quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

JUST DO IT

 

18 de janeiro de 2020, sábado, 20 horas.

O casal Silvia (47) e Marcos (52) se prepara para ir ao cinema e depois comer uma pizza num restaurante recém-inaugurado. Os filhos André (25) e Laura (21) estão passando o final de semana com amigos na praia. O filme foi ótimo, o jantar maravilhoso, degustaram um ótimo vinho, estão felizes, alegres, apaixonados, deitam na cama e fazem amor sem preocupação com a hora de acordar no outro dia.

12 de dezembro de 2020, sábado, 20 horas, nove meses de pandemia.

Devido ao isolamento social imposto pelo coronavirus, casal e filhos se obrigaram a ficar em casa. Juntos assistem filmes, jogam cartas, montam quebra-cabeças, cozinham, lavam louça, conversam. Tempo é o que não falta para se divertirem na convivência familiar. Olhando assim de longe, podemos ter a impressão de que apesar de todos os problemas trazidos pelo isolamento social, nem tudo é ruim, há uma luz compensatória no fim do túnel. Pais e filhos podem ficar mais tempo juntos, conviver e estreitar seus laços de afetividade.

Só que não. Silvia e Marcos não tem relação sexual há quatro meses e vinte e um dias. Os motivos podem ser os mais variados, mas o que importa aqui é o fato de que agora, apesar de estarem muito mais tempo juntos, deixaram de fazer sexo e pior, nem conversam sobre o assunto. Simplesmente ignoraram, foram deixando esfriar, fazendo de conta que estava tudo bem. Deitam-se na cama, cada um vira para seu lado, desejam boa noite, apagam a luz e dormem (ou fingem que dormem). Nenhum dos dois se queixa, parece que estão conformados com a castidade, cansados de tudo, sobrevivendo, esperando a vacina chegar.

Quando o carro estragou, logo levaram para a oficina. Quando o chuveiro queimou, em poucas horas já compraram um novo. Assim que souberam da Ivermectina, correram para a farmácia e em seguida tomaram a medicação. Tudo funciona muito bem e com presteza na casa, exceto a intimidade do casal; assunto proibido, desconsiderado e empurrado com a barriga até o final da pandemia. Será que estão imaginando que quando a vacina chegar, além de acabar com o vírus, ressuscitará também o amor quase falecido?

Talvez, quem sabe? Ás vezes a própria convivência em demasia pode ser causa da diminuição do desejo mútuo. Sair para a rua, voltar a ver amigos, ir ao shopping, jantar fora, viajar, são situações que podem estimular a libido adormecida. Existe um pressuposto anônimo e bastante controverso sugerindo que os homens traem para se manter no casamento fracassado, já as mulheres quando traem, o fazem para acabar com o fracasso do casamento. Não há um manual ou receita de bolo com garantia de cem por cento de sucesso. Desculpem-me os terapeutas, mas acredito que os problemas sexuais de um casal podem ser mais facilmente resolvidos por eles na privacidade da cama, entre quatro paredes.

Uma das piores sensações experimentadas por um casal no relacionamento íntimo acontece quando você ama seu parceiro(a), está carente, quer carinho, precisa de afeto, se aproxima e é rechaçado porque o outro não está com vontade. Neste momento bate uma solidão indescritível, você perde o chão, fica mirando o teto, surgem mil dúvidas sobre o sentimento e, não raro, inicia-se a desconexão. Aquele que rechaçou quase nunca percebe o estrago que está causando, pois entende que é apenas uma questão de não estar a fim de sexo naquele momento. Triste engano, o que está acontecendo é muito mais que isso, o furo é mais embaixo. Bastaria uma simples tradução das intenções: para um sexo, para o outro, acolhimento.

Talvez um dos múltiplos efeitos psicológicos colaterais desta pandemia seja a diminuição do desejo sexual entre casais. O desejo ainda existe, está ali, quieto, adormecido, sem força suficiente para iniciar o sexo. E quanto mais tempo passar, mais enfraquecido ficará, menor intimidade, maior dificuldade em se iniciar o envolvimento. Talvez cada parceiro esteja esperando o outro tomar a iniciativa. Ambos estão presos na armadilha do silencio conjugal e, se não fizerem algo, já podemos antever a narração da crônica da morte anunciada do amor.

Talvez devessem colocar na cabeceira da cama um quadro com o slogan da Nike: JUST DO IT! Na ginástica e na corrida funciona muito bem. No inicio é difícil iniciar o exercício, mas aos poucos o corpo vai esquentando, hormônios vão sendo liberados e o que antes era um sacrifício se transforma em prazer. Claro, isto não funciona assim para todos. Também não quero que pensem que estou comparando corrida com sexo ou amor, por favor, não confundam.  Inicie a conversa, os toques, a aproximação, mantenha o bom humor e deixe os hormônios rolarem. Vai que funciona e quando menos se espera, o desejo volta a correr solto na cama. Just do it.

O ser humano, embora não perceba, necessita de conexão, mais até que comida ou abrigo. Não é preciso estar junto para ser um casal, mas estar junto não significa formar um casal. Silvia e Marcos, por força da pandemia, estão próximos em muitos momentos, mas não estão ligados um ao outro. Falta conexão, acolhimento, paixão, amor, diálogo, sexo e até mesmo esperança. Moram na mesma casa, mas não habitam a mesma cama. Dividem a cama, mas não compartilham seus corpos. Fazem as refeições, mas não alimentam suas almas.  Estão juntos tentando sobreviver à pandemia, mas não são mais um casal, são parceiros nesta batalha. 

Sobreviver é não viver, para assim, continuar vivo. É assim que pensam chegar ao fim da pandemia? Nadar,nadar e morrer na praia.

