quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

GUERRA E PAZ

Talvez uma das maiores doenças das duas últimas décadas seja a insensibilidade. A mídia, através do noticiário, cinema, televisão, jornais escancara a violência, a malandragem, o desrespeito e a impunidade. A questão não se restringe sómente aos filmes classificados como violentos e não recomendados para menores de 16 anos. Quase todas as comédias acabam por mostrar um carro capotando, alguém sangrando, um empresário fraudando, alguém mentindo. Nos filmes infantis também é comum aparecer alguém sendo esmagado, perdendo a cabeça e tudo isto servindo de diversão para crianças e adultos. O resultado final é inevitável: dessensibilização. Desonestidade, má fé, corrupção, sexo explicito, violência já aconteceram nos governos, na igreja, no clube, na escola, na novela e não nos mobilizam mais. Por outro lado, emocionamo-nos ao ver um ato de bondade, de doação, de solidariedade. Vejam o contra-senso: o que era para ser a normalidade virou exceção e nos emociona, a exceção virou rotina e não nos sensibiliza.

Como se comportarão nossos filhos nas situações que a vida lhes apresentar? Terão sensibilidade? Defenderão seus interesses de maneira egoísta, trapaceira e até mesmo violenta ou procurarão soluções mutuamente satisfatórias? Estamos ensinando direitos ou responsabilidades?

Em cada grupo social sempre existe um equilíbrio entre competição e cooperação. A competição e o conflito podem até ser inevitáveis, mas ao mesmo tempo, os seres humanos precisam saber que dependem uns dos outros. Esta conscientização é que parece estar sendo dessensibilizada. A paz é que é o estado típico entre as sociedades. Assim como a troca de mercadorias, os casamentos intergrupais, o compartilhamento de água dos rios, o intercâmbio de culturas. A dependência mútua favorece a harmonia, e o objetivo final de se procurar e manter a paz não é evitar a violência, e sim a cooperação em prol de um bem comum. Os povos vivem muito mais tempo em paz do que em guerra. A violência é a exceção e não a regra. O estado natural é a paz. A guerra não é um estado natural, é uma opção, uma exceção. A desonestidade, a impunidade e a injustiça também deveriam ser exceções. Mas parece que de tanto serem vistas, já fazem parte de nosso cotidiano e só vão nos tocar mesmo, quando atingem alguém muito próximo.

Aliás, pensar no próximo, ou melhor, pensar como o próximo se sentiria, talvez possa ser a vacina contra a dessensibilização. Cada atitude, cada pensamento deveria incluir a pergunta “Isto pode prejudicar ou prejudicou alguém”? Tentar se colocar na posição do que foi agredido, fraudado, humilhado e ver se estando naquela situação, esmagado, sem cabeça, ainda é capaz de achar graça. A próxima vez que você assistir a um programa de vídeo cassetadas, coloque-se no lugar do sofredor. A isto chamamos de anti-egoismo, ou em outras palavras, exercício de ética. Ao vermos uma injustiça, ao descobrirmos uma fraude, ao presenciarmos um ato de violência, mesmo que não praticado por nós, e mesmo sem nos darmos conta, já estamos envolvidos. Vivemos em comunidade e somos responsáveis pelas inter-relações e pelo equilíbrio entre conflito e cooperação, entre guerra e paz. A questão não é estar ou não envolvido. A questão é responsabilidade.

Aonde vai parar toda esta onda de violência? Depende da sua sensibilidade. Depende da sua responsabilidade. Saiba que todo o processo, mesmo que não inicie em você, no final das contas, vai terminar em você também. Não se iluda. Não se aliene.
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terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Marketing e Medicina




Serviços médicos são classificados na terminologia do marketing como produtos não desejados ou não procurados. Mas isto pode e deve mudar.

A medicina ainda hoje é praticada quase que essencialmente de maneira curativa, ou seja, o paciente apresenta um sintoma, uma doença e procura o médico devido à necessidade de ajuda. Geralmente ocorrem várias tentativas empíricas de resolver o problema (conversa com amigos, farmácia, leitura de bulas, internet, etc) antes da procura ao médico.

