domingo, 29 de maio de 2022

Me engana que eu gosto

 

Os homens não conseguiriam viver muito tempo em sociedade se não se deixassem enganar uns pelos outros. São mentiras consensuais, passadas de geração em geração como se fossem verdades. Por ignorância ou acomodação, acabamos acreditando e convivendo com elas. Uma destas ilusões sociais é achar que ao comprar um terreno e assinar contrato em cartório, aquela terra passa a ser sua. Não é bem assim.

Aquela terra é das árvores, das formigas, das plantas e de tudo mais que ali habita. O comprador passa a ser um administrador da propriedade. Os donos da terra não são os documentos assinados ou aqueles que a conquistaram mediante guerra ou invasão. As terras são do planeta e interagem com seus habitantes numa constante troca. É um toma lá, dá cá da natureza, não havendo proprietário ou inquilino da mãe terra.

Da mesma forma, não é uma linha imaginária de terra que vai separar ucranianos de um lado e russos de outro. Não são homens diferentes porque moram quinhentos metros distantes. Não é esse pedacinho de chão que faz os homens se amarem ou odiarem. Não é uma porção de terra que faz um patriota.

Outra vitima do consenso feito pelos homens para viver em sociedade é a marcação do tempo em horas, dias, meses e anos. Para algumas pessoas o dia não muda depois que passa da meia noite; o dia só vira outro depois que vão para a cama dormir. Mais ainda, alguns pensam que o dia só vai começar mesmo quando acordarem e saírem da cama para trabalhar ou estudar.

Também não é bem assim. Para muitos, ficar alguns minutos na cama conversando consigo mesmo pode ser muito mais valioso que saltar da cama e entrar numa rotina desgastante. Sair da cama e trabalhar não é sinônimo de estar produzindo ou bem viver. Às vezes cinco minutos a mais na cama podem valer o dia.

Existe um ditado judaico afirmando que os sonhos são mais reais que a realidade que supomos viver. Aceitamos as mentiras consensuais,  vivemos de acordo com o estabelecido, submetemo-nos a essa ilusão, mas no intimo não conseguimos dizer amém. Enganamo-nos pensando que estas mentiras aparentemente doem menos que a verdade, mas  o aparentemente também é uma ilusão.

 

Um comentário:

  1. Penso que nossos bens não nos pertençam, seja ele a forma que for. Tenta não pagar os impostos, depois da sua compra, para ver o que acontece. Muitas vezes pagamos mais impostos que o preço de nossos bens ao longo de alguns anos, mas isso é outra história. Quanto ao tempo, cada ser possui sua própria cronologia, alguns por anos usam o relógio como ponto de acesso a este fenômeno, outros são demarcados por aqueles que os rodeiam e outros ainda vão ao sabor do vento. Em determinadas circunstâncias algumas pessoas se distraem em seus próprios encantos.
    De outra forma, já ouvi falar que a mentira, é a verdade de quem mente. Porém acredito que conviver com a mentira seja algo desagradável, principalmente se me incluirem como personagem, de um fato que não tenha ocorrido... Quantas possibilidades de reflexões este texto nos proporciona...

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