quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Abundância

Ainda era escuro quando Clara acordou. Passara as noites anteriores em claro pensando em sua triste, densa e já distante vida de casada e nos eventuais encontros e desencontros pós separação. Olheiras e papadas demonstravam seu esgotamento. Aquela noite tudo foi diferente,  era escuro, mas de alguma forma, havia luz. Mais do que isso, havia brilho em seus olhos.  Sentia-se segura, tranquila e feliz. Durante o sono havia feito as pazes com seu inconsciente e com o mundo. Voltemos um pouco no tempo.

Recém divorciada, quarenta e cinco anos de idade, bonita, independente, livre e desimpedida para encontrar um novo amor. Tudo o que precisava para seu futuro era conhecer alguém legal, se apaixonar, não cometer os mesmos erros do passado e ser feliz. Apesar da suposta liberdade, Clara não conseguia se soltar. Permanecia escravizada pelas dúvidas. Pensamentos mil, resposta nenhuma, atitude zero
.


Valeria à pena começar tudo de novo? Estaria velha demais? Procuraria homens mais jovens? Mais velhos? Parecidos com o que havia deixado para trás ou apostaria no extremo oposto? Viveriam juntos ou em casas separadas?  Frente a tantas indecisões, Clara ficava paralisada e o tempo ia passando.

Tias apresentavam sobrinhos, colegas de trabalho falavam de irmãos desempregados, amigas convidavam para baladas noturnas, o cabeleireiro sugeria que circulasse em academias de ginástica pela manhã, à tarde no shopping e à noite em cursos de investimentos. Inscreveu-se em um site de relacionamento. Clara até arriscou um “encontro às escuras”. Em meio a toda esta agitação, sua terapeuta lhe recomendava paciência.

Teoricamente a oferta de candidatos era enorme, na prática nenhum servia. Todos apresentavam algum defeito que os desqualificavam. Haveria algum homem perfeito?  Não enxergava luz no fim do túnel. Com tantas opções de escolha, cada pretenso candidato concorria com outros tantos imaginários que poderiam ainda surgir. A dúvida e a indecisão estavam lhe aprisionando.

Às vezes até escolhia bons homens e iniciavam um relacionamento, mas cada pequena decepção, automaticamente fazia renascer a esperança de encontrar outro melhor, gerando arrependimento e diminuindo a empolgação com o parceiro selecionado. Quanto mais opções disponíveis, maiores as expectativas e menor a chance de agradar.

A abundância de escolhas estava tornando Clara miserável. Cercada de candidatos a príncipe e solitária como uma bruxa. Enquanto sonhava com homens melhores, não aproveitava o momento, não deixava fluir, frustrava-se e a história não rolava. Estava com a síndrome da insatisfação pela abundância.


Quando Clara acordou naquela noite, não precisava mais de respostas, pois as perguntas haviam sumido. Despertara do sonho de fadas convicta que a melhor parte da história não era imaginar o final “felizes para sempre”. Descobrira que a parte mais gostosa de qualquer história de amor é construír e vivê-la por inteiro, intensamente, e se possível, por mil e uma noites.

Clara havia despertado com o ronco do homem que dormia a seu lado. Apesar de torcer pelo time rival, fumar, não usar perfume e não dançar, ele a fazia sorrir, pensar, sentir, gozar e acima de tudo, não lhe dava chance alguma de hesitação na escolha de amá-lo. Uma boa história precisa ter começo, meio e fim, não necessariamente nesta ordem.






.


2 comentários:

  1. Pensando sobre algumas coisas em comum com Clara (rssrsr), fiquei me perguntando sobre a origem da impressão de que alguns homens não dão espaço para serem amados - ao menos não no mesmo tempo e modo nossos, particular. E me ocorre agora então, pensando, que tal dúvida não guardaria relação com a síndrome da abundância, mas talvez com a necessidade (carência?) de demonstração objetiva de que somos importantes para o outro.

    Gostei tanto do teu post!

    ;)

    ResponderExcluir
  2. É mesmo... muitas vezes o que procuramos não é o melhor para nós, apenas pensamos que seja.

    ResponderExcluir