quinta-feira, 1 de abril de 2021

Quem viver, verá

 

Quando iniciou a pandemia, me propus a escrever um ou dois artigos mensais sobre o tema. Minha ideia não era fazer um relato histórico do ponto de vista médico sanitário ou político. Isto é assunto para historiadores.  Queria falar sobre o lado psicológico, os sentimentos gerados pela ameaça de contaminação e como as pessoas estavam reagindo frente ao isolamento social.

Uma das dúvidas que me afligia era se a humanidade iria crescer ética e espiritualmente e se teríamos uma consciência de mundo melhor ao final da pandemia.  Não tenho uma resposta definitiva. A peste ainda não terminou, continuamos cada vez mais enrolados nesta balbúrdia. No entanto, passado mais de um ano de observações, algumas pistas puderam ser observadas.

Numa pesquisa realizada recentemente com indivíduos na faixa de 18 a 65 anos de idade, perguntaram quem gostariam de levar para um isolamento forçado de seis meses. Poderiam escolher entre qualquer pessoa, viva ou morta, ou um aparelho de telefonia celular. Setenta e três por cento dos entrevistados preferiram ficar na companhia do celular.

Pediram também que as pessoas escolhessem entre duas opções de comportamento na pandemia. Ficar trancado seis meses em isolamento total para depois ser liberado completamente saudável e imunizado ou ignorar o perigo e os pedidos das autoridades e sair imediatamente para a rua com o intuito de se contaminar, pegar a doença com sintomas leves,  se tornar imunizado e voltar logo à normalidade.  Sessenta e um por cento responderam que sairiam para a rua com o intuito de se contaminar e se livrar instantaneamente da doença, esquecendo-se que este comportamento coloca em risco a vida de outras pessoas.

Ainda não sinto segurança para emitir uma opinião sobre a idiossincrasia psicológica causada no último ano pela pandemia. Tirem suas próprias conclusões. O que tenho visto é um aumento expressivo no individualismo, uma queda acentuada na resiliência e, por tabela, uma ampliação no consumo de drogas, bebidas alcoólicas, ansiolíticos e antidepressivos. Além do medo, inerente à situação e insuflado diariamente pelos meios de comunicação, a insegurança, impotência e o sentimento de abandono passaram a habitar nossas mentes nestes últimos e melancólicos dias. Não podemos esquecer também daqueles que pensam estar de férias na praia fazendo festas e chamando amigos pra jantar.

Não sabemos o que está por vir. Não sabemos quando seremos vacinados, não sabemos se as vacinas serão eficazes, não sabemos como agem as novas cepas do vírus, não sabemos se seremos atendidos no hospital, não sabemos se haverá medicamentos ou oxigênio disponíveis, não sabemos se estaremos vivos amanhã.

Estamos em meio ao caos, uma hecatombe, um pesadelo, uma tragédia, talvez até mesmo uma guerra biológica. O caos, assim como o pesadelo, representa um estado de inconsciência com ordens por decifrar, onde circunstâncias são propícias para que algo aconteça. Seria o momento e a oportunidade de surgir algum mocinho ou super herói nesta história e nos salvar, mas por todo o lado que olhamos só enxergamos vilões. Na vida real os rótulos pouco importam, às vezes vilões se comportam como mocinhos e mocinhos como vilões. A confusão é tamanha que nem isto conseguimos definir.

É preciso fazer justiça, talvez até agora os únicos mocinhos desta história sejam os profissionais de saúde. Abandonam suas casas, lutam e até morrem para nos salvar.

Até quando vamos continuar sentados como vítimas na esperança de sermos descobertos e salvos enquanto silenciamos, sofremos e morremos? Qual o seu papel nesta história? Vítima? Figurante? Espectador? Mocinho? Vilão? Ainda não sabe? Uma coisa é certa, quando tudo isto acabar o final não será bem aventurado como nos contos de fada; depois deste estrago não conseguiremos mais ser felizes para sempre. As lembranças daquilo que passamos e a saudade dos que se foram deixarão sequelas permanentes. Talvez a gente até melhore, talvez tenhamos alguns pesadelos, mas isto será um castigo ou um prêmio? Quem viver, verá.

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8 comentários:

  1. Espero estar viva, para poder reencontrar, conviver com todos aqueles que me fazem crescer existencialmente... Muitas vezes me sinto a verdadeira vilã, gostaria de sacudir nosso governador para que ele se dê conta que temos em nossa sociedade, muitas pessoas que trabalham, produzem seu ganho para o dia. Pessoas que não tem condições financeiras nem de guardar o dinheiro no colchão, quanto mais em banco. Como poderá ele saber dessas dificuldades do próximo, se, não sair de seu palácio existencial. A sociedade terá que se reestruturar para novos enfrentamentos, e que tenhamos disposição para ajudar esses entes que surgirão. Espero que todos tenham um final feliz.

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  2. Bela reflexão. Quero viver, mas quero viver em um mundo melhor. Um mundo com menos mentiras e mais poesia. Um mundo menos egoista e com mais respeito ao semelhante. Um mundo sem fome e com amor. Será que é sonhar alto demais!

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  3. Quem tomar a vacina, verá!

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  4. Acho que vamos ficar mais um ano presos em casa e com as mortes se acumulando.

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  5. Eu escolheria ficar com meu cachorro trancado na pandemia. Tenho certeza que não me transmitiria o vírus e não reclamaria de nada.

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    1. E teria fidelidade e sinceridade...
      A melhor escolha!

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  6. Em tempos de reavaliar minha vida, percebi como é fácil viver no automático, não podemos nos iludir, não podemos deixar para o outro dia, precisamos ser sinceros e verdadeiros.
    Tb ficaria com meu cão na quarentena.
    Já fui traída e enganada por humanos e não me venha dizer: vc sabia! A dor é a mesma! Fico com o cão.
    Carla

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  7. Fiquei com meu cão e minha gata na pandemia. Fiquei em paz.

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