Esta resistência deve-se a três fatores básicos:
- receio de que o médico diagnostique uma doença grave,
- receio de que o paciente seja repreendido pelo médico por desleixo com sua saúde ou tratamento prescrito (tabagismo, obesidade, sedentarismo, não ingestão correta de medicamentos, etc),
- perda da liberdade/autonomia do paciente em virtude de possíveis restrições a serem impostas no tratamento.

No tratamento curativo, a imagem do médico fica associada à doença,conduzindo o paciente a impressões negativas. Desta forma, a procura ao médico, dá-se por necessidade, a necessidade da cura.

Quando o tratamento médico é de caráter preventivo, as impressões do paciente são completamente diferentes. A procura ao médico não se dá por uma necessidade, mas por um desejo, o desejo de ser saudável.

Desejo está associado a coisas boas, que satisfazem o consumidor. Assim, a medicina preventiva, aliada ao desejo de ser saudável, possibilita ao médico ter sua imagem não associada à doença e sim a saúde, que passa a ser desejada através da orientação médica.

Marketing, na sua versão mais simplista, significa “dar-se” para o mercado, “mostrar-se”, “oferecer-se”. Em uma operação exitosa de marketing, o cliente deve ter anseios de obter o produto/serviço oferecido. Em outras palavras, o produto/serviço “vende-se” por si mesmo.

Não se deve confundir marketing com propaganda e vendas. Uma série de estratégias e ações são efetivadas dentro de um planejamento de marketing, sendo a mídia o final de um processo. As estratégias de marketing podem iniciar até mesmo antes do produto existir. Na área médica, a utilização da mídia como marketing, talvez seja a ação menos importante.

O objetivo deste estudo é colocar o marketing (arte de fazer com que o cliente deseje determinado produto) à serviço da medicina (produto não desejado).
A faculdade de medicina com seu enfoque técnico-científico, prepara o futuro médico para realizar diagnóstico e tratamento, porém deixa uma lacuna no que se refere ao relacionamento com pacientes/clientes.

Por pacientes/clientes, deve-se ter um conceito bastante abrangente, ou seja, todos que se beneficiam do trabalho médico (pacientes, familiares, hospitais, laboratórios, planos de saúde, etc.)

O médico recém formado apressa-se em alugar ou dividir um consultório, conseguir uma secretária, arranjar um emprego, credenciar-se em vários planos de saúde, sem orientação, sem planejamento, e , muitas vezes, inicia sua vida profissional de maneira precipitada, sem conhecimento do mercado de trabalho e cometendo ingenuamente erros que prejudicam toda a classe médica.

O médico em seu trabalho diário é um representante da categoria e seu comportamento profissional, reflete-se na imagem da especialidade. O relacionamento com pacientes, familiares, cirurgiões, clínicos, enfermagem, indústria farmacêutica, direção hospitalar, planos de saúde, imprensa e colegas médicos, formará a imagem do profissional, que indiretamente espelhará o padrão da especialidade. Um profissional mal orientado pode prejudicar todo o trabalho de uma categoria.

Um planejamento de marketing, tanto a nível individual como através de órgãos representativos de classe pode proporcionar:
- melhora da imagem da categoria
- relacionamento mais eficaz com clientes através da criação de laços de credibilidade, buscando fidelização de pacientes
- campanhas de esclarecimento e prevenção de saúde
- melhor entendimento das necessidades e desejos dos pacientes
- qualificação do serviço através de uma visão global de uma cadeia de atendimento que envolva todos os serviços auxiliares ao médico (estacionamento, secretária, farmácias, exames diagnósticos, fisioterapia, hospitais, etc).
- gestão de recursos buscando eficiência, produtividade e resultados que venham a oferecer aos médicos ganhos éticos financeiros condizentes com seu papel na sociedade.

Baseados na premissa de que atitude e comportamento determinarão a formação e propagação da imagem do profissional e da especialidade, orientações no sentido de um atendimento altamente qualificado aos pacientes tornam-se fundamentais. Estatísticas demonstram que cerca de 70% dos pacientes abandonam os médicos por experiências negativas, incluindo-se aqui, desde dificuldades para estacionar o automóvel, atraso do médico, indiferença da secretária até maus resultados obtidos com o tratamento proposto.

