Era uma vez, há muito tempo
atrás, um Ildo que frequentava um consultório de terapia analítica e tinha uma
técnica muito singular de se comportar. Colocava seu despertador para tocar
quinze minutos antes do final da sessão com o objetivo de orientar sua fala nos
próximos minutos.
Depois de algumas consultas, o terapeuta percebeu aquela rotina e, intrigado com aquele sobressalto contumaz, perguntou o que significava aquele barulho acionado em todas as sessões. Respondi que precisava saber quanto tempo faltava para o término da consulta, pois não gostaria de iniciar um assunto importante e delicado e abruptamente ser interrompido pelo despertador do terapeuta sugerindo que continuássemos a conversa na próxima semana. Preferia deixar o assunto pendente, mas não interrompido. Já acontecera em situações anteriores e aquilo havia me deixado muito chateado.
Considerava uma falta
de empatia e interesse, pois estava falando algo vital para minha saúde física
e mental e o terapeuta, escravo do relógio, transferia o problema para um ponto
futuro. Expressava ali toda minha indignação, com o terapeuta e com o mundo.
Serenamente o terapeuta
explicou que o controle do tempo era prerrogativa dele e não do paciente,
aproveitando para introduzir sua orientação sobre tempo útil. Se ele achasse
que a consulta deveria ultrapassar o tempo combinado, seria prorrogada. De
forma inversa, se julgasse que deveria ser interrompida antes da hora aprazada,
assim seria feito. O que importava em uma consulta é que o tempo despendido
fosse proveitoso.
Restava saber na
prática o que significava tempo útil, mas já que o terapeuta era ele, o termo fora
criado pelo próprio, deixei as possíveis prorrogações ou interrupções a seu
critério. Eventualmente ainda o provocava no meio de alguma sessão quando lhe
dizia que por mim poderíamos encerrar a consulta naquele instante, pois o tempo
útil havia sido alcançado e o insight adquirido naquele momento valia por umas
cinco sessões de terapia.
Ele sequer se abalava.,
sua expressão facial jamais se alterava. Certa vez me respondeu dizendo que se
eu pensava daquela maneira, seria justo então que lhe pagasse o valor de cinco
consultas, pois o que importava mesmo era a utilidade e não o tempo de cada
sessão. Comecei a ter mais cuidado com
as palavras. Cada uma destas minhas transferências fornecia um material
riquíssimo para que ele me compreendesse melhor.
Passei então a prestar
atenção no significado da palavra útil. Seria um termo equivoco? Afinal, o que
quer dizer um dia útil? Na sociedade dos homens parece ser o dia em que as
empresas produzem, os bancos pagam e recebem, as repartições públicas
funcionam. Domingos e feriados não são considerados dias úteis. Mas isso não é
assim para todo mundo.
Não precisamos ser
produtivos todos os dias. Está bem só desfrutar de existir, abraçar sem nada
para celebrar, jogar conversa fora, admirar um por do sol, caminhar sem rumo, amar
sem porquês, não olhar para o relógio. A eternidade é feita destes agoras
Para alguns não
produzir é perda de tempo. Benjamin Franklin já dizia em sua frase memorável
“Tempo é dinheiro”. Para outros, o importante não é ganhar tempo, mas sim
perdê-lo. O ócio, criativo ou não, faz parte do bem viver, ou melhor, é
essencial e útil para uma vida saudável.
Ainda preocupado com a equivocidade
do termo útil, estudei seu oposto, a inutilidade. Existe algo inútil nesta
vida? Qual a utilidade de estudar logaritmo, raiz quadrada, fórmula de Báscara,
quando se pensa em ser médico ou músico? Se você estuda o ano inteiro para
passar no vestibular e não é aprovado, seu preparo foi em vão, o tempo de
estudo foi perdido? Os minutos que fico calado na terapia são inúteis? Meu
silêncio abriga o infinito, ali cabem amores e histórias que não cabem nas
bocas dos mais falantes. Falar demais é para iniciantes. Falar de menos nunca é
inútil.
Vida útil, dia útil ou
mesmo tempo útil de uma terapia se configuram como termos equívocos, pois remetem
a uma medida em horas ou minutos de serventia. Útil não é sinônimo de bom, belo
ou necessário. A utilidade de uma vida,
um dia ou um tempo se reconhece pela capacidade de promover mudanças positivas
e pelas boas lembranças que provocam em nossa memória e na dos que nos rodeiam.
Tempo útil tem a ver
com estar junto, consigo e com o próximo. Estar junto não é estar no mesmo
espaço, mas no mesmo tempo. Cada segundo é uma oportunidade.
Artigo publicado na edição de verão 2022 da Revista da Casa da Filosofia Clinica
www.casadafilosofiaclinica.blogspot.com
"Não há o que não haja". Penso que poderia haver o meio termo entre o analista e o analisado, porém quem fala poderá, em alguns ocasiões, estar com pouco ânimo de fala, outros dias poderá partir de uma fala interligados em fatos não sequenciais. O tempo subjetivo do analisado é o verdadeiro tempo ao meu ver, ele é que, teria que colocar um ponto final na sessão, pois, alguns transbordam toda sua capacidade de falar e expressar-se com desenvoltura, de modos mais variados possíveis. Quanto a utilidade do tempo poderia argumentar, que quase tudo, em algum momento de nossas vidas, conscientemente ou não será reaproveitado. Como poderíamos codificar ou decodificar o entrelaçar de nossa cognição, as mesclas dos vários momentos de aprendizados poderão ser reapresentados como múltiplas formas epistemológica, suas trajetórias evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a sociedade e a história. Vai saber como cada cérebro faz seus desdobramentos.
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