Imagine um
lugar onde não exista o perigo de contaminação com o coronavirus. Todos podem
se tocar, abraçar, beijar, sem medo de adoecer. Seria bom, não é? Seria ótimo. Melhor
ainda se todas as pessoas fossem saudáveis, nada de doenças. Este deve ser o
sonho de consumo atual de toda humanidade.
Pois é, ficaria
melhor ainda se, além disso, as pessoas não precisassem se envolver com política,
governo, mandos, desmandos, arbitrariedades, fake news, impostos. Talvez não se
envolver não seja a expressão mais adequada, as pessoas não precisariam tomar
conhecimento daquilo que acontece fora de suas casas, simplesmente
alienar-se-iam dos atos governamentais e tocariam suas vidas.
Já que sonhar não custa, imaginemos também comida, bebida, música, diversão, piscina, academia de ginástica, festas. Tudo do bom e do melhor. Em tese, estes seriam os ingredientes para uma vida feliz. O que mais poderia estar faltando? Telefone celular e internet podem facilitar ou atrapalhar, aproximar ou afastar, então, por via das dúvidas, seriam retirados de circulação. Nesses casos, menos pode ser mais.
Este lugar
existe, e não é só na sua ou na minha imaginação. Este lugar é a casa do Big
Brother Brasil, reality show que vai ao ar todas as noites na televisão aberta.
Antes que você interrompa e abandone a leitura dizendo que o programa é uma porcaria,
que você não perde seu tempo assistindo, que é uma pouca vergonha e todos os
outros impropérios que possam vir à sua mente, não podemos negar que em algum
momento você já deu uma espiadinha e no mínimo sabe do que se trata.
Saiba também
que existe um montão de gente viciada no programa e que acompanha e vive a movimentação
da casa vinte e quatro horas por dia. Especialmente agora que estamos ou deveríamos
estar em isolamento social, pessoas que não podem ou não sabem se socializar, aproveitam
a oportunidade, identificam-se e passam a viver suas vidas no avatar de algum
dos moradores da casa.
Mas não é
sobre isso que quero escrever, quem sou eu para dizer quem ou o que está certo
ou errado. Nada sei dos telespectadores, dos protagonistas, suas carências,
necessidades de alienação, de visualização e por ai vai. Também não quero
entrar no mérito do tal programa de televisão. Utilizei-o como recurso para
discutir o comportamento humano.
Vinte pessoas,
fisicamente saudáveis e saradas, reunidas na maior mordomia, isoladas do mundo
e da tão assustadora pandemia, podendo fazer daquela casa um paraíso, no
entanto, não conseguem ser felizes e se dar bem. Logo que se reúnem já iniciam
antipatias, discórdias, disputas de poder, formação de conchavos, segredos,
fofocas, confusões. Imagine então o que deve rolar com pessoas confinadas em
uma casa sob condições precárias.
Inicialmente
pensei que o motivo da animosidade pudesse ser o confinamento. Ninguém gosta de
se sentir preso, mesmo que o cárcere esteja disfarçado de paraíso. Alguns
relacionamentos amorosos utilizam esta estratégia. Cercas nem sempre são para
proteger, por vezes aprisionam mais que resguardam.
Acredito que
as causas de hostilidade no programa possam ser múltiplas. Faixa etária dos
participantes, competitividade, perfil de quem se candidata a participar do
programa, indução à discórdia por parte da produção. Só que o furo é mais
embaixo, anterior mesmo a chegada na casa. O ser humano é um ser social, só que
nunca é totalmente pacífico ou competitivo, regido totalmente pelo egoísmo ou
perfeitamente moral. Vemos bondade, crueldade, nobreza e vulgaridade, às vezes
até na mesma pessoa.
Outra coisa: é
mais fácil causar dor alheia que sentir a dor de uma vida insatisfatória. É
mais fácil descarregar o lixo de sua vida nas costas de outros. É mais fácil
julgar e acusar que assumir os próprios erros e defeitos. Se fazer de vítima
pode ser uma boa estratégia para ganhar votos, expulsar irmãos da casa e ficar
com tudo para si.
