segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

UM DIA DE DOMINGO

Era um dia normal de trabalho. Sai apressado e fui rapidamente de um hospital até outro atender um paciente. Ao chegar no bloco cirúrgico a enfermeira me perguntou inocentemente: “Doutor, tem sol lá fora?”. Meu pensamento estava tão ocupado com outras coisas durante o trajeto , que não percebi o que acontecia a minha volta. Atravessei a cidade e não fui capaz de prestar atenção se havia sol! O que mais eu deixei passar despercebido? Que coisas eu havia deixado de sentir, de ouvir, de viver?

Aquela pergunta aparentemente leviana bateu em mim como uma bala de canhão e ficou latejando até o final de semana. No sábado resolvi compensar aquela pergunta sem resposta. Peguei o carro e refiz a viagem entre os hospitais sem pressa alguma, apreciando o sol, as nuvens, os pedestres, as árvores, os carros, as casas. Sempre passei por ali, mas nunca tinha prestado atenção na cor das casas, no tipo de construção, nos vasos de flores nas janelas, nos tipos de calçamento. Era como se eu estivesse conhecendo uma nova cidade. Fiquei surpreso, emocionado, mas também chateado comigo mesmo, por ter sido cego e insensível durante tantas e tantas viagens.

No domingo, fui buscar mais surpresas. Fiz o trajeto caminhando. Senti o sol batendo em meu rosto, o cheiro de pão fresco saindo da padaria, a poluição dos carros, o cansaço em meus pés. Que passeio magnífico. Foi uma outra viagem. Quantas descobertas, quanta vida existia naquilo que para mim, até então, era só uma ligação entre dois hospitais. Não conseguiria mais passar por aquelas ruas indiferente. O caminho de minha vida havia mudado, mas eu ainda precisava mais.

No outro final de semana, sai bem cedo e fiz o caminho mais lentamente. Parei para conversar com as pessoas, sentei no banco da praça para ver os outros passarem, desviei um pouco do caminho tradicional, comi o pãozinho da padaria. Descobri que alguns moradores do bairro já foram internados no hospital, outros trabalharam lá durante a sua construção, outros esperaram e ainda esperam na fila para serem atendidos. Descobri enfim, que existe muito mais que uma pista e sinais de trânsito ligando dois pontos de minha rotina.

O que acontece é que estamos sempre ocupados. Temos muita pressa, entramos no carro, ligamos o piloto automático para nos levar de um lugar a outro, fazemos uma ligação no celular, comemos algum lanche, consultamos o computador durante a parada no congestionamento e nos fechamos para as surpresas do caminho. É mais ou menos como se o corpo estivesse em um lugar e a alma em outro. O corpo dentro do carro sendo transportado e a alma sabe-se lá em que galáxia. De repente, só prestamos atenção na natureza quando ela se enfurece. Só sabemos que existe o bairro, e vidas dentro dele, quando fura o pneu do carro e necessitamos ajuda.

O jornal The Washington Post realizou uma experiência original. Convidou o famoso violonista Joshua Bell, capaz de lotar teatros ao preço médio de 500 dólares o ingresso, para tocar seu violino, um Stradivarius de 1713, avaliado em três milhões de dólares, durante uma hora na entrada do metrô. Joshua vestia jeans, camiseta e boné e tocou com entusiasmo por mais de 45 minutos. Foi praticamente ignorado pelos passantes, que com passo rápido, fones de ouvido, óculos escuros ficaram indiferentes à melodia que estava sendo executada por um desconhecido em uma calçada qualquer.


Cada um tem sua própria velocidade. Cada qual anda com seu passo e é inútil querer apressar ou retardar o passo do outro, a não ser que ele deseje isto. Eu estava correndo demais; consegui enxergar e optei por desacelerar.

A maior parte das empresas tem um dia de folga, quase sempre o domingo. E não é por acaso que ele existe. Uma das funções do domingo é descansar. Outra é aproveitar o tempo livre para pensar, observar, sentir.

Pense então em tirar um domingo para avaliar relacionamentos. Desde o momento em que você salta da cama pela manhã até o momento em que retorna, o que está acontecendo? O sol brilha todos os dias, só no final de semana ou você já nem se importa mais com ele? Existem cheiros, toques, flores, sabores, melodias? As conversas ficam na superficialidade ou vão até a essência? Tem alguém na fila esperando para ser atendido? Seu carro tem piloto automático? Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar. O mesmo vale para os sentimentos.


Lembra quando na escola a professora fazia a chamada e respondíamos: “Presente”? Não se pode estar presente em dois lugares ao mesmo tempo. Corpo e alma merecem estar juntos. Talvez o domingo seja o único dia que restou para que eles ainda tenham chance de se encontrar. E mesmo assim, pode ser que eles nem se reconheçam mais. Que tal darmos uma chance aos dois durante a semana também?
Leia mais no meu site: www.ildomeyer.com.br

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