Quando nos obrigaram a ficar recolhidos em casa
para o tal vírus não nos contaminar, recorri à internet para fugir da solidão.
Entrei num site de relacionamento e conheci uma pessoa adorável. Tirei a sorte
grande, há mais de cem dias que conversamos dia e noite sem parar. Temos tempo
de sobra para nos conhecer, estamos trabalhando de casa. Desde então, solidão
nunca mais.
Compartilhamos quase tudo. Contou-me sua vida,
amores, desamores, desilusões, projetos, trabalho, família. Sei que horas
acorda, o que toma de café, como está o tempo em sua cidade, marca do xampu, posição
política, doenças, pratos preferidos, time que torce, manias, traumas, crenças.
Estamos lendo os mesmos livros, assistindo os
mesmos filmes, escutando as mesmas músicas, fazendo ginástica juntos, trocando
receitas, conselhos, favores, temores. Assim que acordamos nos falamos e antes
de dormir nos despedimos vagarosamente. Às vezes, no meio da madrugada, quando
um está com insônia, acorda o outro e nos fazemos companhia.
Seria muita ingenuidade pensar que já nos
conhecemos suficientemente bem apenas pelas conversas que estamos trocando pela
internet ou telefone. Existem milhares de relatos de golpes, maus tratos e
assassinatos entre pessoas que se conheceram e foram seduzidas e enganadas através
de sites de relacionamento. No entanto, como conhecer alguém à distância se não
conversando?
Acredito que discutindo filmes, livros e conversando
sobre os mais variados assuntos, em algum momento, se a pessoa estiver mal
intencionada, vai cometer um ato falho e se entregar. Confesso que já vasculhei
seu nome no facebook, instagram, google e não descobri nada comprometedor. Além
disso, é a pessoa com quem mais tempo conversei, abri e entreguei meus
sentimentos. Sinto sinceridade em suas palavras, passa-me confiança. Mesmo
assim, fico com um pé atrás.
O fato é que encontrei alguém que se importa
comigo, está disponível e me faz tão bem que nem sinto os dias passarem. Minha
autoestima está ótima e a quarentena não podia estar melhor, nem quero que
termine. Dizem que se deve casar com quem a gente goste de conversar, porque quando
a beleza, a juventude e o vigor sexual se forem, tudo o que restará serão os
bons momentos de conversa com alguém que riu, chorou, escutou e lhe falou
palavras certas no momento certo.
Já tenho tudo isto. Estes últimos cem dias estão
sendo os melhores e mais conversados de minha vida. Como não devo satisfação de
meus atos a ninguém e nem sei se sobreviverei a esta pandemia, resolvi arriscar
e cometer um ato de desvario e coragem. Fiz um pedido de casamento via
internet, mas havia uma condição, uma cláusula pétrea: casaríamos, porém jamais
nos encontraríamos pessoalmente.
Pra que mudar algo que está dando certo? Em time
que está ganhando não se muda nada. Se tentar melhorar, estraga. Pra minha
surpresa e felicidade, o convite foi aceito sem restrições. Talvez você esteja
se perguntando como ficou a questão sexual. Acordamos que cada um resolve como
quiser, não faz parte do casamento, assim evitamos ciúme, traição, culpa,
arrependimento. Nossa união está em
outro patamar.
Casamos ontem, só os dois, cada um em seu
monitor, num ritual bem íntimo. Não
contei antes porque achamos que não era hora de nos expormos. Quanto menos público
o relacionamento, mais íntimo e mais nosso seria. Não foi necessário juiz de
paz ou qualquer tipo de documento para validar nosso sentimento. Como igrejas,
sinagogas e mesquitas estão fechadas, a união foi abençoada dentro de nossos
corações. E, finalmente, como aglomerações estão proibidas, não houve festa,
sequer temos fotos do casal juntos.
Esperamos que você comemore conosco e que nossa
união, ao invés de um desvario, seja um encontro diferente e elevado de almas. Não
me faz diferença a idade, sexo, raça ou conta bancária de meu amor, poderia até
mesmo ser um computador com inteligência artificial, mas isso importa? Estamos
radiantes. Casados, separados e próximos, muito próximos. Felizes, até que a conexão nos separe.
