quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A graça da pescaria não é o peixe

 

Houve uma época em que decidi aprender a pescar. Não sei explicar o motivo — talvez fosse só uma vontade de ficar sozinho, de silêncio, de desacelerar, ou só um capricho de fim de semana.

Comprei um livro chamado “Tudo sobre Pescaria” e outro chamado “Pescar é esperar”, porque é claro, que eu iria começar pelos livros.  Devorei-os em uma semana.  Pesquisei vídeos no YouTube,  comprei vara, anzol, isca, boné, tudo. Me achava o mestre da pesca, na teoria sabia tudo.

Disseram-me que havia um bom rio na cidade de Viamão. Num domingo ensolarado, peguei minhas coisas, e fui até lá. Escolhi uma árvore com sombra, sentei ali e joguei o anzol. A ideia era simples: esperar, como o livro dizia: Pescar é esperar

E eu esperei. Nada aconteceu. Nenhum peixe, nenhuma fisgada. Mas enquanto nada acontecia, comecei a filosofar (óbvio).
Me veio aquela frase que talvez vocês conheçam: "O homem não se banha duas vezes no mesmo rio" , o rio muda, o homem muda...

A água passava, as folhas boiando, a correnteza seguindo, o tempo passando, e eu ficava ali, meio peixe fora d’água.

Então notei que a sombra da árvore não passava. Ela estava ali, imóvel, como se dissesse: “Pode deixar que eu fico. Vai lá, segue o fluxo, que eu guardo a tua ausência.

Então surgiu um insight: a vida também é assim. Têm coisa que vai embora, como a água que escorre entre os dedos. Tem coisa que fica: um cheiro que te joga 15 anos para trás, uma música, um sorriso que a gente nunca conseguiu esquecer, um amor que não virou história, mas ensinou a lição.

Alguns amores são só a correnteza. Algumas memórias viram sombra, daquelas que voltam pra cobrir a gente quando todo o resto foi embora.

Esse livro nasceu disso: de tudo que passou, mas também de tudo que se recusou a ir embora. Não é um manual, não tem um passo a passo.  Ele é um registro — Uma espécie de pescaria emocional — só que em vez de anzol, eu usei memória.

Escrevi a partir de memórias. Algumas são minhas mesmo. Outras, eu roubei da vida — de filmes, novelas, livros, músicas, histórias que vi, ouvi em conversas de bar, em elevadores, dos amores que desejei e  nunca tive.

A idéia aqui não foi ensinar ninguém a amar. Foi preparar o terreno. Limpar os galhos secos. Mexer na terra. Colocar as mãos naquilo que já foi machucado e perguntar: "Ainda dá pra nascer alguma coisa boa daqui?"

Porque a verdade é que todo mundo tem seu cantinho bagunçado no coração. Uma gaveta emocional meio entulhada de coisas que a gente não sabe se guarda como tesouro ou joga for como lixo,

E esse livro é sobre isso: sobre a beleza da desordem. Sobre o caos que, vez ou outra, dá um charme à existência e nos deixa mais humanos. Sobre olhar com mais carinho para os lugares onde o amor já passou. A vontade de tentar de novo, mesmo sabendo que talvez doa.

Espero que esse livro provoque, abrace, incomode um pouquinho também. Que faça lembrar alguém ou repensar outro alguém, ou simplesmente sorrir com uma frase que vocês não esperavam.

Então já valeu.

Sim, eu ainda não aprendi a pescar.
E talvez nem aprenda.
Mas naquele dia, à beira do rio, eu entendi que a lição não estava no peixe.

Estava no olhar.

Porque, no fim das contas, a grande pergunta nunca foi quantos peixes você conseguiu pescar?

Talvez a pergunta possa ser: o que você vai fazer com os peixes que pescar?

Vai jogar de volta no rio, vai deixar apodrecendo em um balde, vai comer, vão postar uma foto nas mídias sociais, vai virar livro?

Não estou mais falando de pescaria, não sei se notaram A pergunta que não quer calar é:

Quem você vai escolher para sentar ao seu lado na árvore?

Quem será a sombra que irá te iluminar?

O que ficou em você, mesmo depois que tudo tinha ido embora?

O que virou correnteza?

O que, apesar de tudo, ainda é sombra boa?

Conversa realizada por ocasião do lançamento do livro "(Des)Ordem Sentimental - Preparando o terreno para amar'", em outubro 2025.

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