. Mudança de status?
Upgrade? Fim da amizade? Apenas uma experiência, um test-drive? Não tinham
coragem de se encontrar, se olhar, sequer conversar.
Não precisavam. O gosto
singular e estrangeiro da saliva ainda escorria pelos corpos, a língua de um
permanecera dentro da boca do outro. O
beijo não terminara. Eles sentiam isso. Sabiam disso. Aliás, um beijo pode não representar
nada, mas se for inesquecível, será eterno.
Serve para beijos, serve para quase tudo na vida. Se for inesquecível, será eterno. Parabéns. Seu melhor texto este ano.
ResponderExcluirPõe ser eterno nisso... Alguns beijos
ResponderExcluirjamais são esquecidos. Porém, se outra pessoa, tiver uma singularidade de mesma expressão, nada poderá ser tão forte quanto o momento em que este laço seja unido... Recordar é viver? Então, fiz um deslocamento longo...
O problema dos beijos é que as vezes você pensa que está beijando um príncipe, mas depois descobre que beijou um sapo. E vice versa. Apesar disso, vale a pena beijar, nem que seja só pelo prazer. Se for inesquecível, melhor, valeu a experiência e o beijo.
ResponderExcluirSe o beijo estragar a amizade entre os dois “amigos” é porque são muito infantis ou então é porque não são amigos. Amizade nunca termina por um beijo. Glaucia
ResponderExcluirAmigos, namorados, ficantes: A vida fica muito mais fácil se a gente sabe onde estão os beijos que precisamos (Mário Quintana)
ResponderExcluirAdorei o texto!
Lábios se encaixam facilmente. Corações raramente.
ResponderExcluirTem muito cara que acha que sabe beijar.
ResponderExcluirO cara que sabe beijar faz paralisar o tempo, criar um furacão por dentro e deixar a alma louca enquanto o corpo vai fervendo.
Besa me, Besa me mucho, como se fuera está noche lá última vez. Besa me, Besa me mucho, pues tengo miedo perder me de ti.
ResponderExcluirBeijo é documento sem papel. Beijo é casamento sem anel. Beijo é prazer com mel. Para alguns beijo é tudo, para outros beijo é nada. Coitados dos últimos.