Somos condicionados a prestar atenção em coisas
importantes e deixar de lado tudo aquilo que nos parecer insignificante. Para
escapar de animais ferozes, nossos ancestrais estavam sempre alertas. Quando
percebiam qualquer movimento suspeito, automaticamente eram levados a olhar
naquela direção. Este mecanismo de atenção para auto proteção nos acompanha
noite e dia, no entanto, pode ser facilmente manipulado.
Não enxergamos o mundo como ele de fato é, mas
como nosso cérebro o representa. Cada olho nosso funciona como uma câmera de um
megapixel, e o que não conseguimos ver com nitidez, nosso cérebro preenche
através de experiências passadas. Um movimento e um rugido na selva pode ser
interpretado como uma fera se aproximando.
Se colocarmos uma pessoa de pé num palco e a
cobrirmos com um lençol, ainda que não possamos mais vê-la, nossos cérebros
entendem que a pessoa continua existindo, apesar de estar por trás do lençol. Quando o mágico retira o lençol e a pessoa não
está mais lá, desaparece no meio do nada, sem explicação, aquilo não condiz com
o modo como percebemos o mundo. Algo mágico, sobrenatural está acontecendo,
contrariando nosso senso de causa e efeito.
O trabalho do mágico foi manipular nossos
processos cognitivos através de uma técnica chamada “misdirection”, direção
errada ou desorientação. Atraindo nossa atenção para a direção errada, a
verdadeira ação aconteceu em outro lugar. Enquanto o mágico levanta a mão
direita e pede ao público que preste atenção em sua varinha mágica, com a mão
esquerda, em uma fração de segundo, retira uma pomba do bolso de suas calças e
a faz aparecer misteriosamente, sem explicação. Utilizando linguagem corporal,
luzes, fumaça, piadas, somos forçados a olhar para o óbvio e nos distraímos do
que realmente está acontecendo.
Utilizo uma estratégia parecida com meus
pacientes. Quando entram na sala de cirurgia, lugar estranho e ameaçador para
eles, procuro tirar a atenção e o foco dali. Vou fazendo perguntas que os levem
para fora do bloco cirúrgico. Geralmente perguntas que os façam pensar e os
desliguem do que está acontecendo a sua volta. Inicio perguntando quem está
esperando lá fora por noticias, qual foi sua última refeição, em qual
laboratório realizou os exames.
Em pacientes muito ansiosos utilizo técnicas
mais refinadas. Pergunto onde moram e em seguida invento um nome qualquer e
indago se o conhecem. Geralmente isto os desconcerta e leva seu pensamento para
o passado, para as ruas da cidade, o clube, a escola. Se for o caso, invento ainda a profissão e vou
levando o paciente na conversa. Quando ele se dá conta, já está monitorizado
com a veia puncionada e o soro instalado, pronto para iniciarmos a anestesia.
Bons vendedores também se utilizam do
misdirection, descobrindo as necessidades do cliente e, a partir daí,
valerem-se de todo tempo disponível para capturar a atenção no sentido da sedução
e venda do produto desejado.
Só que nem sempre o misdirection serve à boas
causas. Em nome da paz, democracia,
progresso, Deus, justiça ou de qualquer outra desculpa que faça o povo
acreditar no bom propósito, governos cruéis, ardilosos e mal intencionados declaram
guerra, invadem, matam, mentem, escravizam, perseguem, torturam, corrompem. Transmitem
e prometem uma coisa e depois, na calada da noite, quando os cidadãos estiverem
tranquilamente dormindo, fazem exatamente o contrário.
Meios de comunicação também não são santos. Sabedores
que a população não é suficientemente educada para questionar a fidedignidade
das noticias publicadas, eventualmente podem passar informações falsas (fake
news) com o intuito de criar determinadas visões midiáticas, políticas ou
econômicas e assim manipular as massas. Nada diferente do misdirection dos
mágicos, só que no sentido do mal.
Desta ignorância do povo, surgiu o conceito de
pós verdade, palavra eleita pelo Dicionário Oxford como a palavra do ano em
2016. Caracteriza a situação onde um
fato concreto possui menos significância ou influência que apelos à emoção ou
crenças pessoais. É um viés cognitivo baseado na velha e conhecida tendência
natural do ser humano de não julgar o mundo como ele de fato é,. mas como é representado ou percebido. Muitas
vezes é preciso fechar os olhos para ver as coisas como queremos enxergar. De
acordo com o dicionário, o prefixo “pós” transmite a idéia de que a verdade já
ficou para trás.
E na vida pessoal, como funciona o
misdirection? Excesso de atenção em alguma coisa pode levar a desatenção em
outras. Quantas vezes direcionamos nosso olhar para algo óbvio e superficial
porque não queremos mexer nas feridas mais profundas? Quanto tempo importante
de nossas vidas é deixado de lado enquanto ficamos zapeando pelas mídias
sociais? Rede social não é vida real. Enquanto olhamos para o lado nossos
filhos crescem, nossos pais morrem, nossos amores vão embora e nós
envelhecemos.
Magia é a arte de provocar espanto realizando
algo aparentemente impossível, contrariando totalmente a lógica. A culpa não é da
mágica ou do misdirection, mas sim de quem a pratica e assiste. Alguns apreciam
a ternura de uma marionete, outros ficam obcecados procurando os fios que lhe
dão vida e perdem a melhor parte do espetáculo.
A vida, apesar de bruta, é assombrosa e meio
mágica. A todo momento precisamos tirar um coelho da cartola ou uma carta da
manga. Dumbo sempre pôde voar, só precisava de uma pena mágica. O que não
podemos esquecer é que uma das funções da magia é justamente ressaltar a
diferença entre o mundo do sonho e a realidade. As melhores coisas da vida são
invisíveis.
Possivelmente, não há o que não haja.
ResponderExcluirMuitas vezes fico a me perguntar, o que há por de traz da imaginação de um mágico, ao mesmo tempo que tenta controlar o público com gestos e palavras de efeito ? Sei da história do médico que criou este bálsamo que é anestesia, e que, possivelmente levará o paciente, aos caminhos da cura. Penso que encantar faz parte deste contexto onde a ("tendência natural do ser humano de não julgar o mundo como ele de fato é.. mas como é representado ou percebido." I.M.) Creio que algumas pessoas vivem em constante evolução e aprendizados, outra nem tanto.
obs.: todas as cirurgias que fiz, dou uma benção e coloco os médicos na mão de Deus, e penso: que eles façam o seu melhor.
Só existe uma maneira de desvendar a mágica da vida: virar amigo do Mágico
ResponderExcluirLadroes também usam misdirection. Quando a gente está distraído eles agem.
ResponderExcluirAs melhores coisas da vida são realmente invisíveis e intangiveis: Deus, amor, confiança, amizade
ResponderExcluirAs vezes você está na frente da pessoa e ela não consegue lhe ver. Você é invisível para ela. Ninguém deveria ser invisível para os outros, nem mesmo supostos super heróis. Deve ser porque aquilo que os olhos não veem, o coração não sente. Essas pessoas que não enxergam o outro não possuem sentimentos, são vazias.
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