quinta-feira, 15 de abril de 2021

Alô! Alô? Alô?

Luciana telefonou duas vezes no intervalo de meia hora para o celular do namorado e não foi atendida. Deixou mensagem via whatsapp e só obteve retorno no dia seguinte. Vale a pena ela perguntar por que a demora em responder?

Em tese, existem três razões para uma pessoa não atender o celular. Primeira: não ouviu tocar porque esqueceu o telefone no carro ou escritório, ficou sem carga na bateria, estava no modo silencioso, perdeu o aparelho, estava dormindo, estava fora da área de cobertura.  Todas essas explicações para não atender ao chamado e não fazer contato com a brevidade esperada podem ser vistas como negligência, má vontade, insubordinação, indiferença, afronta ou outras falhas subjetivas. Explicam mas não convencem.

Segunda: Não atendeu ao telefone porque naquele momento não podia atender, estava em uma situação onde seria deselegante interromper a aula, reunião, consulta médica, conversa, paquera. Poderia também estar dirigindo ou realizando um trabalho que exigisse o máximo de concentração. Isso acontece e é perfeitamente justificável. O que fica no ar é o tempo prolongado para retornar o contato. Sugere igualmente desleixo, desinteresse, desatenção.

Terceira: Não quis atender. O sujeito apenas não estava a fim de conversar com a namorada naquele momento. Simples assim. Pergunto novamente, vale a pena questionar o motivo da demora em responder? Recapitulando, não retornou porque não ouviu, não podia ou não queria. Nenhuma das três razões  deixará Luciana tranquila.

Independente da intenção ou não do namorado ficar incomunicável, Luciana pode deixar o fato passar batido, começar a cultivar uma pulga atrás da orelha ou utilizar o sumiço como estopim para um desentendimento. A reação vai depender da personalidade dela e de como estava rolando a relação antes do acontecido.

Existiria ainda um quarto motivo, especialmente válido nestes tempos obscuros de pandemia, onde se justificaria uma insistência mais vigorosa de contato frente ao silêncio do interlocutor. Vai que o namorado se contaminou com o vírus e está entubado em uma Unidade de Tratamento Intensivo e não teve tempo de se comunicar. Vai que morreu em casa com falta de ar e nós aqui falando mal do pobre falecido. Também pode acontecer.

O advento do celular foi considerado a grande revolução da conectividade humana, pois tornou possível a situação de alguém estar sempre à inteira disposição do outro. Se você tem menos de vinte e cinco anos de idade talvez não saiba o que isso significa, mas no século passado, só existiam telefones fixos. Se você precisasse falar com alguém e a pessoa não estivesse em casa ou no trabalho, não tinha como encontrá-la e se comunicar. Restava ligar novamente mais tarde ou deixar um recado. O surgimento de um telefone móvel permitiu as pessoas carregarem consigo um meio de comunicação com o mundo. Por muitos considerada a invenção do século, por tantos outros, a desgraça do século.

O processo de conexão via celular ainda está em evolução tecnológica e seus efeitos benéficos ou maléficos precisam ser mais cuidadosamente avaliados. Na prática, a entrada da telefonia móvel na vida social, eliminou a linha divisória entre tempo de trabalho e tempo de lazer, apagando a fronteira entre o aqui e o lá, o público e o privado.  O proprietário de um telefone celular agora está sempre conectado.  Estar ausente não significa mais estar fora de alcance. O celular eliminou as distâncias, aproximando as pessoas e globalizando o planeta. Será?

Uma coisa é você ter uma ferramenta que lhe permita estar em constante acessibilidade com o mundo, outra é você estar disponível para tanto. Os números dos telefones celulares não constam de listas telefônicas. Você pode comprar o celular mais caro do mundo, mas isto não lhe garante conseguir o meu número. Tornamo-nos disponíveis somente para um grupo selecionado de pessoas. Dar o número do celular significa conceder e solicitar o privilégio de um contato mais estreito. Presume uma promessa recíproca de estar disponível sempre que o outro precisar.

Aqui começam os problemas, promessas não cumpridas de reciprocidade. Um funciona como  o orelhão e o outro, como telefone mudo. Assim como nos relacionamentos, reciprocidade não acontece por obrigação e sim por sintonia,  o fato de um casal morar junto não é sinônimo nem de sintonia, tampouco de reciprocidade, que vai além do “eu também” ou dizer Alô ao telefone. Reciprocidade está no “vamos”, no “quero”, no “a gente dá um jeito”. Telefones celulares também não fogem a regra, nem sempre quem chama vai ter do outro lado alguém interessado e pronto para atender, levando o parceiro, suposto ou presumido, ao desapontamento e irritação.

Surgiram então, como forma de facilitar a pressão por uma atenção recíproca imediata, as mensagens rápidas do whatsapp. Agora não se faz mais necessário  gastar tempo conversando, basta uma nota ágil, um recado instantâneo já é suficiente para sinalizar nossa presença e solidariedade na comunicação. Mas não parou por ai, a aceleração continuou aumentando, surgiram os emojis - aqueles bonequinhos e ícones coloridos - substituindo as palavras na comunicação.

Convencionou-se então que na era do whatsapp, dizer que não tem tempo ou não responder uma mensagem é sinal de desinteresse ou má educação. Só que mais uma vez os limites foram ultrapassados. Por ser tão fácil enviar uma mensagem, as pessoas passaram a despachar centenas delas por dia. Passaram também a criar grupos de whatsapp onde você é encaixado sem consentimento e passa a ser inundado, de uma hora para outra, por uma enxurrada de mensagens com conteúdos que não lhe interessam, sequer foram solicitados.  

