sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Fracasso é um evento, não uma pessoa

 

Como você reage quando está sob pressão? Final de campeonato, estádio lotado, você é escalado para chutar o pênalti decisivo. Defesa de tese de mestrado, banca composta por sumidades no assunto, família e amigos presentes no auditório, seu computador repentinamente apaga a apresentação preparada durante meses.

Alguns se esforçam acima do normal, produzem mais, dão o melhor de si, superam o desafio e obtém sucesso. Mas não é assim com todo mundo, algumas pessoas geniais, talentosas e super capazes fracassam justamente quando estão sob pressão. Por que isso acontece?

A maioria das pessoas pensa no sucesso e no fracasso como opostos, mas ambos são produtos do mesmo processo. O fracasso e o sucesso são impostores. Ninguém fracassa tanto quanto imagina ou tem tanto sucesso quanto alardeia. O que sucesso e o fracasso podem informar nas entrelinhas?

Quando nos ensinam algo pela primeira vez - dançar flamenco por exemplo – começamos a dar os passos de maneira tímida, quase  mecânica. Inicialmente precisamos prestar atenção no sapateado, depois nos braços, mãos, dedos, corpo, cabeça, olhos. Pode ser até que nem consigamos dançar no ritmo certo, talvez pareçamos mais bonecos ou robôs que  bailarinos, mas com o tempo e o treinamento, um belo dia, descobrimos que estamos dançando naturalmente, sem pensar no próximo passo. Nem notamos o que nossos pés e mãos estão fazendo.

Este processo de transformação do mecânico e pensado para o fluido e automático acontece em quase todos aprendizados: dirigir, jogar golfe, palestrar, namorar, cozinhar, comprar, vender, surfar. Entretanto, sob tensão, algumas pessoas regridem na prática, perdem a tarimba, a fluidez e voltam a agir como principiantes.  O modo mecânico volta a assumir o comando e o sistema nervoso entra em colapso.

O jogador de elite de tênis erra o primeiro saque. O segundo vai direto na rede. O terceiro é pior ainda. Ele está irreconhecível, fala sozinho, faz um sinal de não com a cabeça, limpa seu rosto com uma toalha. Neste momento, acende uma luz vermelha no cérebro que lhe pergunta o que está acontecendo, por que ele está errando os saques que tanto treinou e são seu ponto forte, sua arma secreta. Passa então a depender e rememorar seu sistema de aprendizado para dar os saques, volta a ser um tímido principiante, entra em colapso, desmorona e entrega a partida.

Existem outros fatores desencadeantes do colapso além da própria pressão interna pessoal: natureza do público presente e situação em que o desempenho está acontecendo. A pressão externa exercida pelos espectadores vaiando ou aplaudindo é parte do que define um sucesso ou fracasso.

Outro comportamento que pode levar um perito ao fracasso é o pânico. Colapso e pânico podem parecer sinônimos, mas são completamente diferentes. Pânico pode ser entendido como o oposto do colapso. Ao entrar em colapso a pessoa pensa demais, ao entrar em pânico a pessoa não pensa, ou melhor, não consegue pensar. Colapso é a perda do instinto, pânico é a reversão ao instinto.

Bombeiros, comissários de bordo, policiais sabem que em situações de extremo perigo ou tragédias iminentes, algumas pessoas entram em pânico e paralisam. Outras desmaiam. Já vi cavaleiros de armadura entrarem em pânico à primeira vista da batalha, nadadores se afogando pelo pânico e não pela água do mar. É o instinto primário de sobrevivência se manifestando. Explico.

Animais só abatem animais sadios para se alimentar. Se um leão encontra um coelho ferido caído ao chão, não vai atacá-lo, não é boa alimentação. Parte em busca de um animal saudável. Cair para não se transformar em presa de um caçador é um instinto de conservação animal. Humanos ainda utilizam inconsciente e erradamente este blefe genético de paralisar ou desmaiar em situações extremas, visto que funcionava muito bem em caçadas na selva, mas desmaiar num incêndio ou naufrágio só piora a situação.

A tensão apaga a memória de curto prazo, você não consegue lembrar do que aconteceu alguns instantes atrás. É o que chamamos ironicamente de “apagão”. Pessoas muito experientes tendem a não entrar em pânico, porque quando a pressão suprimir a memória recente, ainda resta algum resíduo de experiência para ajudar.

Você coloca a mão no bolso e não encontra o celular. A tensão apaga sua memória recente, não consegue mais lembrar onde o deixou. Procura nos bolsos, na mochila, no chão, nas gavetas. Volta a procurar nos mesmos lugares sem sucesso. Entra em pânico e não consegue pensar em mais nada. Se já o tivesse perdido outras vezes, talvez a experiência pudesse lhe salvar.

Neste sentido, o pânico seria o processo de fracasso convencional, ou seja, a falta momentânea de experiência e conhecimento motivados pela tensão levaram ao fracasso. Já o colapso seria a representação do fracasso paradoxal, inesperado, pois a pessoa está de posse de todo seu conhecimento e mesmo assim falha. A pressão que você controla se torna emoção, a pressão que você não controla se torna pânico.

Numa partida de golfe, um dos jogadores liderava a prova por seis tacadas. Em determinada jogada ele cometeu um erro e algo se rompeu dentro dele, iniciando-se o processo de colapso. Passou a fazer movimentos mecânicos e fora de sincronismo. Terminou derrotado. Seu oponente, vitorioso na competição, entendeu o que aconteceu no campo de golfe naquele dia.

Sabia que o que conquistara era inferior a uma vitória e que o perdedor sofrera algo inferior a uma derrota. Abraçou o vencido ao final e sussurrando disse-lhe a única coisa que se pode dizer para quem entrou em colapso: “Sinto-me muito mal com o que aconteceu”. E os dois homens começaram a chorar. Fracasso é um evento e não uma pessoa.

 

Artigo inspirado na coluna de Malcolm Gladwell “Porque certas pessoas entram em colapso e outras entram em pânico” publicada na revista The New Yorker em 21 e 28 de agosto de 2000

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Um comentário:

  1. Bela reflexão! Poderíamos falar mais sobre este tema. Mas quem não? Alguns, carregam por uma vida inteira suas mazelas, outros nem tanto, contudo aos que tiram de letra... Penso que já passei por tudo isso, e nada pode afirmar que isso possa ocorrer novamente. Contudo, algumas coisas, já descarto com muita facilidade, outras deixo que o tempo se encarregue. Neste momento acredito no que diz a música "O acaso - Titãs".

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