terça-feira, 1 de setembro de 2020

Beijo de máscara


 Em julho de 2012 escrevi um artigo ensinando como dar o melhor beijo do mundo. Apesar da pouca modéstia e enorme presunção do pretenso escritor, o texto fez bastante sucesso na época, tendo sido chamado para entrevistas no radio e televisão. Passei também por situações constrangedoras e inesperadas, eventualmente no meio de uma palestra ou reunião algum engraçadinho perguntava se haveria demonstrações práticas.

Na verdade não inventei nada de novo, nem me julgava um grande beijador, apenas me inspirei na música da compositora mexicana Consuelo Vélazquez, que aos dezesseis anos de idade declarou para seu amado:

“Besame, besame mucho, como se fuera ésta noche, la última vez
Besame, besame mucho, que tengo medo a perderte, perderte después”

O segredo do beijo maravilhoso não está na técnica, na boca, nos lábios ou na língua. É a cabeça quem potencializa o beijo. Imaginar que talvez aquele beijo seja o último, quiça nunca mais se repita, faz com que se aproveite ao máximo aquele encontro de bocas e seja sustentado com todo ardor. As bocas se prendem de tal forma, que não há como se desvencilhar, tampouco esquecer.


Passaram-se os anos, mudaram os conceitos. Durante uma conferência sobre relacionamentos afetivos, surgiu a proposição de que “o melhor beijo do mundo seria aquele que você interrompe o sexo para beijar”. Não faça julgamentos precipitados, é uma definição mais carnal, mas pense bem, por mais que você discorde, há um fundo de verdade na citação. Mas não é por este caminho que pretendo seguir.

Passaram-se mais alguns anos e agora estamos confinados em uma quarentena sanitária, beijos e abraços estão contidos com medo de contaminação. O beijo corriqueiro, o abraço comezinho, antes tão naturais, agora encontram-se racionados, controlados e até mesmo proibitivos, por isso mesmo, passaram a ser objetos de desejo. Lembrei-me então do beijo inesquecível. Cada vez mais, começa a fazer sentido a canção “besame mucho”. Beijar como se fosse a última vez.

Beijar sem sentimento pode até ser bom, mas é indiferente para a alma. De que vale um beijo que não faz vibrar a alma, perder o fôlego, gelar o estômago e voar desenfreadamente borboletas coloridas? Muitos falam que estão sentindo falta de beijos e abraços, mas de quais beijos estão falando?  “Selinho” ou “Não desgruda”? Abraços “protocolares” ou abraços “de urso”?

A graça de um beijo é ser desejado, conquistado, esperado. Beijo roubado não conta, vale como proeza para se gabar, mas é vazio, insosso, nada mais. “Selinho” então nem se fala, nem merecia ser chamado de beijo. Ansiamos, suspiramos, sonhamos em dar e receber o melhor beijo do mundo, mas como fazer isso agora quando bocas estão separadas por máscaras e corpos por dois metros de distância?

O beijo não começa quando as bocas se tocam, inicia bem antes. Primeiro surge um sentimento, seguido por um desejo, refletido por um pedido e retornado por um consentimento ou negação. Na prática acontece assim, você olha firme nos olhos da outra pessoa, se ela estiver sintonizada vai entender seu pedido. Pode até baixar os olhos envergonhados, levantando logo em seguida para consentir. Você confirma o pedido entregando sua alma com o olhar. Pronto, o beijo está dado, agora é só desfrutar.  Não é preciso falar, tocar, nem mesmo beijar a boca.

Sabe aquela máxima de ter os olhos maiores que a barriga, quando uma pessoa come uma boa refeição com os olhos? Chega a salivar de tão saboroso. Funciona assim com o beijo. Experimente beijar sem a boca. É mais difícil, pode até ser breve e durar pouco, mas é tudo. O gosto do beijo com os olhos vai melhorando na exata medida da entrega dos amantes e da veracidade do sentimento.

Em tempos de pandemia, escutar é o novo jeito de abraçar. Continuar ligado ao outro, envolvendo e sendo envolvido, já é um bom começo. Transformar um beijo contaminante num beijo sagrado, uma grande vitória.  Beijar por inteiro, sentindo- se completo e já sentindo a falta, um caminho para a cura.  Viver este momento como infinito, a consagração. O melhor beijo do mundo não é o mais demorado, o melhor abraço do mundo não é o mais apertado. O  melhor é aquele dado na pessoa certa.





11 comentários:

  1. O melhor beijo do mundo é aquele que está em nossos sonhos e possível de se realizar, é o beijo que tira o fôlego, que venha a ser o bálsamo para alma. Feliz daquele que encontra no beijo o despertar de seu próprio corpo em comunhão a outro. Acredito num beijo revelador...

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  2. Ahhh...que saudades tenho de beijos, abraços, conversas e risadas...com o rosto bem pertinho. Não vejo a hora de tirar a máscara e correr para o beijo.

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  3. Que saudade de ver os sorrisos que se escondem por debaixo das mascaras.

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  4. Beijo é igual a café...se não for quente não esquenta!

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  5. Nem sempre por trás da máscara tem um bandido ou um inimigo. Pode haver alguém bem legal, louco pra lhe dar um abraço

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  6. Informo; tem muito cara que se acha, e na questão sexo e beijo entrega Lebre ao invés do Coelho.

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  7. Lindo mesmo, para mim, é o jogo de sedução... seja estar próximo, o olhar, coração bem encostado com o coração do outro e por ai vai. Seja Feliz da maneira que quiser.

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  8. Pra mim, o melhor beijo do mundo é o que estou dando naquele instante. A cada beijo que dou sinto como se fosse o único, o melhor, o interminável. Até que venha o próximo. Mateus

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  9. Um beijo pode não ser uma coisa higiênica, mas que é a maneira mais saborosa de apanhar um germe, isso é.

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  10. Aprendi muito com um Filósofo.
    Que se ao invés de perguntarmos "por que" alguém fez isto ou aquilo, perguntarmos como se sentiu fazendo, estimulamos a pessoa a sair do pensamento lógico racional e damos chance da sensibilidade se expressar. Não há nada de errado em levar a vida pautada pela razão, só que desta forma, os beijos se tornam técnicos, polidos, contidos.

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  11. Gostei. Concordo o melhor abraço do mundo é aquele dado na pessoa certa. E o beijo também.

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