Antes de inventarem o wi-fi conexão entre casais significava uma coisa, agora conexão significa tecnologia. Casal conectado quer dizer que os dois estão ligados na internet. O mundo já não é mais o mesmo. Quero me desconectar.
ResponderExcluirInteressante possibilidade de correspondência para esses dias, lembro-me das cartas de correspondência do dos anos 70, onde nada tinha respostas imediata, e alguns enviavam fotos de artistas como se suas fossem. Como saber se tudo isso vai dar certo, e se mantiverem suas mentalidades lá nas bases categorias a qual tiveram origem, onde alguns guardam seus patamares éticos, e outros uma alta moral religiosa. ISSO PODERIA OU NÃO ROMPER COM ARMADILHAS CONCEITUAIS, CONSTRUÍDAS E ALICERÇADAS AO LONGO DE UMA VIDA? É sabido que muitas são as tentativas de conexões, neste momento, agem rapidamente, se aproveitam da sensibilidade e a carências de muitos, e até convidam para casar e outros tendências atuais de relacionamentos, agilizam solicitando telefone, se é sozinho, profissão, principalmente o email etc...
ResponderExcluirMas o importante mesmo é o que vai na alma de cada um. O sonho pode transportar alguns para relacionamentos reais em ocasiões oportunas. Feliz daquele que consegue se suportar e praticar buscas que amenizem suas carências emocionais e circunstanciais. Mas como saber o que falta para completar a existência de cada ser, SENÃO ELES MESMOS.
Fica a questão e o contato imediato de primeiro grau??? Sei que já foi colocada no texto. Mas e o olho no olho, peito no peito sentindo o coração bater,etc.
ResponderExcluirDr Ildo
ResponderExcluirQue loucura, na verdade seu artigo me fez rir!
Genial
Abraços
As vezes um escritor redige um texto mas na verdade o que quer dizer está escondido nas entrelinhas. Acredito que o Dr Ildo teve a genialidade de escrever uma sátira referindo-se a casamentos nos quais os pares estão juntos fisicamente sem que as almas jamais tenham se encontrado. Bela sacada. Parabéns. A quarentena bem que pode ser uma oportunidade das almas se encontrarem, afinal estão próximas mas nem sempre conectadas. Cintua
ResponderExcluirNão concordo Cíntia. Acredito que o autor pretendia mostrar que nem tudo está perdido na quarentena. Há soluções e paliativos sim, mas cada um sabe onde lhe aperta o sapato e qual chinelo deve procurar.
ExcluirPobres mortais contentam-se com tão pouco. Poços de carência. Uma lástima!
ResponderExcluirNão serve para mim.
ResponderExcluirPrefiro tocar, pegar, sentir! Não topo, nem relacionamento a distância topo.
Pensa que tem alguém mas está só. Igual ao texto.
Tem louco e carente que topa! Eu Fora!
Fiquei a pensar sobre o texto, o que leva a busca em site de relacionamento? Solidão? carência ou curiosidade. Fico com a curiosidade.
ResponderExcluirCombinar que nunca vão se encontrar, medo de decepcionar ou ser decepcionado...
Caros amigos, quando a pandemia acabar ele vai sair porta a fora e ninguém segura...vai viver o amor real, o tesão real, o porre real, serviu para os dois o tempo on line!
Ninguém me segura também...do passado só quero a minha conta no banco, quero novas aventuras.
Dora
Sensacional!
ResponderExcluirEm tempos de tanta tristeza um artigo alegre vem bem !
Sensacional! Na vida real difícil. Mas quem sabe?
ResponderExcluirO texto é uma brincadeira muito real.
ResponderExcluirNão estou bem, estou muito triste, ganhei mais um pacote de tristeza.
Meu coração vai explodir... a pilha de pacotes me sufoca.
Vou rezar por dias melhores.
Um conselho de uma senhora de 62 anos, livra-te de tudo que não tem traz alegria! Deves ser jovem e tens um mundo para viver.
ExcluirEu me resta ficar em casa mesmo depois da vacina. virão novas pragas. Tenho muito receio.
Alda