domingo, 15 de maio de 2022

Vacina, alteridade e amor

Dois anos sendo obrigado a vestir máscara, impedido de viajar, freqüentar academia, encontrar amigos, abraçar, dançar, passear, assistir um show ao vivo, não poderiam passar desafogadamente. A perda da liberdade de ir e vir deixou seqüelas. De vez em quando tenho um espasmo verborrágico e escrevo um desabafo para me confortar.

Desculpem a ousadia, mas pretendo utilizar a vacina neste texto como ferramenta de metáfora para comentar o que é alteridade e como as pessoas podem se comportar, e estão se comportando, diante do encontro com algo ou alguém desconhecido, estranho e eventualmente ameaçador.

Segundo o dicionário, alteridade seria a qualidade do outro, do que é diferente, ou, em outras palavras, reconhecimento e respeito das diferenças entre pessoas e culturas.

Acredito que todos saibam, ou pelo menos tenham uma vaga idéia, mas preciso também contextualizar o que é uma vacina. Forma muito enfraquecida ou inativada de um vírus (gripe, covid ou outro malvado qualquer), introduzido no organismo com objetivo de estimular o sistema imunológico a aprender a combater o invasor. Caso depois a pessoa entre em contato com o patógeno prevenido pela vacina, não desenvolverá a doença ou esta será de menor gravidade.

Assim sendo, a vacina pode ser encarada como um exemplo de alteridade absoluta. Uma parte do vírus, algo diferente, estranho ao corpo, carregando em si uma parte infinitamente enfraquecida da doença ou uma fração do seu código genético será introduzida no organismo do paciente e a partir daí se iniciará a relação entre ambos. Uma relação carnal entre diferentes, onde tudo pode acontecer.

Em princípio, aceitamos a hipótese de que a relação foi consentida por livre vontade do indivíduo, com finalidade de proteção, amparo e curativa. No entanto, muitos não pensam assim. Encaram a vacina como um perigo, uma ameaça, algo que pode lhes atacar, mutilar, seqüelar e até mesmo matar. Tem medo da vacina e não querem se submeter a este “mal”, mesmo que a ciência afirme o contrário.

Por falta de conhecimento, negacionismo, medo ou qualquer outra teoria, recusam-se a aceitar a validade da vacina, justificando que a mesma tanto pode lhes salvar como destruir. Não querem arriscar um relacionamento com a vacina. Se estivermos falando em alteridade, precisamos reconhecer e respeitar tanto a ciência que produziu as vacinas como a opinião dos que se negam a ser vacinados.

Trazendo um pouco mais para o cotidiano, algumas pessoas se negam a conhecer ou se relacionar com outras pessoas. Timidez, antipatia, trauma, medo, depressão, as causas são muitas. No fundo talvez apenas não queiram sofrer. Num primeiro momento tudo é maravilhoso, se envolvem, trocam segredos e fluidos, mas sabem que correm o risco de mais tarde a relação se deteriorar. Já sofreram bastante ou ouviram falar deste tipo de relação e concluíram que o outro representa uma ameaça, um perigo iminente. Decidem ficar sós em segurança e não arriscam.  Precisamos respeitar direitos e opiniões.

A questão se complica no caso das vacinas, porque se a pessoa decide não se relacionar é uma coisa, mas se decide não se vacinar, precisa pensar não somente em si, mas no todo. Teoricamente não está protegida e potencialmente pode se infectar e contaminar outras pessoas. Em tese, não deveria se relacionar, isolando-se para não contrair a doença e não espalhá-la aos vizinhos.

É fácil entender então que o governo exija passaporte vacinal para freqüentar determinados lugares. Assim, todos que estivessem presentes naquele local estariam protegidos do vírus e não o espalhariam aos demais.  Aqueles que por ventura optaram por não se vacinar, teriam sua decisão respeitada, mas em prol de um bem maior (não contaminação de outros – alteridade) ficariam impedidos de lá estar. Em princípio esta exigência nem deveria existir, os não vacinados por conta e consciência própria fariam isolamento para proteger a si e aos demais.

Só que não é bem assim que funciona.  Hoje já se sabe que pessoas vacinadas também podem contrair e difundir a doença. Qual o valor do passaporte vacinal então? A quem o passaporte protege? Algumas regras não fazem mais sentido.

Antigamente os pais escolhiam o cônjuge para os filhos. Pensando num bem maior (poder, terras, dinheiro, segurança) forçavam seus filhos a casar por interesse, deixando o amor em segundo ou terceiro plano. Obrigar alguém a se vacinar é quase como casar sem amor. Qual a graça de ser a rainha da Inglaterra se a relação com o rei é apenas para inglês ver? Não se trata de uma relação de amor e confiança, existe algo por trás deste casamento. Em relação à vacina, também existem interesses por trás da saúde.

Em uma relação ninguém fica neutro, seja vacina, rainha da Inglaterra, povo ou governo. Queiram ou não, o pendulo mais cedo ou mais tarde vai oscilar para um lado ou outro. Bem ou mal, amor ou ódio, saúde ou doença.

Existem mais coisas entre o vírus, a doença, a pandemia e a saúde pública que um médico ou um filósofo possam compreender. Não importa se o individuo é esquerda, centro ou direita, ou se é primeira, segunda ou terceira via, o urgente e imprescindível é a saúde de todos. Não apenas física, mas tão importante quanto, a saúde mental. Vejam a quantidade de separações por conta dos mandos e desmandos acontecidos na pandemia.

A saúde não está nas mãos dos políticos, governos ou indústria farmacêutica, que manipulam o povo conforme seus interesses. Poderia colocar então que a saúde está nas mãos dos profissionais de saúde, que na linha de frente enfrentam a doença e atendem indiscriminadamente vacinados e não vacinados.

No entanto, entendo que a saúde está, ou deveria estar, na consciência de cada indivíduo, na medida em que esquecemos que fomos nós, com a nossa forma de estar no mundo, quem criamos as condições para a formação e disseminação do vírus. Muitos hão de discordar, e este é o principio básico da alteridade, respeito pela diferenças. Para mim, em última instância, a saúde está mesmo nas mãos de Deus e na consciência de cada um em respeitar a si e ao outro.

Amor, pandemia e as atuais vacinas envolvem navegar em mares desconhecidos, se tornar vulnerável e mesmo assim, apesar de tudo, confiar.

5 comentários:

  1. Perfeita analogia. Acredito que não sendo um profissional da área da saúde é mais fácil aceitar de igual para igual, os vacinados como os não vacinados. Vi e ouvi cada discriminação neste vai e vem, pessoas mudando de ideia como quem muda de vacina. Quanto aos relacionamentos, alguns tiveram um grande abalo, já outros, tentaram se alinhar ao contexto do fica em casa. Penso que passei por este tempo sem arrastar correntes. Simplesmente encarei como algo que já havia passado, a músicas, as notícias, as leituras, os filmes e a arte, foram constantes, nestes momentos de ausência dos familiares e amigos. Estou voltando aos poucos ao dito normal, porém, penso que aquilo tudo, também foi o normal, daquela momento.

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  2. Estou vacinada, mas não convicta de que deveria tomar as três doses. Muitas dúvidas

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  3. Tomei as três doses da vacina e me contaminei com a variante Ômicron. Fiquei mal por uns cinco dias, mas não precisei hospitalizar. Qual a garantia que tenho de não me contaminar mais após vacinar-me? As vacinas estão sendo utilizadas em caráter emergencial/experimental. Como o nome diz, em virtude da emergência estamos sendo cobaias do experimento. Não se sabe exato a eficácia, duração, efeitos colaterais. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

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