segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Santos e Pecadores


“Todo homem vale mais que seu erro”. Li esta frase e pensei em escrever sobre os errantes, mas não com aquele olhar que enaltece o homem que erra na tentativa de descobrir algo ou acertar. Também não pretendo analisar crimes ou outros atos bestiais.

Quero falar do outro lado do erro, daquelas pessoas que sem qualificação nem designação para a função, colocam-se no lugar de juízes, criticam e decidem o que é moralmente correto ou incorreto. Levam em conta suas verdades, aquilo que aprenderam ou lhes é conveniente no momento para condenar o suposto erro do outro. Acham-se donos da verdade, santos, castos, honestos, mas nem sempre fazem aquilo que pregam, tampouco reconhecem os próprios erros.

Imaginem uma mulher que no início do século XX, teve a ousadia de se divorciar, realizando aquilo que muitas secretamente desejavam. Algumas mais destemidas chegavam até mesmo a planejar a própria morte ou a dos maridos como solução de seus casamentos infelizes. Por que motivo esta divorciada era segregada da sociedade como se tivesse uma doença contagiosa? Qual o seu crime? Quem julgava e condenava esta mulher? Arrisco dizer que os carrascos eram seus vizinhos, parentes e amigos.

A educação judaico-cristã ensina que o pecado acontece por atos ou pensamentos. A simples vontade de se separar, a intenção do divórcio, o pensamento no assassinato ou suicídio, já configuram o pecado e induzem à culpa, mesmo sem efetivação do ato. Se outra pessoa tiver a coragem de cometer aquele “pecado” que imaginei, jogo minha culpa em cima dela e deixo que as convenções sociais se encarreguem do resto.  Errar é humano, colocar a culpa no outro é mais humano ainda.

Não estou julgando este tipo de pessoas. Elas também têm o direito de errar e valem mais que seus erros.  No livro “Mil e uma noites” há uma passagem falando que Deus colocou juízes no mundo para julgar apenas as aparências. Somente ele é quem julgara as intenções e sentimentos, pois os fez invisíveis para ter exclusividade neste processo.

Todos têm o potencial de mentir, trair, roubar, pecar em seus genes. Existe uma batalha constante entre hipocrisia e moralidade, amor e luxúria, crueldade e compaixão, modéstia e arrogância, honestidade e mentira, preconceito e tolerância. Do ponto de vista evolutivo, o melhor que a mente humana consegue fazer é tentar se equilibrar para sobreviver às tentações de ambiente e contexto. Nosso comportamento é o produto destas forças conflitantes em nossa mente, que é falha, sujeita a armadilhas, capaz de muita contradição e todo o tipo de truques. Quem de nós já não amou errado, odiou errado, julgou errado?

A palavra caráter advém do grego, e se refere às marcas indestrutíveis impressas nas moedas para identificá-las.  O caráter seria a moeda que utilizamos para julgar as pessoas e definir quem é bom, quem vale a pena, quem merece, quem será poupado. Aquele que um dia qualificamos como mau caráter, depois pode fazer o bem várias vezes e dificilmente nossa opinião mudará. Será que o contrário, ou seja, apenas uma única falha moral pode nos dar o direito de macular o caráter de uma pessoa para sempre? Quantas vezes confundimos ousadia com erro ou falha moral? A história está repleta de mártires condenados apenas porque ousaram. O simples fato de pensar diferente da maioria já isolou milhares em manicômios.

Certo e errado são apenas modos diferentes de entender nossa relação com os outros.  Santos e pecadores estão afastados por uma linha muito tênue. Quem somos nós para delimitar esta transição?


O mundo mudou, estamos em pleno século XXI e cada vez mais é o sentimento, em detrimento da moralidade, quem mantém ou desfaz relacionamentos Não é preciso mais casar para morar junto. Também não é obrigação se manter casado quando o amor termina. Muitos casais, mesmo se amando, separam-se. Alguns destes reconciliam-se um tempo depois. Melhor se abster e não fazer nenhum julgamento. Quando se trata de amor, nem sempre a lógica é respeitada. Julgar sentimentos alheios é muito complicado. O casal está feliz? Prejudicaram alguém? Então liga a música e segue o baile.

Julgamento e justiça são situações completamente diferentes. O mundo precisa de menos julgamentos e mais amor. Aquele que julga o outro, não tem tempo para amá-lo. Torço para que alcancemos logo o dia em que tenhamos uma vida tão cheia de amor, que os julgamentos e tribunais, nos moldes como os conhecemos hoje, tornar-se-ão completamente desnecessários. Afinal de contas, muitos tomaram a forma de pecador para que outros pudessem se tornar santos, entretanto, “alguns elevam-se pelo pecado, outros caem pela virtude” - William Shakespeare

Este artigo possui versão para o inglês.

3 comentários:

  1. Sou daquela que acreditam que um erro é uma dica de como fazer melhor da proxima vez.

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  2. "Se amar fosse pecado, jamais seria inocente..."

    Lúcia

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  3. O que seria um erro ou acerto? Quais seriam as heranças atávicas que levastes como legado? Uma moça de meados do século passado teria que ser pura para poder casar de véu e grinalda. Uma moça de valor não tinha relacionamentos sexuais antes do casamento, levavam consigo uma bagagem de valores e preceitos de uma época. Certo dia conversando com um grupo de conhecidos (advogados, juízes, professores e filósofos) perguntei a eles o que ocorria e como ocorria na mente de uma moça desta época na noite núpcia? Como romper todo um ensinamento tão combatido em sua vida, apenas por ter assinado uma certidão de casamento. O simples traço da tinta sobre um papel, desenhando o seu nome a autoriza a romper os conceitos que ouviu durante parte de sua vida? O que não era permitido antes a força da caneta sobre um papel lhe autoriza a tomada de outros comportamentos? Como saber a construção da estrutura do pensamento de um santo ou de um pecador?

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