O atendimento prestado ao paciente, visto aqui como uma relação que se inicia no momento em que é feita a primeira ligação para marcação da consulta e que continua após a consulta propriamente dita com o médico, através de encaminhamentos, telefonemas, re-consultas, resultados, etc, vai causar uma impressão no paciente, através de percepções racionais e emocionais, que determinarão sua satisfação ou não com o serviço realizado.



A satisfação do paciente, e em alguns casos, encantamento através da superação das expectativas é o que podemos chamar de marketing médico eficaz, pois vai determinar o que popularmente chamamos de “propaganda boca a boca”. Experiências positivas ou negativas de consultas médicas , cirurgias, anestesias, etc, costumam ser assunto de conversa em diversos grupos sociais.


Empatia significa tratar o paciente como gostaríamos de ser tratados, e a empatia pode ser alcançada através de atitudes muito simples: chamando o paciente pelo nome, olhando nos olhos, escutando com atenção, tocando o paciente, não utilizando termos técnicos de difícil compreensão. Firmar compromissos também é importante no processo de atendimento médico e fidelização de clientes. Durante a consulta, após anamnese e exame físico, o médico sugere um plano terapêutico, o qual, se aceito por parte do paciente, deve funcionar como um pacto, onde ambos, paciente e médico se comprometem a fazer sua parte, o primeiro cumprindo as orientações e o último acompanhando de maneira constante, ou seja, demonstrando seu interesse na eficácia do tratamento, através de ligações telefônicas e novas consultas se necessário. Afinal, fidelização é uma processo que deve envolver ambas as partes.


Adquirir a confiança do paciente é fundamental para o sucesso do tratamento, porém, confiança não se pede, conquista-se. Alguns minutos de anamnese e exame físico são suficientes, desde que o médico esteja realmente neste tempo somente focado no paciente e faça-o sentir seu interesse.


Recomendações relativas ao uso ou interrupção de medicamentos, exames laboratoriais complementares, dietas especificas, data e horário de re-consultas ou de cirurgias agendadas, etc devem ser entregues ao paciente de maneira escrita. Folders explicativos referentes aos tipos de tratamento, evoluções da especialidade, cuidados pré e pós operatórios, complicações, etc podem ser entregues ao paciente ao final da consulta. A assinatura do consentimento informado da realização de exames, cirurgia e anestesia é um procedimento indicado. Todo o material impresso é importante, na medida em que tangibiliza o serviço realizado. O paciente sente-se mais seguro ao sair de uma consulta com instruções escritas, ao mesmo tempo em que o nome, endereço e telefone do médico ficam registrados no material impresso.


A evolução do conhecimento científico deve ser estimulada e demonstrada. Criação de Serviços especializados em hospitais, discussões de casos clínicos, desenvolvimento de protocolos específicos, realização de seminários e palestras de atualização e/ou revisão, estímulo à pesquisa, estágios e congressos são ações que facilitam a percepção do desenvolvimento contínuo da especialidade. O conhecimento médico deve ser percebido tanto por colegas de outras especialidades como pela população leiga. Programas de esclarecimento à comunidade através da imprensa, palestras, exposições, auxiliam o processo de divulgação do aprimoramento e segurança alcançados pela medicina.


Entidades associativas assumem papel fundamental demonstrando organização, liderança e representatividade junto a organizações médicas, governamentais e privadas. A participação efetiva dos médicos fortalece as Sociedades Regional e Nacional.


Excelência no atendimento, pontualidade, aprimoramento e divulgação do conhecimento científico, empatia, coleguismo, conscientização do trabalho em equipe, tangibilização, participação associativa, são atribuições diárias de um profissional. O reconhecimento do valor e da qualidade de um médico por colegas e pela população será o sinalizador de que seu trabalho está atingindo ou mesmo superando as expectativas e contribuindo para elevar o grau de confiança em sua especialidade.
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segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

UM DIA DE DOMINGO

Era um dia normal de trabalho. Sai apressado e fui rapidamente de um hospital até outro atender um paciente. Ao chegar no bloco cirúrgico a enfermeira me perguntou inocentemente: “Doutor, tem sol lá fora?”. Meu pensamento estava tão ocupado com outras coisas durante o trajeto , que não percebi o que acontecia a minha volta. Atravessei a cidade e não fui capaz de prestar atenção se havia sol! O que mais eu deixei passar despercebido? Que coisas eu havia deixado de sentir, de ouvir, de viver?

