quarta-feira, 24 de maio de 2023

Só por hoje e Para sempre


Era uma vez uma cidade imaginária, onde vivia um casal imaginário.    Amavam-se, eram felizes e tiveram filhos gêmeos. Dois meninos idênticos. Receberam nomes estranhos para a época. Um chamava-se “Só por hoje”, o outro “Para Sempre”. “Só por hoje” era um pouquinho mais velho, nascera minutos antes.

Tiveram uma infância relativamente normal, repleta de carinho, amor e histórias infantis. Deliciavam-se escutando o conto da cigarra e da formiga, pedindo para a mãe repetir até cansar.

Trata-se de uma fábula comparando a postura dos dois animais em relação ao futuro. Durante o verão, a cigarra queria aproveitar a vida e passava os dias cantando, enquanto a formiga trabalhava sem parar, reunindo alimentos para sobreviver no inverno. Quando chegam os dias de frio e chuva, a cigarra esfomeada não tem o que comer e recorre à formiga para partilhar comida.

Dizem que é na mais tenra infância que se forma a personalidade de uma pessoa. Não sei se foi o caso, mas “Só por hoje” passou a se comportar como a cigarra e “Para sempre” como a formiga. Também pode ter sido ironia do destino fazer com que cumprissem a forma de comportamento inscrita em seus nomes.

Sempre que algo dava errado, “Só por hoje” imediatamente se esquivava e  logo arranjava um culpado para o estrago, enquanto “Para sempre” tentava consertar o mal. Na época do vestibular, “Só por hoje”, folgado e querendo aproveitar mais a vida, dizia dia sim, dia não, que só naquele santo dia deixaria de estudar, ou  porque estava se sentindo mal, ou estava cansado, ou tinha uma festa para ir, ou outra desculpa qualquer.

“Para sempre”, sempre pensando no futuro, sabia que as festas podiam esperar para depois do vestibular e se concentrava nos estudos. Um passou no vestibular,  outro não.

Como bons irmãos, viviam implicando um com o outro. “Para sempre” declarava que quase todos os livros e filmes terminavam com a frase – foram felizes para sempre – e nunca com – foram felizes só por hoje -. “Só por hoje” replicava dizendo que alguns hoje são tão memoráveis que podem durar mais que para sempre, serão eternos. Eternidade é qualquer tempo que você passa com quem ama, e que há coisas que são preciosas justamente por não durarem. Dizia também que a lógica do amor estava invertida, começos felizes é que vão determinar os finais. Não vamos entrar na discussão dos irmãos.

Começaram a namorar quase na mesma estação do ano: verão, praia, biquínis, hormônios, cervejas. “Só por hoje” tinha sempre a mesma conversa. Se hoje for bom, amanhã estaremos juntos novamente. Se for ruim, não haverá amanhã. A relação dependia de um “se”, e a responsabilidade deste “se” tornar-se ótimo era sempre da namorada. O futuro, sempre incerto, dependia da performance dela, que precisava matar um leão por dia. Qualquer vacilo poderia ser fatal para a relação. Não havia o desejo de partilhar, não caminhavam para o encontro, mas sim para a fuga.

“Para sempre” já pensava diferente. Não estava fazendo um teste com a namorada. Não havia dúvidas. Estavam construindo uma relação sólida, e as dificuldades que surgissem fariam parte da vida do casal. Não havia a subordinação de um “se” para a continuidade da relação. Também o solitário “eu” foi ficando para trás, passando a se dissolver em um tranquilo e permanente “nós”. Um seria o abraço que o outro receberia nos dias ruins e o lema do casal, antagônico ao do irmão era “Vamos consertar isso, não podemos nos perder”.

Essa história é fictícia, mas a vida é real. “Só por hoje” e “Para Sempre” são extremos de uma jornada. Todas as crianças nascem “Só por hoje” e ao longo dos anos vão priorizar onde, como, quando e com quem irão se transformar em “Para sempre”. A bipolaridade e a escolha fazem parte do crescimento.

E como no conto da cigarra e da formiga, um dia o inverno rigoroso deve chegar, mas nem mesmo o inverno dura para sempre ou congela só por hoje.

  

 

4 comentários:

  1. Belíssima analogia. A bipolaridade entre cigarra e formiga existe em cada um de nós. Temos dias de cigarra e dias de formiga. Aline Fioravanti

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  2. Aqui podemos ver as dubiedades existenciais. Se invertemos os papéis por uma estação ou por várias estações? Como e de que forma cada um se portaria ou reagiria a tais circunstâncias? A criança ouve várias vezes a mesma história e nos relata sua própria maneira de perceber aquilo que interpretou. Possivelmente cada vez que assista o mesmo filme, ela poderá ampliar sua maneira de solucionar, e até mesmo sua forma de aplicar sua aquisição de conhecimento. Poderá haver análise e ajuste desta mesma compreensão em variados momentos e circunstâncias. A criança é uma surpresa a cada momento. Nunca devemos esquecer de usar um verbo de cada vez, e só ir ampliando a quantidade de verbos ou afazeres no momento que percebemos que ela não se perdeu no caminho ou que ela tenha cumprido a ação que foi proposta. MARILUCIA GANDON

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  3. Muy interesante la analogía con la fábula de la cigarra y la hormiga. Solo por hoy y Para siempre los podemos ver en diferentes personas. Si bien con el paso de los años, debería generarse un cambio, hay personas que permanecen inmaduras/os emocionales en forma permanente. Hay que tender al equilibrio. Nada es solo para ahora; nada es para siempre. Todo es dinámico condicionado por las circunstancias. Me viene a la mente un piso con baldosas negras y otras blancas. Cuando caminamos, lo hacemos pisando ambas. Así es la vida misma. No es todo bueno o todo malo; no es todo ahora ni todo para siempre. La vida es un continuo de errores, de aprendizajes, de vivencias, de compartires, de resiliencia, de empatía..
    Gracias por tan buenos artículos que llevan a tanta reflexión. Cláudia Sirlin

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  4. Tantas veces me mataron
    Tantas veces me morí
    Sin embargo estoy aquí
    Resucitando
    Gracias doy a la desgracia
    Y a la mano con puñal
    Porque me mató tan mal
    Y seguí cantando
    Cantando al sol
    Como la cigarra
    Después de un año
    Bajo la tierra
    Igual que sobreviviente
    Que vuelve de la guerra
    Tantas veces me borraron
    Tantas desaparecí
    A mi propio entierro fui
    Sola y llorando
    Hice un nudo del pañuelo
    Pero me olvidé después
    Que no era la única vez
    Y seguí cantando
    Cantando al sol
    Como la cigarra
    Después de un año
    Bajo la tierra
    Igual que sobreviviente
    Que vuelve de la guerra
    Tantas veces te mataron
    Tantas resucitarás
    Cuántas noches pasarás
    Desesperando
    Y a la hora del naufragio
    Y la de la oscuridad
    Alguien te rescatará
    Para ir cantando
    Cantando al sol
    Como la cigarra
    Después de un año
    Bajo la tierra
    Igual que sobreviviente

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