 

 

 

18 comentários:

  1. Como saber o que vai na alma de cada ser? Costumamos ouvir atentamente o que o outro nos declara ou deixamos para lá ? Somos respeitosos com o momento do outro e em conjunto aparamos as arestas? Penso que a vida flui e as ideias também! Como atualizar um relacionamento, nas entrelinhas? Pequenos fragmentos existenciais não resolvidos ou entendidos, possivelmente ficarão jogados nesta engrenagem familiar, e a qualquer momento, poderá estes provocar uma pane em todo o contexto. Penso que a inter-relação de circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação pesam muito numa relação, mas isso é assim no meu entendimento, outros poderão apreciar uma vida louca cheia de crises e manobras radicais.

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  2. Meu casamento não precisou da pandemia pra terminar. Dois anos juntos em silêncio conjugal levaram ao divórcio. Tenho pena de casais que emudecem e até mesmo daqueles que gaguejam. Mas pior ainda são os que mentem. Parabéns pelo texto, muito útil e atual. Flavia

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  3. Adorei! Um casal precisa conexão, carinho, sexo, amor, paciência e muita parceria para entender o tempo de cada um.

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  4. Rotina mata o amor? Não concordo. O que mata o amor é a desconexão, falta de atenção, perda da admiração, desrespeito. O vírus não tem culpa disso.

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  5. Boa noite
    O que mata o Amor é a mentira.
    Quem ama não mente, não engana, não iludi.
    Quando descobri que o homem que amava mentia, aos poucos fui deixando de ama-lo. Dava corda...e ele mentia...fingia que acreditava...mentia...perguntava...enrolava...era nítido.
    Um dia pensei: amo quem não me amava, preciso me amar...e consegui.
    Das muitas maneiras de matar um amor!
    Sonia

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  6. Amor é para os corajosos pois os fracos precisam de relações superficiais e, não conseguem ser verdadeiros. São vazios, como dar amor, lealdade se não tem!!!!! A pessoa que vivência o que o autor apresenta é claríssimo o quanto está distante de uma relação de verdade. Totalmente oco assistindo a vida passar😪

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    1. Bem colocado é mais fácil viver relações superficiais, não se envolver, ter várias relações. Conheço bem este tipo de relação, na minha humilde opinião doentia dos dois lados, aceito tudo, topo tudo, tolero tudo, mas tenho um homem, mal se dá conta que não tem é nada.
      Pobres criaturas.
      Vania

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  7. Tem casal que pratica o Just do it correndo juntos, fazendo exercícios juntos e sexo juntos. Tem casal que faz tudo isso separado. E tem casal que faz algumas coisas separados e o sexo juntos. Não há receita de bolo. Just do it.

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    1. Putz se relacionamento se sustenta-se com exercício e sexo tava fácil.
      Relacionamento é tesão e sexo, sexo por sexo qualquer um faz, mas aquele tesão não é qualquer um!
      Relacionamento é adaptação diária mais ainda na pandemia.
      Não sou do tipo "apenas faça".
      Carla

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  8. Tu podes Just do it, just do aquilo, quando o relacionamento acaba, acaba e pronto.
    Um até pode insistir, tentar investir, seduzir...perda de tempo.
    Já era...
    Melhor cada um seguir para não pegar nojo do outro.
    Paulo

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    1. Acho que sempre vale um último just do it pra sair de consciência tranquila, mas concordo que as vezes o nojo pega e daí não tem como reverter. Só não entendo como pode algo que uma vez era amor se transformar em nojo. Uma pena acontecer isso.

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    2. As pessoas não conseguem sair fora antes.
      Antes que não fique um pingo de amizade.
      Antes que o nojo se instale.
      Um limite muito tênue.
      É uma pena mesmo mas, somos os maiores responsáveis.
      Quem quer agradar a todos(as) acaba assim! Pegamos nojo e não queremos mais papo.
      Sinceridade é tudo!
      Paola

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  9. Nadar, nadar e morrer na praia! Gostei.
    Em novembro terminei meu relacionamento, 3 anos de relacionamento.
    Eu aqui em Porto Alegre, ele em Brusque. Idas...vindas...apesar da pandemia continuamos, eu ia de carro, ele vinha de carro.
    Voltava com um vazio, faltava algo a mais, tesão se perdeu (mais da parte dele). A viagem virou uma obrigação.
    Não perguntei, percebi...senti...ele conheceu outra moça. E estava feliz, recebeu um whats e não escondeu o sorriso.
    Melhor assim, penso que ficamos amigos, não pegamos nojo.
    Ele deu mil sinais ao longo da pandemia, eu fechei os olhos, não posso me fingir de cega uma vida.
    Impossível varrer o deserto...melhor assim.
    Viviane S

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  10. No início, a pandemia até nos aproximou. Agora dividimos o apartamento. Em breve cada um vai para seu canto. Ficou raiva e nojo!

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  11. Raiva é uma coisa, nojo é outra. Raiva passa, nojo é pra sempre. Se chegou no nível de nojo, a vaca foi pro brejo, não dá nem pra ficar perto. E o pior é que uma vez foi amor, ou algo parecido.

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    1. Sabe, acontece tanta coisa, tanta mágoa.
      Acaba por não restar nada.
      2020 foi um ano decisivo para mim!

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  12. E o que esperar de 2021? Na minha modesta opinião, não vai ser nada diferente de 2020. O que pode mudar somos nós. Podemos virar pessoas que dão prazer e satisfação ou pessoas que dão raiva é nojo. Isso está em nossas mãos. Não podemos jogar a responsabilidade disso em nada nem ninguém. Maria Teresa

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