domingo, 16 de maio de 2010

CONFIANÇA sem FIANÇA (Versão médica original)

Por todas as pessoas que telefonaram, pensaram em ligar, enviaram e-mails, não dormiram direito, preocupadas e solidarizando-se com a cirurgia descrita no artigo anterior, quero dizer que estou bem. Mais leve também. Não por ter sido retirado um pedaço de mim, mas por saber que se dispuseram a ajudar a carregar o eventual sobrepeso que o destino me oferecer.

Mostro abaixo o texto original, escrito para uma revista médica, e que serviu de inspiração para a postagem anterior. Espero um dia poder retribuir o carinho e atenção. Muito Obrigado.

CONFIANÇA SEM FIANÇA (VERSÃO ORIGINAL)

Procurei escapar de todas as maneiras, mas não consegui. Vou ter que me operar. Trabalho todos os dias anestesiando pacientes para cirurgias, mas desta vez sou eu quem vai estar deitado do lado de lá. Quando acordar na sala de recuperação, imagino um curativo enorme tapando uma cicatriz através da qual será retirado um pedaço do meu corpo. Vão tirar um pedaço de mim e já estou sofrendo por antecipação.

Em quem confiar para realizar esta tarefa? Quem vou autorizar cortar minha pele, penetrar no meu interior, abduzir o pedaço que julgar conveniente e deixar a cicatriz como lembrança permanente desta agressão calculada, necessária e consentida?

Posso confiar no cirurgião carregado de diplomas, na indicação de uma boa experiência obtida por um vizinho, nas palavras tranqüilizadoras transmitidas durante a consulta ou na sala de espera da clinica lotada de pacientes?

Posso confiar no hospital que anuncia em revistas e outdoors tecnologia de última geração, preocupação máxima com a segurança e excelência no atendimento?

Posso confiar em mim, meu corpo vai reagir adequadamente?

Confiança é algo que não se pede; se conquista no dia a dia simplesmente cumprindo aquilo que se promete. Não pode ser comprada, não existe em versão econômica, não adianta anunciar e demora um tempo para ser produzida.

Como então, a partir de uma consulta de 30 minutos passar a confiar e se entregar de corpo e alma para um médico e para o hospital recomendado? Não há tempo razoável para construir e transmitir confiança, e por mais fragilizado que o paciente se encontre, aquela imagem do doutor como um semideus salvador, infalível e de conduta soberana e indiscutível é coisa do passado.

Posso postergar a cirurgia por mais um tempo até que eu me sinta pelo menos setenta por cento seguro? Não; não pode, é preciso operar logo. Estou naquela famosa encruzilhada: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Decido sozinho, peço auxilio para a família, amigos, colegas ou deixo o médico decidir por mim?

Tanto a confiança como a falta dela, são contagiantes. Quando a mamãe águia empurra seu filhotinho abismo abaixo para que balance as asas e aprenda a voar, o medo do fracasso está ali, assustando mãe e filho. Mas a confiança de que aquele é o momento certo para que o filhote descubra o privilégio de voar, faz com que a águia-mãe vença a emoção conflitante e presenteie o filho com o empurrão.

O inicio de uma relação médico-paciente é como caminhar no escuro, sempre existe o medo e nunca se sabe quando vai tropeçar. Se você confia em si, pode então depositar confiança no médico e tentar andar de mãos dadas por este caminho desconhecido e assustador para a maioria das pessoas. Se durante a consulta você sentir segurança, competência, empatia, atenção, informação, compaixão e carinho, faça como a águia, dê um pulo e atire-se nos braços do médico. Mas cuidado, se alguém lhe oferecer cem por cento de segurança, comece a desconfiar.

Então tá, apesar de todos os riscos, depois da cirurgia conversamos.
Leia mais no site: http://www.ildomeyer.com.br/
.

Um comentário:

  1. Adoro ler teus artigos!!!

    É, muitas vezes temos que agir como a "águia" nas situações que a vida apresenta....e, como temos!!!
    Confiança, acima de tudo sempre!!!!
    O "inevitável" só nos deixa como alternativa o IR EM FRENTE, porque existem momentos que o DESISTIR não é permitido cogitar em pensar!!!!!

    Grande beijo!!!!
    Liane.

    ResponderExcluir