Aquela pergunta aparentemente leviana bateu em mim como uma bala de canhão e ficou latejando até o final de semana. No sábado resolvi compensar aquela pergunta sem resposta. Peguei o carro e refiz a viagem entre os hospitais sem pressa alguma, apreciando o sol, as nuvens, os pedestres, as árvores, os carros, as casas. Sempre passei por ali, mas nunca tinha prestado atenção na cor das casas, no tipo de construção, nos vasos de flores nas janelas, nos tipos de calçamento. Era como se eu estivesse conhecendo uma nova cidade. Fiquei surpreso, emocionado, mas também chateado comigo mesmo, por ter sido cego e insensível durante tantas e tantas viagens.

No domingo, fui buscar mais surpresas. Fiz o trajeto caminhando. Senti o sol batendo em meu rosto, o cheiro de pão fresco saindo da padaria, a poluição dos carros, o cansaço em meus pés. Que passeio magnífico. Foi uma outra viagem. Quantas descobertas, quanta vida existia naquilo que para mim, até então, era só uma ligação entre dois hospitais. Não conseguiria mais passar por aquelas ruas indiferente. O caminho de minha vida havia mudado, mas eu ainda precisava mais.

No outro final de semana, sai bem cedo e fiz o caminho mais lentamente. Parei para conversar com as pessoas, sentei no banco da praça para ver os outros passarem, desviei um pouco do caminho tradicional, comi o pãozinho da padaria. Descobri que alguns moradores do bairro já foram internados no hospital, outros trabalharam lá durante a sua construção, outros esperaram e ainda esperam na fila para serem atendidos. Descobri enfim, que existe muito mais que uma pista e sinais de trânsito ligando dois pontos de minha rotina.

O que acontece é que estamos sempre ocupados. Temos muita pressa, entramos no carro, ligamos o piloto automático para nos levar de um lugar a outro, fazemos uma ligação no celular, comemos algum lanche, consultamos o computador durante a parada no congestionamento e nos fechamos para as surpresas do caminho. É mais ou menos como se o corpo estivesse em um lugar e a alma em outro. O corpo dentro do carro sendo transportado e a alma sabe-se lá em que galáxia. De repente, só prestamos atenção na natureza quando ela se enfurece. Só sabemos que existe o bairro, e vidas dentro dele, quando fura o pneu do carro e necessitamos ajuda.

O jornal The Washington Post realizou uma experiência original. Convidou o famoso violonista Joshua Bell, capaz de lotar teatros ao preço médio de 500 dólares o ingresso, para tocar seu violino, um Stradivarius de 1713, avaliado em três milhões de dólares, durante uma hora na entrada do metrô. Joshua vestia jeans, camiseta e boné e tocou com entusiasmo por mais de 45 minutos. Foi praticamente ignorado pelos passantes, que com passo rápido, fones de ouvido, óculos escuros ficaram indiferentes à melodia que estava sendo executada por um desconhecido em uma calçada qualquer.


Cada um tem sua própria velocidade. Cada qual anda com seu passo e é inútil querer apressar ou retardar o passo do outro, a não ser que ele deseje isto. Eu estava correndo demais; consegui enxergar e optei por desacelerar.

A maior parte das empresas tem um dia de folga, quase sempre o domingo. E não é por acaso que ele existe. Uma das funções do domingo é descansar. Outra é aproveitar o tempo livre para pensar, observar, sentir.

Pense então em tirar um domingo para avaliar relacionamentos. Desde o momento em que você salta da cama pela manhã até o momento em que retorna, o que está acontecendo? O sol brilha todos os dias, só no final de semana ou você já nem se importa mais com ele? Existem cheiros, toques, flores, sabores, melodias? As conversas ficam na superficialidade ou vão até a essência? Tem alguém na fila esperando para ser atendido? Seu carro tem piloto automático? Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar. O mesmo vale para os sentimentos.


Lembra quando na escola a professora fazia a chamada e respondíamos: “Presente”? Não se pode estar presente em dois lugares ao mesmo tempo. Corpo e alma merecem estar juntos. Talvez o domingo seja o único dia que restou para que eles ainda tenham chance de se encontrar. E mesmo assim, pode ser que eles nem se reconheçam mais. Que tal darmos uma chance aos dois durante a semana também?
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