quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Por que precisamos de um porquê?

 

O paraíso mora dentro de uma caixa de brinquedos. A partir de qual idade crianças passam a ceder espaço em suas vidas despreocupadas, deixando de lado os brinquedos, para tentar entender a utilidade das coisas? O que acontece em suas cabeças que as faz virar a chave e abdicar de uma vida lúdica e prazerosa para começar a se interrogar sobre o funcionamento do mundo que as cerca?

Serão os adultos, preocupados com a educação infantil, os responsáveis por lhes roubar o paraíso ou faz parte da evolução natural da espécie humana a curiosidade e procura de respostas? Inesperadamente, de supetão, crianças passam a fazer perguntas sobre tudo, mas nem todas as respostas cabem num adulto.

Filósofos e cientistas estudam e trabalham na busca das causas, efeitos, motivos, razões, porquês, respostas. São mentes interrogativas, olham as coisas sempre com uma pergunta latente, uma investigação, um estudo a ser realizado. Lógica e razão norteiam suas pesquisas.

Necessariamente não fornecem nem todas, nem mesmo as verdadeiras respostas. O conhecimento científico não é atraente por ter todas as respostas, mas sim por querer decifrar um conjunto cada vez maior de perguntas. A razão é totalitária, o que ela deseja é dominar o objeto por meio da compreensão. 

Algumas pessoas também funcionam dessa maneira, precisam de um porquê para explicar as coisas que acontecem, são obcecadas por perguntas. Para elas, o fato nem é tão importante quanto o entendimento. O voo está atrasado quatro horas, a pessoa vai até o balcão da companhia aérea e recebe a justificativa de que estão realizando manutenção preventiva. Pronto, agora ela já tem algo que pacifique sua mente, já sabe o que está acontecendo, já tem seu porquê.

Outras pessoas perguntam, mas não querem escutar a resposta, trata-se apenas de um recurso verbal linguístico, uma exclamação, uma forma de reclamar. Por que vocês não colocaram outro avião no lugar deste que precisa da manutenção? Nosso voo já está atrasado mais de quatro horas.  Nessa situação, o importante passa a ser o fato e não mais o porquê.

Às vezes quem pergunta já tem a resposta e questiona apenas para confirmar sua suspeita ou versão.  A esposa sabe que o marido saiu do escritório mais cedo com a amante, pergunta onde ele estava apenas para depois confrontá-lo com a mentira.

No entanto, existem porquês mais complicados. Algumas pessoas perguntam, mas nem sempre estão preparadas para lidar com as respostas. Existe o direito de sair perguntando? É preciso muito cuidado para não machucar ou ser machucado existencialmente.

Para muitas perguntas não existem respostas, não há explicação para tudo. Entender a pergunta já é metade da resposta.  É preciso aprender a conviver com perguntas insolúveis. Algumas perguntas são tão ricas que não necessitam mendigar por resolução. Enquanto não houver respostas, sempre haverá sonhos. Respostas nos permitem andar sobre terra firme, mas somente perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.

A célebre frase atribuída ao filósofo grego Sócrates, “só sei que nada sei”, é um reconhecimento de sua própria ignorância e ao mesmo tempo a base para o abandono do senso comum e da opinião (doxa) na busca do conhecimento verdadeiro (epistéme), objetivo final da filosofia.

Para Sócrates, era necessário questionar as certezas, opiniões e os preconceitos para que as falsas certezas caíssem por terra e houvesse a tomada de consciência do não saber, da própria ignorância. A dúvida é o princípio da sabedoria. É triste ver como os tolos pensam ter respostas enquanto os sábios aceitam que só conhecem as perguntas. Os computadores podem nos dar cem mil respostas, no entanto são incapazes de fazer uma única pergunta inteligente. Informação não é sinônimo de conhecimento ou sabedoria.

Não temos controle da vida o tempo todo, passaremos por hesitações, incertezas, inseguranças. Nem sempre conseguiremos superar as surpresas do destino procurando respostas imediatas ou soluções mágicas. Não obstante, são incríveis as respostas que surgem quando já não as buscamos mais.

Dizem que é de Freud, o criador da psicanálise, a pergunta que por si só já é uma resposta: “não é preciso entender de água para se jogar no rio”.  Existem respostas submersas na dança, na música, nas artes, nos livros, nos parques, num sorriso, num abraço, num sonho. O silêncio também pode se converter em uma sábia resposta.  Calados não precisamos nem repetir, nem explicar. Meditar é parar de pensar, produzir o vazio, a ausência de saberes e dar lugar a sabedoria do corpo e da alma.

A maturidade de um homem é atingida quando ele encontra de novo a seriedade que tinha quando como criança brincava. Quando o espírito de pureza, alegria e espontaneidade das crianças assume o lugar da racionalidade adulta, tudo é possível, até mesmo esquecer a pergunta.

Artigo publicado na edição de verão (dezembro 2023) da Revista da Casa da Filosofia Clinica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário:

  1. Durante a leitura fiz um deslocamento longo, de pelo menos 35 anos, onde uma mãe me disse o quanto o seu filho era burro. Pedi que ele escrevesse o nome de alguns desenhos, onde, o mesmo, teve a oportunidade de representar a palavra ( 🐔 galinha) desta forma "Hlinha". Dei boas risadas quando o menino leu: Prof. :-Aqui está escrito " AGALINHA".
    Este aluno já estava num nível avançado do Silábica Alfabético. Ele apresentava compreensão de algumas dificuldades como "lh", porém o entendimento sonoro de algumas letras ainda não fazia parte de seu aprendizado. A criança não aprende de mesma forma que seus colegas, e muitas vezes, temos que deixá-lo fazer sua própria interpretação, daquilo que ele pensa ser o correto.
    Marilucia O.G.

    ResponderExcluir