Além destes inconvenientes, o celular também tem sido utilizado como um espião, onde  seu presumido parceiro fica de olho para ver se você está on line ou não, vigiando  inclusive até qual horário você ficou visualizando o whatsapp. Somos permanentemente checados, observados, monitorados, testados, avaliados e não raramente, julgados e sumariamente deletados através de um leve toque impessoal e indolor numa tecla do celular. Estabelecemos conexões facilmente quebráveis e extremamente duvidosas.

Dispomos do número de telefone da pessoa, mas não conseguimos a comunicação propriamente dita. Estabelecemos o contato, mas o diálogo não é consumado. Ganhamos em agilidade, mas perdemos em sensibilidade. Ganhamos conexão e perdemos sintonia. Chegamos ao ponto que em terra de whatsapp, ligação virou prova de amor. E como dizia o cantor Renato Russo, se o telefone tocar, pode ser alguém com quem você quer falar por horas e horas e horas. Mas nem sempre.

 

16 comentários:

  1. Muito Bom! Como disseste tudo depende de como esta a relação.

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  2. Prefiro a comunicação olho no olho, mas agora na pandemia o que temos é isso. O pior é que estamos nos acostumando com o celular e esquecendo de como é bom o toque, o abraço, o olhar, o desviar o olhar...

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  3. Eu acho muito bom o celular. Liguei não me atendeu, não deu sinal de vida. Bom, vida que segue, fila que anda.. nada de perder tempo com embuste.

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  4. Houve um tempo em que eu olha para o celular e espera ver ele digitando...esperava ver E ai? Tudo bem com vc? nada...online nada...
    Houve um tempo que mandava msg...tb não tinha resposta.
    A pandemia me deu uma lição: não se iluda! Acabou acabou
    Agora até deixo no silencioso, final do dia vejo o que vale a pena responder.

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  5. A criatividade e a mente fértil de uma mulher, ao não ser atendida, é complicada.
    Não adianta explicar.
    Ela vai achar o motivo do não atender!
    Carlos

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  6. Alô! Alô! Alô!
    Dubiedades, a vida nos dá este recado. Sou do tempo antigo, porém aprecio muito a tecnologia. Acredito que a conversa, olho no olho, aida é a melhor forma de aproximação, o sorriso farto e a ansiedade do reencontro. Para alguns, exite felicidade em despertar no outro o desejo da aproximação. Algumas pessoas se tornam espaciais não importando a forma de comunicação. Outras vezes o importante será a conectividade, o fio que liga dois pontos, duas almas... Para outros ainda, nada é impossível quando existe o verdadeiro propósito. Alô! Alô! Alô!

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    1. Digo:ainda.
      Quando falei em pessoas que se tornam eespacias, quis exemplificar daqueles que tentam relacionamentos aleatórios, os de pura dubiedades. Aqueles que não se preocupam com a base do retorno, achando que a qualquer momento poderão revisar a base do outro. Aqueles que terminam seus dias, apenas com os resquícios de recordações de vidas alheias. Portas que, possivelmente, se fecham ao passar dos anos, daqueles que viveram de migalhas do si mesmo, pois alguns não se permitem se dar por inteiro.

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  7. No momento em que aparece na tela do celular quem está ligando, pôde-se escolher se vai atender ou não. É um avanço muito útil da tecnologia para evitar os chatos e as confusões. Não somos obrigados a falar com quem nos procura. É uma opção nossa atender ou não.

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  8. Melhor invenção poder escolher com quem falar,bloquear ou mesmo deletar.
    Em tempo de pandemia, uma boa dica é fazer uma limpa na vida (incluindo o celular).

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  9. Tem gente que encarna no vivente. Ligou não atendeu, mandou mensagem respondeu frio ou não respondeu. Deleta, bloqueia porque o vivente só vai te chamar na carência. E você merece mais!

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  10. Fábio Junior já cantava...

    Telefona!
    Não deixa que eu fuja
    Me ocupa os espaços vazios
    Me arranca dessa ansiedade
    Me acolhe, me acalma
    Em teus braços macios
    Macios!

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  11. Não sei dizer a percentagem, mas acredito que mais da metade dos casos de divórcios e separações se devem a troca de mensagens pela internet. É muito fácil ficar mantendo conversas e depois apagando. Um dia a casa cai.

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    1. Aconteceu comigo, meu namorado passava conversando com outras na internet. Eu cobrava..
      ele dizia: só estou me divertindo..elas são muito disponíveis. Não aguentei. Terminei. Que fique com as disponíveis.

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    2. Terminei com o meu porque ele tinha dois celulares. Um era pra trabalhar e o outro pra namorar. Quando descobri, acabou. Joguei o celular e o namorado no lixo.

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  12. Wesley Safadão tem razão:

    Fez estrago aqui
    Mas o tempo 'tá ajudando a consertar
    Já faz mais de mês que eu não sei o que é chorar
    Mas não vou prometer
    Que depois que eu beber não vá te procurar
    É que a bebida faz a saudade lembrar
    E se eu te ligar
    Não me atende não
    Aperta no vermelho
    Que se apertar no verde
    Vai dar esperança pro meu coração
    A recaída é inimiga da razão

    Funciona assim não atende...para não dar esperança...
    Se todos fizessem assim seriamos mais felizes.

    Bruna

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  13. Às vezes no silêncio da noite
    Eu fico imaginando a sorte que tenho em ter um namorado tão gostoso
    Eu fico sonhando que bênção você não ter me atendido
    Minha vida mudou! E sem dúvida para melhor!
    Caetana
    # a todas não atendidas meu exemplo

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