quinta-feira, 24 de junho de 2021

Meu lar, meu bar, meu altar

 

Quando eu era criança tinha medo de fantasmas. De dia eram invisíveis e não me assustavam, mas à noite me atormentavam. Eram cruéis comigo, faziam barulhos estranhos e a qualquer momento poderiam vir me pegar e levar para algum lugar estranho e mal assombrado.

Cresci e o medo sumiu, mas como nada é para sempre, no inicio de 2020 veio a pandemia do Covid 19 e com ela, um novo medo. Passei a temer o vírus, um bichinho microscópico, invisível, silencioso que poderia, sem aviso prévio, me matar ou me jogar num leito de UTI entubado e segregado. Agora, passado mais de um ano desta terrível ameaça, outro medo assumiu minha mente.

Passei a ter medo de humanos. São eles que transmitem o vírus. Não posso me aproximar deles, sob risco de me contaminar. Mas não é só isso, alguns humanos travestidos de autoridade passaram a determinar o funcionamento de nossas vidas. O que pode abrir ou deve fechar, quem entra ou sai, quem é preso ou solto, qual medicamento devemos receber, quem e quando podemos tomar vacina, quem pode ser hospitalizado, e por fim, quem deve ou não viver.

Mas não termina por ai, também não consigo mais acreditar em nada que os humanos dizem. Presidentes, ministros, governadores, senadores, deputados, prefeitos, imprensa, mídias sociais trocam acusações, contradizem, desmentem, contrapõem. O bom senso acabou muito antes do álcool gel. Que saudade dos meus fantasmas da infância, eram tão bonzinhos.

Será que só eu estou ficando maluco ou a insanidade é uma outra pandemia que já nos atingiu e não nos demos conta? Aliás, estamos ficando dementes ou já éramos antes do Covid? Se há algo que a pandemia fez de bom, foi nos fazer sair do armário e escrachar nossas loucuras.

Não vim até aqui pra desistir agora. Assumo minha paranoia e estou tentando ser feliz dentro da minha loucura. Quantos gritos de socorro cabem em um “tudo bem”? Pena que estamos sendo forçados a aprender a ser felizes da maneira mais dolorida e triste.

Decidi praticar o isolamento social. Dizem que é preciso sair do lugar onde adoecemos para nos curar. Foi o que fiz. Transformei minha casa em um lar, um bar, um altar. De que são feitos meus dias? Pequenos desejos, vagarosas saudades, silenciosas lembranças. Não conto mais os dias para ter minha vida antiga de volta. Agora canto os dias novos que estou vivendo.

O que está matando muita gente é não saber viver na solitude, não estar reunido com pessoas, ficar parado em casa.  Todo animal fraco precisa andar em bando. Sorte de quem estocou bons momentos pra lembrar enquanto isolado. Parar não é morrer, inclusive pode ser a melhor forma de sobreviver.

Achei também que poderia ser uma boa ideia colocar uma mensagem de auto ajuda em um local bem visível para aumentar minha resiliência. Nada melhor que a porta da geladeira. Pelo menos umas cinco vezes por dia chamaria minha atenção.

Fiquei em dúvida entre esta citação:

- “O Universo só tem 3 respostas para mim: 

Sim, 

Ainda não, 

Espera que tenho uma ideia melhor”.

Ou esta?

- “Isso também passará” 

Mensagem atribuída a uma lenda onde o rei Salomão, numa situação de desespero, onde pensava se suicidar, desistiu do devaneio e foi salvo por essa inscrição no interior de um anel que havia ganho.

Gostei de ambas, pois me fazem lembrar que tudo o que é circunstancial pode mudar, vai passar.  No final só fica você, que permanece para sempre.  

E a vida se faz assim, nada pronto, nada definido. Tudo sempre em construção ou desconstrução. Uma eterna reticência numa interminável resiliência. O que seria de nós sem a expectativa de continuação? Vou levando, cada dia é uma vitória. Não sei como tudo isso vai terminar, mas do lado de fora da janela o céu está lindo e uma orquídea começou a florir.

 

 

 

7 comentários:

  1. Pois é! Poderia revelar o quanto abomino políticos ditos corruptos! Deixa para lá, infelizmente eles fazem o que querem ao seu belo prazer...
    Porém posso dizer que perdi as contas dos filmes e vídeos que vi, das músicas que ouvi, dos livros que li, do que escrevi e até mesmo dos trabalhos que fiz. Perdi a noção to tempo, troquei o dia pela noite e vice-versa. Fiquei com o meu próprio compromisso, o de fazer aquilo que havia deixado de fazer. Quero ver quando tiver que voltar... Voltar para onde? Ir para onde? Acredito que terei que fazer novos planos e novas caminhadas. Mas ainda espero poder encontrar meus amigos com muita saúde e receber um caloroso abraço, pois sinto muita saudade. Sinto falta das conversar , de rir e até mesmo de dançar. Adoro a vida lá fora...

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  2. As vezes amaldiçoo toda essa situação da pandemia, as vezes agradeço toda esta situação. Sei que tem gente morrendo, mas também sei que o isolamento me abriu os olhos pra muita coisa que não percebia nos humanos. Achava que a humanidade era boa, mas agirá não tenho tanta certeza. Como dizia Albert Camus: não confio na humanidade, confio nos homens. E mulheres, é claro.

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  3. Bom dia! Enquanto não melhora lá fora, vamos fazer o possível para melhorar nossa casa, nosso lar.

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  4. Frase pra colocar na geladeira:
    Enquanto houver um louco um poeta e um amante, haverá sonho, poesia e amor. Enquanto houver sonho, poesia e amor haverá esperança.

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  5. Meu lar é meu refugio, não meu cativeiro. Sou feliz aqui. É simples, para onde olho encontro felicidade. Tem cheiro e calor de aconchego. Na pandemia encontrei a felicidade na minha casa.

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  6. Outra frase para geladeira:
    Nunca vou entender as mulheres. Minha namorada colocou uma mensagem na porta da geladeira - “Acabou tudo” - fui olhar e a geladeira estava cheia!!!

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  7. Belo texto, cativante e muito bem escrito! Tb aproveitei a pandemia para viver com mais intensidade minha casa, meu estúdio de bateria, meus filhos e mulher...vimos muitos filmes e séries, li bastante livros, fiz muita música. Nossos laços, enquanto família se estreitaram e passamos almoçar todos juntos durante a semana. A perscpectiva é que o proximo verão seja uma festa só, à beira do bar, todos sob o gazebo, com chopp gelado e petiscos. Tudo muito simples.

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