segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Entre o medo e a esperança

 

Quando assistimos pela primeira vez na televisão, finalzinho de fevereiro de 2020, era tudo muito estranho, quase inacreditável. Pessoas morrendo nas ruas, hospitais lotados, cidade de Wuhan sitiada, ninguém entrava nem saía, todos usando máscaras, proibidos de sair de casa. Médicos apavorados não sabiam o que estava acontecendo. Parecia um filme de ficção científica. Mas isso estava acontecendo na China, lá no fim do mundo, do outro lado do planeta, jamais iria nos atingir. Até mesmo porque a cidade ficou em isolamento, marginalizada, apartada do resto da humanidade. Pra falar a verdade, nem sabíamos se aquilo estava mesmo acontecendo.

Não demorou muito e o drama se espalhou pela Europa. Só que ingenuamente acreditamos que nunca chegaria por aqui. O vírus não atravessaria um oceano e não resistiria ao calor tropical. Lá era inverno, neve, frio; aqui estávamos na quentura do verão, o vírus se afogaria no mar ou derreteria antes de nos atacar. Passaram-se algumas semanas, Espanha e Itália repetindo o drama chinês, foi a hora da Organização Mundial de Saúde decretar que estávamos frente a uma pandemia. Alguns de nós nunca havíamos escutado esta palavra, mas parecia algo sério que incluía todos os continentes e todos nós.

Precisávamos fazer quarentena, outra palavra pouco utilizada no dia a dia, mas que significava que deveríamos ficar reclusos em casa. Insólito, esquisito, bizarro, mas tudo bem, até veio a calhar. Imaginávamos que seriam uns quinze dias de férias, descansando, assistindo filmes, lendo livros, almoçando com calma e tendo tempo pra desfrutar do convívio familiar. As coisas estavam feias lá no outro lado do mundo, mas por aqui, aproveitávamos as abençoadas férias forçadas da quarentena. A tal de pandemia iria ficar por lá mesmo, estávamos apenas sendo cautelosos e nos prevenindo.

Só que não. A quarentena durou muito mais tempo, alguns perderam emprego, outros tiveram que fechar seus negócios, aulas foram suspensas. Noticiários começaram a mostrar mortes se avolumando, covas sendo abertas, caminhões frigoríficos sendo requisitados para guardar cadáveres. Mais uma vez, negamos o problema ou fizemos de conta que não era conosco, já que não conhecíamos ninguém que houvesse contraído a doença, muito menos morrido por causa dela. Isto estava acontecendo com desconhecidos que não se cuidavam, não possuíam saneamento básico, eram portadores de comorbidades e moravam em estados menos favorecidos. O mal nos pouparia. Doce engano.

O inevitável aconteceu.  A doença demorou um pouco para atravessar o oceano, mas acabou chegando, e veio com força. Conhecidos ou familiares passaram a se contaminar, alguns até perderam a vida. Com alguns meses de atraso, repetimos o quadro de horror europeu e nos transformamos no segundo país em número de mortes por Covid.  A doença está ai, batendo em nossa porta. Hoje estamos saudáveis, amanha podemos estar numa UTI entubados ou nem estarmos mais por aqui.

Quase doze meses depois de iniciada a pandemia, a situação parece piorar. Surge uma nova variante do vírus, uma segunda onda de contágio na Europa, vários países fechando fronteiras e decretando quarentenas mais ou menos rigorosas. Não sabemos onde, como, nem quando  isto vai terminar. Mas nem tudo é noticia ruim, brilha uma luz no fim do túnel avisando que vacinas experimentais desenvolvidas em tempo recorde estão chegando.

Qual sua experiência neste período de onze meses de gestação de incertezas? Entre o medo e a esperança, será que já nasceu ou está nascendo uma nova pessoa, diferente daquela que andava sem máscara e sem preocupação de se contaminar pelas ruas? Passou a acreditar mais ou menos na imprensa? Confia mais ou menos nos governos? E na indústria farmacêutica? As mídias sociais são seguras? Perdeu ou ganhou amigos? Aumentou ou diminuiu sua fé em Deus? E na humanidade como um todo, podemos ter esperança?

