terça-feira, 31 de agosto de 2010

MOTIVO DA VIAGEM: TURISMO MÉDICO

Motivo da viagem:
(X) turismo ( ) negócios (X) lazer ( )convenções
(X) tratamento de saúde
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No passado, quando alguém adoecia gravemente ou necessitava ser submetido a uma cirurgia mais especializada, logo se pensava em realizar o tratamento no exterior (Estados Unidos ou Europa). Tecnologia, recursos e experiência indicavam este caminho. O preço era elevado, mas as chances de sucesso eram bem maiores e compensavam os empréstimos e financiamentos para salvar uma vida.

Os tempos mudaram e as rotas de viagem na busca da saúde também. Agora são os pacientes do primeiro mundo que estão migrando para países emergentes. O que aconteceu? Qual o motivo dessa virada? A razão é essencialmente econômica. Dependendo do caso, pode haver redução de até 90% no custo de uma cirurgia.

Quarenta e sete milhões de americanos não dispõem de seguro ou plano de saúde e têm utilizado este “turismo médico” como alternativa. Aproveitam a “pechincha” para associar lazer e turismo aos cuidados com a saúde por preços muito inferiores aos praticados em seu país de origem. Até mesmo as seguradoras estão entusiasmadas, oferecendo opções com preços drasticamente reduzidos para quem se dispõe a utilizar essa modalidade de serviços.

Nos países em que o sistema de saúde é predominantemente público, como Canadá e Reino Unido, o problema não é o preço e sim a longa fila de espera para receber tratamento eletivo ou de menor urgência. Uma cirurgia de prótese de joelho pode demorar até dois anos para ser autorizada, levando “pacientes impacientes” com maior poder aquisitivo a procurar alternativas no exterior.

Acontece que o barato pode sair caro, principalmente quando se trata de saúde, e os países de primeiro mundo sabem muito bem disto. Para integrar o seleto clube de países-destino de viagens médicas internacionais, alguns pré-requisitos precisam ser atendidos: fluência em línguas estrangeiras por parte dos profissionais envolvidos; qualificação internacional do corpo clínico; certificação internacional de qualidade hospitalar (Joint Comission International – National Integrated Accreditation For Healthcare Organizations), facilidade de pagamento, atualização tecnológica de equipamentos, materiais, medicamentos e instalações adequadas aos mesmos níveis que os viajantes têm em seus países.

Alguns países asiáticos já atendem a todas estas exigências e vão além. A Índia, por exemplo, permite a importação de equipamentos médicos de última geração sem barreiras burocráticas e alfandegárias, criou um visto especial com permanência de um ano para os turistas-pacientes e fornece, ainda, bolsas de estudo gratuitas aos médicos que se especializam no exterior desde que retornem para trabalhar na Índia ao final do estágio.

Em termos de valores monetários, para cada dólar gasto em saúde, oito são gastos em turismo. Em média, turistas médicos gastam 120 dólares/dia em compras e permanecem 21 dias no pais. De olho neste mercado, agencias de viagens americanas, européias e asiáticas já estão trabalhando em parceria com os principais hospitais, que também estão se organizando no sentido de buscar cada vez mais pacientes

No Brasil, contudo, o turismo de saúde ainda é incipiente. Segundo dados do Ministério do Turismo, nos últimos três anos, 180 mil pacientes vieram realizar tratamentos médicos no país. É um número modesto para um destino que possui belas paisagens naturais, tornou-se referência internacional em diversos segmentos da medicina, e ainda sediará a próxima Copa do Mundo. A titulo comparativo, o “Bangkok Dusit Medical Services”, o maior de Bangkok, recebeu 649 mil pacientes estrangeiros só no ano de 2007.

O que dificulta a globalização da medicina brasileira, além das manchetes no noticiário internacional sobre violência urbana, epidemias e ineficiência do sistema público de saúde, é a falta de investimentos no setor e o desconhecimento da diversidade cultural dos turistas por parte dos profissionais da área.

Não é apenas uma questão de traduzir o idioma, é preciso um intérprete cultural. Se a internação hospitalar já é penosa para o residente do país, imagine-se então para um paciente estrangeiro. Costumes, alimentação, comportamentos, temores precisam ser entendidos e trocados por calor humano como forma de aplacar o estresse aculturativo e hospitalar. Se não é possível proteger o estrangeiro da violência nas ruas, pelo menos que ele se sinta física e emocionalmente “em casa” dentro do hospital.

Turismo médico não precisa ser apenas viagem e saúde a preços módicos. O sucesso deste turismo inclui ir além das milhas viajadas, proporcionando um modelo de acolhimento que permita ao paciente e familiares uma “viagem lúdica” enquanto a cura acontece. Por que não?
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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Separou mais vezes que amou

Ela tinha não só o discurso na ponta da língua, como também o colocou em prática várias vezes. A mocinha era daquelas defensoras confessas do casamento, uma ativista da instituição, mesmo na contramão do discurso da maioria dos descasados integrantes da faixa madura-idade.

O negócio dela era casar. Elaborou mentalmente o estatuto do casamento perfeito. Para ela casar significava partilhar não só as escovas de dente, dispostas no porta-escovas que sonhou comprar desde que o viu naquela revista de decoração, assim como todos os espaços do que idealizava simbolizar o ‘lar doce lar’. Partilhar a cozinha e todos seus aromas, sabores, alquimias, químicas e físicas que a mesa de apoio ou bancada da pia lhe permitissem experimentar.