Esta dualidade
da natureza humana, invariavelmente manifestada no micro cosmos da casa Big
Brother, colaborou para que o ser humano se transformasse no senhor de todo o
planeta, só que não sabe mais o que fazer com todo este poder adquirido, nem
para onde está indo. Na busca de seu próprio conforto e divertimento, destrói o
ecossistema à sua volta. Descuida seu semelhante, negligencia a natureza. Não presta
contas a ninguém. Julga-se um semideus. Só que jamais encontra satisfação.
Existe algo mais perigoso do que semideuses insatisfeitos e irresponsáveis?
Estamos no
pico da pandemia, completamente vulneráveis ao vírus. Nem carro blindado, naves
espaciais ou vacinas são garantias de proteção. Estamos à mercê de planos
governamentais de preservação e ajuda criados em gabinetes, sabe-se lá por quem
e com quais interesses. A diferença entre o vírus e o homem é que o vírus não
sabe que se suicida destruindo o hospedeiro, mas o homem deveria saber que ao
desconsiderar a dor de seu irmão, sua casa jamais será um lar. E pior do que ser atacado por um vírus, é ser
agredido, insultado e desprezado por outro ser humano que se julgue melhor e
acima da gente.
Orgulho de
nossa evolução tecnológica, vergonha de nossa decadência amorosa.
Profunda reflexão para os dias de hoje:" A diferença entre o vírus e o homem é que o vírus não sabe que se suicida destruindo o hospedeiro, mas o homem deveria saber que ao desconsiderar a dor de seu irmão, sua casa jamais será um lar I.M." Teríamos a competência de enxergar nossa própria realidade, ou de fazer reflexões profundas a respeito de nossa natureza? Possivelmente, algumas pessoas, ainda que não percebam de imediato, entram em um turbilhão de emoções outras nem perceberão tal circunstância.
ResponderExcluir"Existe algo mais perigoso do que semideuses insatisfeitos e irresponsáveis? I.M." Algumas pessoas poderão se sentir como personagem de natureza superior, ou ainda, ser capaz de responder pelos seus próprios atos. Qual seria a métrica das intensões? Somos seres complexos.
Porém existe um lugar onde muitos praticam a reestruturação " e não é só na sua ou na minha imaginação. I.M."
Adorei! Interessante a abordagem sobre a diferença entre o vírus e o ser humano. Eu procuro não causar dor em ninguém. Como me disse um amigo: você é muita prestativa cuidado é diferente boa gente de gente boa. Abraços
ResponderExcluirMe esforço em fazer do meu lar, meu templo. Com as flores, plantas, bichinhos. Aprendi que o microcosmos é muito encantador e ao admirá-lo estou admirando o universo. Me encanta pensar esses paradoxos. sem concluir nada. Apenas admirar, sentir, respirar... Respirar esse valor imensurável. Grata pelo texto
ResponderExcluirMuito boa a comparação entre a casa BigBrother e políticos. Ambos se fazem de bonzinhos, abraçam, beijam pra conseguir votos. São todos uns fingidos. Não valem nada.
ResponderExcluirLar não é um lugar. É um sentimento.
ResponderExcluirCasa + amor = LAR
ExcluirUm peixe pode amar um pássaro, mas onde seria o seu lar?
ResponderExcluirSerá devorado! Melhor não amar!
ExcluirA verdade doi,a mentira mata mas a dúvida tortura
ResponderExcluirSejam verdadeiros em seus lares!
A grama do vizinho sempre parece mais verde que a nossa, mas as vezes a grama pode ser falsa. Olhando de longe pode nos enganar. Assim é o Big brother, o facebook e o instagram.
ResponderExcluirTem gente que gosta de enganar e outros que gostam de se enganar.
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