Olho distraído para o lado e vejo a grama do vizinho. Está num tom verde extraordinário. Um tapete impecável. Comparo com meu jardim e vejo que há manchas causadas pelo sol, pequenas pragas, falhas na grama. Parece um capim selvagem. A grama do vizinho é mais verde e mais bonita que a minha? Claro que sim, qualquer um pode ver.
Gramados perfeitos podem dizer muitas coisas. Também
podem esconder tantas outras. Surgiram no final da idade média como um sinal
inequívoco de nobreza. Quanto maior e mais vistoso o tapete esverdeado, mais
poderosa era a dinastia. Camponeses pobres não poderiam se permitir desperdiçar
terras produtivas, tampouco seu precioso tempo cuidando de jardins. Assim,
despretensiosamente, nasceu a curiosa relação de identificação entre gramados,
poder político, status social e riqueza econômica.
Demorou um pouco para esta moda exibicionista pegar,
mas no inicio do século XIX, banqueiros, advogados e industriais bem sucedidos também
começaram a ostentar gramados suntuosos em suas residências. O desenvolvimento
dos jardins foi viralizando a tal ponto que atualmente, nos subúrbios
americanos, gramados limpos e bem
cuidados deixaram de ser luxo de gente rica e já são considerados como uma
necessidade da classe média.
Joel foi transferido para outra cidade e o casal
comprou uma casa no subúrbio com um belo jardim. A esposa, logo no primeiro dia,
chamou o marido na janela para mostrar como o gramado do vizinho era feio,
cheio de irregularidades e manchas. No outro dia, como por milagre, o jardim do
vizinho estava reluzindo de tão verde e elegante. Surpresa e ao mesmo tempo
curiosa, a esposa carrega o marido para a janela, mostra o fenômeno e pergunta
o que o vizinho poderia ter feito para conseguir embelezar seu jardim tão
rápida e eficientemente. Queria saber o segredo da mágica para utilizar em seu
gramado. O vizinho não fez nada, responde
tranquilamente o marido. Eu apenas limpei nossos vidros.
Quem cuida demais do vizinho não tem tempo de cuidar
de si. A grama do vizinho é mais bonita que a minha? Com certeza, mas do lado
de cá tem mais festa no jardim. A mulher do vizinho é mais bonita que a minha?
Dizem que sim, mas passa os dias nas clinicas de estética, salões de beleza,
massagistas, enquanto a minha passa os dias conversando, rindo e fazendo amor
comigo. A casa do vizinho foi projetada por um arquiteto famoso com design
aerodinâmico e fotografada por revistas de todo o país. Minha casa foi
projetada e construída por meu avô, ainda conservo móveis e lembranças de toda
família.
A grama do vizinho não é nossa, como o próprio nome já
diz, é do vizinho. E não cabe a nós desejar a história do outro. À distância
tudo parece perfeito, o que se enxerga é apenas a ponta do iceberg enfeitada
por filtros e efeitos especiais. Não sabemos tudo que o vizinho precisou fazer
para que o gramado ficasse bonito, sequer o que esta submerso por trás da bela
grama. No fim das contas, é bem provável
que ele ache a nossa grama muito mais verde e bonita que a dele.
Você só vai ter certeza se a grama, a mulher ou a casa
do vizinho é melhor que a sua quando pular a cerca. Veja bem, não estou lhe
sugerindo pular a cerca. Para que precisamos espreitar, cobiçar e invejar as conquistas
e vitórias do vizinho? Quem se compara demais perde sua individualidade. A
beleza do viver está nas imperfeições que nos permitem crescer, aprender,
acertar, errar, sorrir, chorar, evoluir e descobrir enfim, que as melhores
festas acontecem dentro de nossas cabeças. É só limpar as lentes.
Quando olho para a Europa com as portas se abrindo,
pessoas vacinadas, máscaras descartadas, hospitais esvaziando, segurança nas
ruas, respiro fundo, conto até dez, volto a ler este texto, releio novamente e
lembro que comparação é um jogo onde algo será exaltado e algo inferiorizado.
Não quero entrar nesse jogo, comparação é só mais um problema que a gente
arranja. A única comparação que me interessa é com meu eu ontem. Vou cuidar de
meu jardim, as borboletas estão chegando e com elas a esperança de dias
melhores.
Grama do vizinho ou grana do vizinho? Fiquei em dúvida sobre o tema do artigo, mas no final das contas da quase no mesmo. Bela reflexão.
ResponderExcluirE por falar em vizinho, certa vez, uma pessoa foi reclamar ao seu vizinhos que a "Eras" do de seu muro estavam levantando as telhas de sua garagem. O vizinho lhe disse: Eu moro aqui faz 11 anos e não te conheço... O outro respondeu: Pois é, eu moro faz 56 anos e também não te conheço...
ResponderExcluirA reflexão que fiz com este fato, foi que, algumas pessoas não tem tempo, muitas vezes, de cuidar de seu próprio gramado, ou da Eras de seu muro. Possivelmente em tempos de Pandemia essas coisas poderão influenciar ou até alterar o olhar de algumas pessoas. Para outras pessoas, a vida é tão atribula, porém há aqueles que por não se ocuparem necessitam observar a vida, nem que seja a vida do outro...
Pior de tudo são os vizinhos que levam seus cachorros pra fazer cocô na grama dos outros e deixam a sujeira por lá. Já tive até uma briga com um vizinho e o denunciei por sujar meu gramado.
ResponderExcluirFazer cocô é obrigatório, fazer merda é opcional.
ExcluirBaita reflexão em tempos de redes sociais.
ResponderExcluirAntigamente as cercas serviam para um vizinho dizer ao outro que só poderia ir até ali. Não se atrevesse a mexer na grama do vizinho. Com o passar do tempo as cercas aumentaram de tamanho e opacidade para que um vizinho nem olhasse para a grama do outro. Agora as cercas são seletivas, ou seja, um vizinho deixa o outro ver apenas aquilo que ele quer mostrar, o resto fica escondido. Tenho a impressão que grama bonita demais significa sujeira escondida em algum lugar
ResponderExcluira grama só tem valor se voce tem tempo de cuidar, a graça de ter um filho é ter tempo pra cuidar e se divertir com ele, uma piscina em casa só se justifica se voce usar. Ter as coisas só pra mostrar não vale,
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