sábado, 29 de maio de 2010

Nem todos os homens são iguais

Nos próximos dias vai começar a Copa do Mundo de futebol. O Brasil costuma parar na hora em que a seleção entra em campo, e dependendo do resultado, permanece paralisado ou deslancha em carnaval. Já faz parte de nossa cultura. Quanto mais o Brasil avança na competição, mais os nervos do povo torcedor vão ficando exaltados, até o dia da grande final, quando acontece a catarse. Isto me fez lembrar a história de Gabriel e Sandra, um casal de amigos que economizou dinheiro durante dois anos para assistir a Copa do Mundo na Alemanha em 2006.

Não são fanáticos por futebol, mas acharam que seria uma experiência interessante, pois além do turismo, poderiam conviver com uma diversidade cultural e quem sabe até ver a seleção se tornar hexa campeã mundial. Planejaram todos os detalhes: reservaram hotéis, passeios, restaurantes e também compraram antecipadamente ingressos para todos os jogos do Brasil, inclusive para a finais, mesmo sem saber se chegaríamos lá.

O Brasil acabou sendo desclassificado e a partida final iria ser decidida entre França e Itália. Na noite anterior à decisão do mundial, no saguão do hotel, dois milionários franceses ficaram sabendo dos ingressos de meus amigos e ofereceram ao casal vinte mil dólares pelas entradas. Era a "tentação francesa" batendo à porta. Esta quantia pagava todas as despesas da viagem, o Brasil já não tinha mais chances de ser campeão e além disto, eles nem entendiam muito de futebol.

A esposa imediatamente abriu mão do ingresso, mas meu amigo ficou em dúvida e pediu um tempo aos franceses para pensar. Imaginem como foi a noite. Ela dizendo que queria os dez mil dólares a que tinha direito e se o marido quisesse desperdiçar esta oportunidade caida dos céus, não compactuaria este ato insano. Não estava lá, mas acredito que não devem ter dormido direito. Sexo, nem pensar. Levantaram todas as hipóteses, ressucitaram casos do passado, acusaram, desculparam, fizeram cálculos, projetaram o futuro e ao raiar do sol, ainda não havia um consenso.

Os franceses esperavam uma resposta no café da manhã. Pode até parecer bobagem, mas ás vezes, a maneira como são manejadas e conduzidas as expectativas individuais frente a um "pequeno dilema", pode ser responsável pelo futuro do casal. Separações não acontecem de uma hora para outra, iniciam sutilmente com pequenas atitudes egoistas. Depois de escovar os dentes, mas ainda com o rosto inchado da noite insone, meu amigo saiu do toalete, segurou delicadamente a mão da esposa e explicou que haviam investido dois anos neste sonho, não somente dinheiro, mas também emoções, projetos, vida. Sonhara várias noites com aquele dia que estava nascendo, com a emoção de chegar cedo ao estádio, comprar pipocas para a esposa, olhar a torcida multicolorida, assistir uma final de copa e se sentir um privilegiado, com ou sem o time do Brasil em campo. Sem ela na cadeira ao seu lado, o sonho estava perdido, apesar do dinheiro ganho.

Pediu a ela que qualquer que fosse a decisão, que a assumissem juntos, como casal. Não por serem casados, mas por serem companheiros nesta jornada. Considerou ainda que talvez não estivessem vivos na próxima copa, mas agora estavam ali, saudáveis, com os ingressos na mão e discutindo por causa de uns franceses milionários que encontraram ao acaso. Prometeu vender aquele sitio que nunca frequentavam e dar a ela os dez mil, mas que não jogasse fora o investimento do casal por uma tentação francesa.

Abraçaram-se, choraram e foram juntos à final. Venderam o sitio, economizaram e agora estão indo para a Africa do Sul, com os ingressos comprados, inclusive para a final. Não viraram fanáticos, querem apenas aproveitar a emoção da copa juntos e se aparecerem outros milionários, já sabem como vão lidar com a situação.