Talvez você não confie em mais nada, nem em Deus, mas certamente ele confia em você, por isso lhe colocou neste mundo e ainda o deixa por aqui. Talvez você tenha uma missão por cumprir ou quem sabe ele simplesmente goste de você e não lhe abandonará tão cedo. Entretanto, ainda que possa achar uma grande bobagem acreditar em Deus neste momento, pelo menos tenha confiança em si, que se cuidou direitinho, tem uma boa saúde e está conseguindo sobreviver. Não espere por um milagre, seja você o milagre.

Uma menininha de dez anos de idade andava na praia deserta pela quarentena catando estrelas do mar na areia e devolvendo-as ao mar. O calor era infernal, daqueles que deveriam ter matado o vírus, mas só as estrelas estavam morrendo. Eram milhares delas e a menina, com muita paciência e carinho, pegava uma a uma e as recolocava na água. Um policial vendo a menina em plena pandemia na praia, perguntou a ela o que estava fazendo.

Salvando as estrelas, respondeu graciosamente a menina. O policial argumentou que haviam milhares delas espalhadas na areia e que ela não conseguiria salvar a todas. Continuou a conversa dizendo que em outras praias deveria haver mais centenas de milhares e que ela  não daria conta de fazer todo este trabalho de salvamento. A maioria não resistiria ao calor e morreria.  A menina pegou a estrela do mar que estava em sua mão, levantou-a bem alto, na altura dos olhos do policial e disse: - Para esta estrelinha aqui, vai fazer toda a diferença. Colocou a estrela na água e continuou incólume sua jornada.

Independentemente do que você leia, escute ou acredite, aposte em você nesta pandemia. Faça a diferença. Seja a diferença. Seja você. Você é melhor que tudo isso.

Aquele que salva uma vida, salva o mundo inteiro – Talmud.

8 comentários:

  1. "Passou a acreditar mais ou menos na imprensa? Confia mais ou menos nos governos? E na indústria farmacêutica? As mídias sociais são seguras? Perdeu ou ganhou amigos? Aumentou ou diminuiu sua fé em Deus?"
    Infelizmente não acredito mais nesta imprensa global, saio do em busca de notícias de repórteres de credibilidade; a política, essa já não me surpreendeu, neste momento só tenho que dar um voto de confiança a nosso novo prefeito e sua tentativa de não afundar nossa cidade; minha fé continua a mesma; a indústria farmacêutica continua em sua luta para cada vez maior para dominar o mercado, desprezando remédios possíveis de serem usados e ou experimentando novas drogas nos inocentes que aí estão; as mídias se multiplicam cada vez mais; alguns amigos me perderam outros deixei de lado, fiz muitos outros, porém guardo em minha alma tantos outros que me fazem tanto bem.
    Sou singular, acredito que podemos sim, vencer este momento e que possivelmente jamais o esqueceremos.

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  2. Sensacional! Adorei! Abraços

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  3. Entre o medo e a esperança, fico com a esperança, mas confesso que tenho um pouquinho de medo. Medo dos políticos, medo do governo, medo dos mentirosos.

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  4. Perdi a fé nos governos, na imprensa e nas mídias sociais. Indústria farmacêutica sob suspeita. Em Deus fé total. Na humanidade, esperança.

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  5. Perdi a fé em algumas pessoas da política, alguns da imprensa, em alguns, alguns...
    Com certeza houve mudanças em mim.
    A melhor mudança é que minha fé aumentou e me dá coragem para superar esses momentos difíceis. E que venham mais mudanças para melhor. Legal o texto.

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    1. Perdi a fé e o respeito por esses sem vergonhas.

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