domingo, 5 de outubro de 2025

Você sabe perdoar?

Pense numa traição. Não qualquer uma, mas aquela. A que deixou

cicatriz, A que veio de quem estava perto, dividia a mesa, os sonhos

e até o silêncio. De quem você menos esperava. Porque, sejamos

francos, inimigos não traem, apenas confirmam o que já

esperávamos deles. Quem nos apunhala pelas costas geralmente é

uma mão conhecida.


Você seria capaz de realmente perdoar? Não falo do perdão

superficial, automático e banal que se usa como etiqueta social para

encerrar uma discussão e salvar as aparências. Estou falando do

perdão profundo, quase sobre-humano, que exige rasgar o próprio

orgulho e encarar de frente o traidor e a ferida aberta.

Perdoar não é uma tarefa fácil, porque o perdão, quando verdadeiro,

não é linear e pode ser pensado em três níveis.


Primeiro: a pessoa confessa que errou, pede desculpas, demonstra

arrependimento, promete mudar. Aqui, o perdão parece possível, há

confissão, humildade e desejo de reparação. A mágoa ainda existe,

mas nasce uma esperança de cura.


Segundo: além de confessar, o ofensor implora por anistia, pede que

não se aplique a justiça da mágoa, que ele seja absolvido e libertado

da condenação. Aqui, o perdão exige mais generosidade, trata-se de

suspender a vingança e engolir o orgulho.


Terceiro: o mais difícil. O traidor não apenas pede anistia, mas deseja

apagar o passado, como se o erro nunca tivesse existido. Esse é o

limite humano do perdão, porque não se trata apenas de absolver ou

esquecer, mas de reconstruir a inocência perdida, de devolver ao

outro algo que ele mesmo destruiu.


O dilema é este: até onde a gente aguenta ir? Conseguimos

realmente confiar de novo, acreditando que a traição não vai se

repetir? Nós, humanos, limitados como somos, não temos como ler o

coração alheio. Só Deus, talvez, tenha essa visão de raio X que

atravessa intenções e perceba a verdade por trás do arrependimento.

Por isso, a sabedoria popular nos diz que errar é humano, mas

perdoar é divino. Deus consegue suportar inúmeras traições. Nós,

humanos, mal suportamos a primeira.


E talvez seja nesse abismo entre a mágoa e a graça que se revela a

verdadeira grandeza de uma alma. Porque o perdão genuíno não é

um ato de esquecimento, mas um ato de coragem. Se a traição nos

marcou, o perdão pode nos definir. Perdoar é subverter a lógica da

violência e plantar amor no terreno devastado.


Mas isso não é para todos. É para almas raras, que entendem que

perdoar, no fim das contas, é o último e mais sofisticado ato de

amor-próprio.

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