Já percebeu que as fotos antigas, aquelas da época de seus bisavôs para trás, tinham algo em comum? Ninguém sorria. Nem mesmo reis, rainhas, imperadores, crianças, damas da sociedade. Até mesmo quando a família estava reunida em uma festa, os rostos não mostravam sinal algum de alegria. Será que a sociedade passava por tantos percalços que ninguém tinha vontade de sorrir? Claro que não.
Alguns
sustentam que a sobriedade das pessoas era devida à falta de dentes, o que as
envergonhava e obrigava a fechar a boca na hora das fotos. Ora, se quase todos
eram banguelas, não precisariam se preocupar com a feiura da boca, já que se constituía
em normalidade e ninguém iria depreciar esta condição ou se tornar menos
atraente pela falta ou podridão de alguns dentes. Além disso, crianças pequenas
ainda não sofriam deste mal e mesmo assim não sorriam.
No
entanto, a culpa dos rostos sisudos nas fotos não pode ser atribuída
exclusivamente à falta de tecnologia. Entre os anos 1850 e 1870, já era possível,
em condições adequadas, capturar fotos com apenas alguns segundos de exposição.
Nas décadas seguintes, isso era ainda mais rápido, no entanto, os rostos
fechados permaneceram.
Parece que
a explicação mais coerente para o recato fotográfico tem mais a ver com
moralidade que qualquer outra coisa. Lá atrás, a única maneira de registrar o
semblante de alguém, era um retrato pintado, processo demorado e caro, cujo
resultado seria eterno. Isto era um luxo para poucos bem aventurados, que não
queriam ser capturados para a posteridade com um sorriso idiota no rosto.
Sorrisos largos eram associados à loucura, grosseria, embriaguês, leviandade,
falta de decoro, característicos de bobos da corte, bêbados e cortesãs. As únicas
exceções eram os santos, muitas vezes retratados com leves sorrisos, quase
imperceptíveis.
A pintura
da Mona Lisa, também conhecida como Gioconda, é provavelmente o retrato mais
famoso na história da arte. O quadro, pintado em 1503, representa uma mulher
introspectiva, um pouco tímida e com um sorriso enigmático. Restrito, casto, modesto, porém muito
sedutor. O pintor Leonardo da Vinci conseguiu através deste sutil movimento dos
lábios ser controverso, elogiado, questionado, comemorado e reproduzido como um
vanguardista na estética do sorriso.
Em 1888, a
Kodak lançou no mercado a primeira câmera fotográfica automática. Podia ser
utilizada por qualquer pessoa, mesmo uma criança. A campanha de lançamento
dizia: você aperta o botão e nós fazemos o resto. Isso aumentou a popularidade
da fotografia, que rapidamente começou a esvaziar a arte da pintura. Ainda
assim, a herança do espírito de seriedade não foi abandonado. A fotografia,
assim como acontecia com a pintura, ainda era um ritual de passagem para a
imortalidade. Para algumas pessoas, a fotografia acontecia apenas uma vez na
vida, já que tinham de enfrentar longas viagens até o local das fotos, que
apesar de terem vencido a morosidade da exposição e revelação, ainda eram muito
dispendiosas.
Hoje,
incorporada ao cotidiano das pessoas, a fotografia deixou de ser um registro
único da pessoa para todo o sempre. Se você está carrancudo ou saiu mal numa
foto, não significa que você é ou será sempre assim. Pode bater quantas fotos
quiser até acertar o ponto. Ademais, as pessoas mudam e querem registrar essas
mudanças em fotos. Fazem selfies, caretas, sorriem, choram, abraçam, beijam,
dizem xis e vão clicando. Tiram trinta fotos, apagam vinte e sete, editam três,
gostam de uma e postam nas redes sociais. O estudo dos sorrisos nas fotografias
demonstrou que estar ou não sorrindo não tem nada a ver com o fato de estar
feliz ou não. Sorriso nem sempre é sinônimo de felicidade.
As pessoas
sorriem por muitas razões, contudo há apenas um tipo de sorriso que é usado
para transmitir felicidade genuína. A maioria dos sorrisos que recebemos são
falsos, mas não no sentido de enganosos. As pessoas sorriem para estabelecer
conexões com os outros, impressionar, seduzir, apaziguar, esconder o desconforto,
reagir à dor. Sorrisos são socialmente úteis, pois podem ter um impacto
positivo mesmo que não manifestem um sentimento genuíno de felicidade.