Um outro amigo, casado há 20 anos, filhos crescidos, foi participar de um congresso médico no Rio de Janeiro. No avião sentou ao lado de uma estudante francesa, quinze anos mais moça, bonita e sensual. Conversaram animadamente durante toda a viagem, dividiram o táxi e combinaram de se encontrar no outro dia para um jantar. Mais uma "tentação francesa" batendo à porta.

Pois é, a vida é assim, mas nem todos os homens são iguais.
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domingo, 16 de maio de 2010

CONFIANÇA sem FIANÇA (Versão médica original)

Por todas as pessoas que telefonaram, pensaram em ligar, enviaram e-mails, não dormiram direito, preocupadas e solidarizando-se com a cirurgia descrita no artigo anterior, quero dizer que estou bem. Mais leve também. Não por ter sido retirado um pedaço de mim, mas por saber que se dispuseram a ajudar a carregar o eventual sobrepeso que o destino me oferecer.

Mostro abaixo o texto original, escrito para uma revista médica, e que serviu de inspiração para a postagem anterior. Espero um dia poder retribuir o carinho e atenção. Muito Obrigado.

CONFIANÇA SEM FIANÇA (VERSÃO ORIGINAL)

Procurei escapar de todas as maneiras, mas não consegui. Vou ter que me operar. Trabalho todos os dias anestesiando pacientes para cirurgias, mas desta vez sou eu quem vai estar deitado do lado de lá. Quando acordar na sala de recuperação, imagino um curativo enorme tapando uma cicatriz através da qual será retirado um pedaço do meu corpo. Vão tirar um pedaço de mim e já estou sofrendo por antecipação.

Em quem confiar para realizar esta tarefa? Quem vou autorizar cortar minha pele, penetrar no meu interior, abduzir o pedaço que julgar conveniente e deixar a cicatriz como lembrança permanente desta agressão calculada, necessária e consentida?

Posso confiar no cirurgião carregado de diplomas, na indicação de uma boa experiência obtida por um vizinho, nas palavras tranqüilizadoras transmitidas durante a consulta ou na sala de espera da clinica lotada de pacientes?

Posso confiar no hospital que anuncia em revistas e outdoors tecnologia de última geração, preocupação máxima com a segurança e excelência no atendimento?

Posso confiar em mim, meu corpo vai reagir adequadamente?

Confiança é algo que não se pede; se conquista no dia a dia simplesmente cumprindo aquilo que se promete. Não pode ser comprada, não existe em versão econômica, não adianta anunciar e demora um tempo para ser produzida.

Como então, a partir de uma consulta de 30 minutos passar a confiar e se entregar de corpo e alma para um médico e para o hospital recomendado? Não há tempo razoável para construir e transmitir confiança, e por mais fragilizado que o paciente se encontre, aquela imagem do doutor como um semideus salvador, infalível e de conduta soberana e indiscutível é coisa do passado.

Posso postergar a cirurgia por mais um tempo até que eu me sinta pelo menos setenta por cento seguro? Não; não pode, é preciso operar logo. Estou naquela famosa encruzilhada: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Decido sozinho, peço auxilio para a família, amigos, colegas ou deixo o médico decidir por mim?

Tanto a confiança como a falta dela, são contagiantes. Quando a mamãe águia empurra seu filhotinho abismo abaixo para que balance as asas e aprenda a voar, o medo do fracasso está ali, assustando mãe e filho. Mas a confiança de que aquele é o momento certo para que o filhote descubra o privilégio de voar, faz com que a águia-mãe vença a emoção conflitante e presenteie o filho com o empurrão.

O inicio de uma relação médico-paciente é como caminhar no escuro, sempre existe o medo e nunca se sabe quando vai tropeçar. Se você confia em si, pode então depositar confiança no médico e tentar andar de mãos dadas por este caminho desconhecido e assustador para a maioria das pessoas. Se durante a consulta você sentir segurança, competência, empatia, atenção, informação, compaixão e carinho, faça como a águia, dê um pulo e atire-se nos braços do médico. Mas cuidado, se alguém lhe oferecer cem por cento de segurança, comece a desconfiar.

Então tá, apesar de todos os riscos, depois da cirurgia conversamos.
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