Tinha a cama dos sonhos também. Uma king size sob medida, perfeita para as noites, manhãs, tardes, madrugadas de prazeres inconfessos, e outros perfeitamente confessáveis, como aquecer mãos e pés gelados no peito e pernas quentes do seu par, sem que este dissesse um ai. E coitado dele se ousasse reclamar do motivo das extremidades frias da mocinha, porque enquanto ele já repousava na cama, ela, escovando os dentes, circulava pela casa só de camiseta (dele), cumprindo sua tarefa de checar portas, janelas e luzes antes de dormir.

Casar para ela era acordar cedinho, beijo de bom-dia, sexo, banho, café da manhã, tele-jornal com volume suficiente para acordar o prédio inteiro só para saber a previsão do tempo lá do banheiro enquanto se maquiava. Depois, fé em Deus e pé na tábua, beijinho de tchau e cada um para suas vidas lá fora.

E durante o tempo que estivessem na rua, casar para ela era ter a certeza de que bastava apertar a tecla n. 2 do celular (discagem rápida) e, no máximo de três toques, ouviria a doce voz do marido dizendo: 'oi Delicinha!' - isto sem que ela se sentisse uma margarina e, de quebra, a voz traria a informação de que ela estava livre da experiência traumatizante e duvidosa de escutar a gravação: 'eixxxte telefone móvel encontra-se fora da área de cobertura ou deixxligado, tente maixxx tarrrde'. Imagine! Casamento pressupunha a perfeição, que obviamente não passava por conhecer a mensagem da caixa postal de seu par.

E a TPM então, ele já teria feito um curso de imersão, passando por todos os módulos avançados, o que o tornava capaz de diagnosticar a avalanche hormonal no primeiro suspiro e de imediato providenciar a profilaxia de neste período jamais contrariar a fêmea. Ele seria um super, super não, um mega-blaster homem.

E assim conheceu o primeiro, apaixonaram-se e quis logo pôr em prática suas teses sobre o casamento. Estatuto em punho, já nos primeiros meses começou a ficar incomodada, algo de muito esquisito estava acontecendo com aquela relação. Como podia ele deixar sua escova de dente jogada sobre a bancada da pia, esquecendo de colocá-la na peça escultural, determinada pela revista de decoração? Ora, sem desmerecer as alianças, escovas juntinhas também representavam o símbolo da união. Foi crucial, e no fim do primeiro ano ela já não mais dividia a bancada da pia, muito menos a peça artística desprezada por aquele insensível à arte.

Veio o segundo. Esse era um expert em decoração. Ficou tão encantada com seus conhecimentos sobre o tema, que não demorou fazer a proposta de dividir todos os espaços de suas vidas - leia-se: um novo ‘lar doce lar’. Casaram e partiram em lua-de-mel para a Itália. E como não poderia deixar de ser, Murano era destino certo. Mas quis o destino que um raro e belíssimo lustre (de Murano), escolhido a dedo pelo casal, despencasse fatalmente sobre a cabeça do moço. Não, ela não viuvou. Nada grave, a fatalidade está na perda irreparável da peça única. O marido sobreviveu, tendo como sequela apenas a perda do olfato e paladar. Não deu outra, consultou o rol de artigos de seu estatuto do casamento e o resultado foi a dúvida de como sobreviver sem aromas, sabores e temperos. Ela bem que tentou, só que sem dividir a cozinha o encantamento se foi pelo ralo da pia, depois de passar pelo triturador da frustração.

Entretanto ela tinha fé. Não tardou aparecer o terceiro. Esse, além de idolatrar decoração, tinha por hobby cozinhar! Mas quem disse que seria fácil? Não precisou mais que dois invernos para saber do pavor dele por extremidades geladas tocando sua pele quente e delicada, além de deixar claro o exagerado apego às suas gigantescas camisetas de malha, que ela se servia diretamente do armário dele sem pedir licença. Egoísta (!), sentenciou. E veio o quarto, quinto e sexto maridos. Um detestava tele-jornal matinal no volume máximo, o outro jamais entendeu o artigo do estatuto que estabelecia pormenorizadamente as funções inconfessáveis de uma cama king e o último, bem, este a apresentou à caixa postal do celular.

Não se sabe ao certo se depois de todos esses casamentos o estatuto da mocinha (agora uma ‘evelhescente’) sofreu reformas ou recebeu alguma emenda. Ouviu-se dizer que estava pensando em reconsiderar e convocar uma espécie de Poder Constituinte, onde Câmara e Senado seriam representados por divãs de analistas das mais variadas correntes, que se reuniriam para a complexa tarefa de elaborar um novo Estatuto Matrimonial.

Dos desdobramentos dessa ideia racional não se tem notícias, a única informação segura é que ela ainda não desistiu. Conta a lenda que a moça passa dias e noites circulando entre divãs, escritórios de advogados, barzinhos da moda, lojas de decoração, feiras de eventos, seminários e academias de ginástica, buscando o super-mega-blaster-sensível-romântico-disponível-ardente-criativo-inteligente homem ‘ideal’. Homem ideal? Nesse caso, talvez o ‘ideal’ mesmo seja torcer para que um lustre, não tão pesado quanto um Murano, despenque sobre sua cabeça a ponto de apenas fazê-la acordar e descobrir que enquanto sonhava o casamento perfeito deixou escapar amores – imperfeitos, porém reais.
Artigo escrito em parceria com Maria Janice Vianna
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