Dentre os
inúmeros aprendizados que vieram com a pandemia do coronavirus, está o uso das
máscaras, naquilo que é chamado etiqueta respiratória. Cobrimos o nariz e a
boca para não adoecermos e, como efeito colateral, escondemos nosso sorriso e
nos tornamos iguais na condição de vulnerabilidade e despersonalização. Mesmo
que alguns ainda as rejeitem, as máscaras se tornaram itens de primeira necessidade,
quase ou mais importantes que as peças intimas.
Pode até
parecer um jogo de palavras, mas usar a máscara nos desmascarou. Algumas
pessoas aproveitavam o sorriso como máscara para não mostrar suas verdadeiras
intenções, agora, obrigadas a vestir uma máscara, tapando o nariz e a boca, não
podem mais utilizar o sorriso como contágio transmissor de ideias ou
sentimentos enganadores. A máscara foi o antídoto para o sorriso falso.
Estamos
nos adaptando. Alguns estamparam um sorriso na própria máscara, outros a
retiram para falar, alguns ficaram mais bonitos, outros usam uma máscara por
cima da outra. Talvez a máscara ao invés de esconder, esteja cumprindo agora
aquilo que o escritor irlandês Oscar Wilde certa vez falou: Dê ao homem uma
máscara e ele lhe dirá a verdade, se tornando quem realmente é. Seja como for,
de uma forma ou de outra, a máscara está nos protegendo. Use máscara. Sorria
sem máscara. Se puder, sem medo.
O bom é quando a gente se pega sorrindo...de uma lembrança, de alguém...
ResponderExcluirEste texto me remeteu em muitas lembranças, fotos que bateram para comemorar meu primeiro ano de vida, lembrancinhas de aniversário. E foram muitas fotos, algumas chorando outras no jardim, no colo da tia e da vovó. Mas foi na adolescência que experimentei as famosas câmeras " Xereta dos anos 70", as revelações eram feitas em São Paulo, e quando as fotos reveladas chegavam, ganhava-se um novo rolo de filme para as próximas fotos. As máquinas passaram por evoluções até chegar ao celular e todos viraram fotógrafos. Quanto ao sorriso, este faço com meus olhos, com o coração e muitas vezes com a alma, a máscara é apenas um detalhe, que por sinal, não aprecio.
ResponderExcluirUm sorriso é lindo... mas em tempos de uso da máscara, o olhar é a parte do rosto que admiro muito e que se revela vários sentimentos.
ResponderExcluirSe observarmos bem em tudo há suas nuances de beleza.
Muito bom Dr Ildo! Parabéns!
ResponderExcluirNão ando numa fase de muitos sorrisos, a máscara tem me ajudado!
Os óculos são fundamentais, consigo ficar distante dos olhares mais profundos. Blindada! E nada de fotos!
abraços
Quantos gritos de socorro cabem em um sorriso?
ResponderExcluirUm sorriso vale mais do que ele dura
ResponderExcluirSorrir e não ter vergonha de ser Feliz!
ResponderExcluirEstamos loucos pra jogar fora as máscaras. Mas qual máscara vamos por no lixo? Máscara social ou a máscara de pano? Espero que a máscara de pano grude na máscara social, assim, toda vez que colocarmos a máscara de pano escondemos a máscara social da falsidade, e que quando, finalmente acabar está pandemia, possamos conviver sem qualquer tipo de máscara. São meus votos. Parabéns pelo brilhante insight Dr. Ildo. Continue escrevendo assim.
ResponderExcluirDIZEM TAMBÉM QUE TIRAR FOTO ROUBA UM POUCO DA ALMA DAS PESSOAS, POR ISSO ALGUNS SE RECUSAM A POSAR OU QUANDO SE DIGNAM A SERVIR DE MODELOS FICAM DE MAU HUMOR. GERALMENTE AS MODELOS FOTOGRAFICAS NÃO SORRIEM NAS FOTOS, MAS DAÍ JÁ É OUTRA HISTÓRIA
ResponderExcluirSuper heróis das histórias em quadrinhos usam máscaras, são ótimos para a humanidade, mas não podem revelar suas verdadeiras identidades e sentimentos. Prefiro ser um covarde, mas de cara limpa.
ResponderExcluir